(Foto: Página/12) |
Cada passo está previsto,
calculado e meditado. Tem consciência de que todos os olhos estão postos nele e
que isso acrescenta as possibilidades de êxito no que se proponha. Não está
disposto a perder a oportunidade.
Por Washington
Uranga (jornalista uruguaio vivendo na Argentina) – no jornal argentino Página/12, edição impressa de
22/09/2015
O papa
Francisco transmite imagem de espontaneidade em cada um de seus gestos. Também
se ufana disso, como o fez agora em Cuba especialmente durante o encontro com
os religiosos e religiosas e com os jovens. Nas reuniões com as autoridades ele
é visto bem à vontade e alegre. Mas seria um erro confundir tudo isso com
improvisação. Bergoglio é um homem sumamente inteligente que pensa cada
movimento como um hábil jogador de xadrez. Nada está a depender do acaso. Tampouco
os gestos, as palavras e até os silêncios. A isso se agrega, como parte
fundamental da estratégia, a discreção em torno de cada movimiento. Tal
como admitiu o cardeal cubano Jaime
Ortega numa entrevista concedida à televisão cubana, este também é um
ingrediente “que lhe permite alcançar os objetivos” a que se propõe.
A visita que está realizando a
Cuba tem, tal como o próprio Bergoglio assinalou, um objetivo indiscutivelmente
“pastoral”. Quer dizer, terminar de reinstalar a Igreja Católica na vida dos
cubanos, tarefa iniciada por seus predecessores João Paulo II e Bento XVI despois
de anos de ostracismo durante a etapa mais ortodoxa da revolução. Mas as condições
hoje são outras. Porque mudou o momento histórico para os cubanos e porque este
papa conta com o prestígio e a legitimidade de haver colaborado efetivamente no
restabelecimento das relações entre a ilha caribenha e os Estados Unidos. Este é
um enorme saldo a favor que aumenta seu crédito tanto ante o povo como frente às
autoridades cubanas. Assim o admitem todos os atores e até as críticas dos dissidentes
– que reclamam que o Papa não os escute – perdem significação neste contexto. Ontem
(dia 21) em Holguín o Papa reconheceu “o esforço” da Igreja Católica cubana.
Francisco quer deixar como saldo de sua visita uma Igreja fortalecida tanto no
institucional como em relação a seus fiéis.
Mas o “pastoral” não exclui o
político. Nem tudo o que acontece é o que se vê e se divulga. Junto a concentrações
multitudinárias há também diálogos reservados que estão ocorrendo de forma
simultânea durante a visita e que apontam no sentido de facilitar o fim do
bloqueio. E o que resulta mais curioso é que tanto as autoridades norte-americanas
como as cubanas confiam em que o Papa “convença” a outra parte a ceder a certas
condições ou a facilitar determinadas questões que farão mais possível ir derrubando
todas as barreiras existentes. Em outras palavras: uns e outros aspiram a que
Bergoglio se converta em porta-voz e embaixador de seus pontos de vista. Mas não
menos certo é que uns e outros também consideram que Francisco é a garantia e o
impulsor da aproximação e ninguém se atreveria a lhe impor uma condição. Tampouco
o Papa o permitiria. Enquanto isso Francisco espera chegar nos próximos dias aos
Estados Unidos com uma pasta recheada de seus diálogos com os cubanos, onde se
incluem pedidos e também propostas e concessões. Com esses argumentos tentará,
ante Obama e os seus, dar um novo passo significativo rumo à total normalização
das relações entre os dois países.
Mas este propósito tampouco é
uma jogada isolada de sua estratégia a respeito da busca pela paz no mundo. Em
Havana disse que o processo de aproximação entre Cuba e os Estados Unidos é um
“exemplo de reconciliação para o mundo inteiro”, em meio à atual atmosfera “de
terceira guerra mundial por etapas que estamos vivendo”. Esta é a ideia que o
Papa tem sobre o que está ocorrendo no mundo. E está convencido de que a Igreja
Católica, em geral, e ele, de forma particular, têm um aporte a fazer nesse
sentido.
Por isso também insiste em que
o conseguido entre Cuba e os Estados Unidos depois de tantos anos de
enfrentamentos é um exemplo que pode servir para outros. “É um sinal da vitória
da cultura do encontro, do diálogo... sobre o sistema, morto para sempre, de
dinastia e de grupos”, disse o Papa. Por esse mesmo motivo fez também um pedido
em favor dos diálogos de paz entre o governo colombiano e a guerrilha das FARC
(Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), intercâmbios que se vêm
realizando precisamente em Havana. “Não podemos nos permitir outro fracasso”,
disse o Papa a respeito. O presidente colombiano Juan Manuel Santos se apressou
a agradecer as palavras de Francisco.
Também disse Francisco que
“nunca o serviço é ideológico, já que não se serve a ideias, e sim que se serve
às pessoas”. Esse é o lugar onde quer se concentrar. Numa perspectiva humanista
e à margem das disputas políticas. Não porque não as reconheça ou porque não
valorize a política. Sim porque entende que é o compromisso com o homem o lugar
a partir do qual a Igreja Católica e, em geral, as religiões, podem fazer suas
melhores contribuições ao mundo. O cardeal Jaime Ortega, na mencionada entrevista
concedida à televisão cubana pouco antes da viagem de Francisco, afirmou que “a
Igreja não está no mundo para mudar governos. A Igreja está no mundo para
penetrar com o Evangelho o coração dos homens. E os homens mudarão o mundo”. A
frase foi atribuída pelo próprio Ortega ao papa emérito Bento XVI mas, segundo
relatou, foi a ideia que ele transmitiu a Bergoglio no mesmo dia em que foi
proclamado como papa Francisco. Ortega assegura que Francisco faz sua essa
perspectiva: uma Igreja que incide, que alenta, que ajuda mas, ao mesmo tempo,
deixa as soluções finais nas mãos dos dirigentes. Esse é o sentido da estratégia
político-institucional de Bergoglio.
O Papa que
se dá espaço para a espontaneidade, que se apresenta como o homem que não poupa
franqueza e jovialidade, não deixa nada a depender da improvisação. Cada passo
está previsto, calculado e meditado. Tem consciência de que todos os olhos estão
postos nele e que isso acrescenta as possibilidades de êxito no que se proponha.
Não está disposto a perder a oportunidade.
Tradução: Jadson Oliveira
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