REGINALDO MORAES: QUE OS SUPER-RICOS PAGUEM A CONTA OU COMO TIRAR A CLASSE MÉDIA DA INFLUÊNCIA DA DIREITA
(Ilustração: Blog do Miro) |
As
classes média e média alta pagam mais IR do que os verdadeiramente ricos, com
renda mensal superior a 160 salários mínimos. Em 2013, dos 72 mil super-ricos
brasileiros, 52 mil receberam lucros e dividendos – rendimentos isentos. Dois
terços do que eles ganham sequer é taxado.
Nos
últimos anos, os bilionários brasileiros e seus cães de guarda na mídia
perceberam que podiam conquistar o ressentimento da classe média para jogá-la
contra os pobres, os nordestinos, os negros...
A ideia é
simples: isenção para os pobres, redução para a classe média, mais impostos
para os ricaços.
Por Reginaldo Moraes (*) – no site Brasil Debate, de 08/09/2015 (Publicado
neste Evidentemente por sugestão do
companheiro Geraldo Guedes, advogado
em Brumado-Bahia)
Faz alguns anos, a Receita
Federal divulga os grandes números das declarações de renda. Neste ano,
divulgou dados que nunca divulgara. E com isso ficamos sabendo, número por
número, coisas estarrecedoras que só podíamos deduzir, observando o
comportamento de nossos ricaços. Veja alguns destaques:
Quantas
pessoas físicas fazem declaração?
Quase 27 milhões.
Qual
é o “andar de baixo”?
Os 13,5 milhões que ganham até 5
salários mínimos. Se deixassem de pagar IR, a perda seria de mais ou menos 1%
do total arrecadado pela receita. Só. E gastariam esse dinheiro, provavelmente,
em alimento, roupa, escola, algum “luxo popular”.
Quais
são os andares de cima?
São três andares:
1. Os que ganham entre 20 e 40
salários mínimos. Correspondem a mais ou menos 1% da população economicamente
ativa. Podem ter algum luxo, pelos padrões brasileiros. Mas pagam bastante
imposto.
2. Tem um andar mais alto. Os que
ganham entre 40 e 160 SM representam mais ou menos 0,5% da população ativa. Já
sobra algum para comprar deputados (ou juízes).
3. E tem um andar “de cobertura”,
o andar da diretoria, da chefia. A nata. A faixa dos que estão acima dos 160 SM
por mês. São 71.440 pessoas, que absorveram R$ 298 bilhões em 2013, o que
correspondia a 14% da renda total das declarações. A renda anual média
individual desse grupo foi de mais de R$ 4 milhões. Eles representam apenas
0,05% da população economicamente ativa e 0,3% dos declarantes do imposto de
renda. Esse estrato possui um patrimônio de R$ 1,2 trilhão, 22,7% de toda a
riqueza declarada por todos os contribuintes em bens e ativos financeiros. Pode
estar certo de que são estes que decidem quem deve ter campanha financiada.
Podem comprar candidatos e, também, claro, sentenças de juízes.
Quem
sustenta o circo? Quem mais paga IR?
A faixa que mais paga é a do
declarante com renda entre 20 e 40 salários mínimos, que se pode chamar de
classe média ou classe média alta.
Quem
escapa do leão?
O topo da pirâmide, o grupo que
tem renda mensal superior a 160 salários mínimos (R$ 126 mil). As classes média
e média alta pagam mais IR do que os verdadeiramente ricos.
Em 2013, desses 72 mil
super-ricos brasileiros, 52 mil receberam lucros e dividendos – rendimentos
isentos. Dois terços do que eles ganham sequer é taxado. São vacinados contra
imposto. Tudo na lei, acredite. A maior parte do rendimento desses ricos é
classificada como não tributado ou com tributação exclusiva, isto é tributado
apenas com o percentual da fonte, como os rendimentos de aplicações
financeiras.
Em 2013, do total de rendimentos
desses ricaços, apenas 35% foram tributados pelo Imposto de renda pessoa
física. Na faixa dos que recebem de 3 a 5 salários, por exemplo, mais de 90% da
renda foi alvo de pagamento de imposto. Em resumo: a lei decidiu que salário do
trabalhador paga imposto, lucro do bilionário não paga.
O
que isso exige da ação política?
Quando a classe trabalhadora e
suas organizações se enfraquecem, burocratizam ou recuam, deixam a ideologia e
os sentimentos da classe média sob o comando da classe capitalista. Mais ainda,
da sua ala mais reacionária. Pior ainda: a direita conquista até mesmo o
coração dos trabalhadores que são tentados a se imaginar como “classe média”.
Na história do século 20, o
resultado disso foi a experiência do fascismo, em suas múltiplas formas e
aparições.
Nos últimos anos, os bilionários
brasileiros e seus cães de guarda na mídia perceberam que podiam conquistar o
ressentimento da classe média para jogá-la contra os pobres, os nordestinos, os
negros, tudo, enfim, que se aproximasse dos grupos sociais que fossem alvo de
políticas compensatórias, de redistribuição. E contra governos e partidos que
tomassem essa causa.
E a esquerda, de certo modo,
assistiu a essa conquista ideológica sem ter resposta. Uma resposta política: a
criação de movimentos reformadores que fizessem o movimento inverso, isto é,
colocassem essa classe média contra os altos andares da riqueza. Nós não
soubemos fazer isso. Talvez pior: acho que nem tentamos fazer isso.
Aparece agora essa urgente
necessidade e a providência divina, travestida de Receita Federal, nos traz uma
nova chance.
Já sabíamos que os brasileiros
mais pobres pagam mais impostos, diretos e indiretos, do que os brasileiros
mais ricos. Sabemos que todos pagamos imposto sobre propriedade territorial
urbana – o famoso IPTU. E conhecemos o estardalhaço que surge quando se fala em
taxar mais os imóveis em bairros mais ricos.
Mas
sabemos coisa pior: grandes proprietários de imóveis rurais não pagam quase nada. Sobre isso não tem
estardalhaço. É assim: se você, membro da “classe média empreendedora”
passeante da Avenida Paulista, tem uma loja, oficina ou restaurante de self
service, paga um belo IPTU. Se você fosse um grande proprietário rural (como os
bancos e as empresas de comunicação), seu mar de terras com uma dúzia de vacas
não pagaria ITR. Ah, sim, teria crédito barato.
Tudo isso já é mais ou menos
sabido e merece reforma. Mas ainda mais chocante é o que se chama de “imposto
progressivo sobre a renda”, que agora sabemos que é ainda menos progressivo do
que imaginávamos.
Faz algum tempo escrevi um artigo
dizendo que a Receita Federal deveria concentrar sua fiscalização na última
faixa dos declarantes pessoa física, responsável por 90% do IR. Se o resto
simplesmente deixar de pagar não vai fazer tanta diferença. Além disso, a faixa
mais alta é aquela que menos recolhe na fonte e a que mais tem “rendimentos não
tributáveis” e de “tributação exclusiva”, isto é, rendimentos derivados de
investimentos, não de pagamento do trabalho.
Fui injusto ou impreciso,
moderado demais. A Receita e os legisladores podem economizar mais tempo do que
eu supunha. Basta que prestem atenção em 100 mil contribuintes, do total de 26
milhões. Essa é a mina. Se conseguir que eles paguem o que devem e se conseguir
que eles percam as isenções escandalosas que têm, posso apostar que teremos
mais dinheiro do que os ajustes desastrados e recessivos do senhor ministro da
Fazenda.
O que isso significa para o que
chamamos de esquerda – partidos, sindicatos, movimentos sociais? Sugiro pensar
em um movimento unificado com uma bandeira simples: que esses 100 mil ricaços
paguem mais impostos e que deem sua “contribuição solidária” para reduzir a
carga fiscal de quem trabalha. É preciso traduzir essa ideia numa palavra de
ordem clara, curta e precisa, mobilizadora. E traduzi-la numa proposta simples
e clara de reforma, cobrada do governo e do Congresso. A ideia é simples:
isenção para os pobres, redução para a classe média, mais impostos para os
ricaços.
Talvez essa seja uma boa ideia
para fazer com que a “classe média” que atira nos pobres passe a pensar melhor
em quem deve ser o alvo da ira santa. Afinal, milhares e milhares de pagadores
de impostos foram para as ruas, raivosos, em agosto, enquanto os nababos que de
fato os comandam ficavam em seus retiros bebendo champanhe subsidiada.
Os passeadores da Avenida
Paulista são figurantes da peça, eles não sabem das coisas – os roteiristas e
produtores nem deram as caras.
Em
que rumo os partidos e movimentos populares devem exigir mudanças?
1. É justo e perfeitamente
possível isentar todo aquele que ganha até 10 salários mínimos. Não abala a
arrecadação se cobrar um pouco mais dos de cima.
2. É necessário e legítimo criar
faixas mais pesadas para os andares mais altos. Mas não é suficiente.
3. É preciso mudar as regras que
permitem isenção e desconto para lucros e dividendos.
4. É preciso e é legítimo mudar
as regras para os pagamentos disfarçados, não tributáveis, em “benefícios
indiretos”. A regra tem sido um meio de burlar a taxação.
5. É preciso e é legítimo mudar
as regras de imposto sobre a propriedade territorial. A classe média estrila
com o IPTU. Mas deveria é exigir cobrança do ITR.
6. É preciso ter um imposto sobre
heranças. Com isenção para pequenos valores e tabela progressiva.
(*) Reginaldo Moraes é professor da Unicamp, pesquisador do
Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos
(INCT-Ineu) e colaborador da Fundação Perseu Abramo.
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