MÁRIO AUGUSTO JAKOBSKIND: ESQUEMA DO SENSO COMUM OMITE FATOS

A crise brasileira faz esquecer graves crises fora do Basil
Domingos Meirelles (presidente da ABI), na prática, somou-se às vozes das correntes conservadoras latino-americanas indóceis na retórica para indispor a opinião pública contra governos progressistas como o de Rafael Correa.

Por Mário Augusto Jakobskind, do Rio de Janeiro – reproduzido do jornal digital Correio do Brasil, de 14/09/2015

Ultimamente os acontecimentos no Brasil são tantos que têm deixado de lado comentários neste espaço sobre acontecimentos pelo mundo. Na Europa estão ocorrendo fatos lamentáveis, que remetem ao que há de pior na história da humanidade. Estamos falando dos milhares de imigrantes que fogem de países do Oriente Médio e África. As imagens no Mediterrâneo e mesmo em terra firme são de partir o coração.
E acontecem na mesma Europa em que em séculos passados seres humanos saiam à procura de vida melhor em outros continentes. Eram os tempos em que europeus procuravam outra vida nas Américas, onde eram recebidos dignamente e por aqui se estabeleceram. Na Europa o sistema vigente não dava condições de vida minimamente digna para amplas parcelas da população.
A fuga atual acontece por vários motivos, desde a guerra civil na Síria, estimulada pelo Ocidente, e o surgimento do chamado Estado Islâmico, que implanta o terror em área da Síria e do Iraque, passando por mudanças climáticas. Um Estado Islâmico que apareceu assim de repente não mais do que de repente, sabe-se lá com o apoio de quem.
A procura de dias melhores
Da Líbia partem milhares de pessoas que procuram na Europa dias melhores. E são recebidos de forma hostil, isso quando chegam à terra firme e não morrem afogados no meio do caminho.
Em resposta, a alemã Angela Merckel e o britânico David Cameron preferem utilizar uma retórica que no final das contas tem por objetivo fazer com que os europeus não assumam as responsabilidades sobre os acontecimentos nos países de onde milhares de seres humanos fogem.
A propósito da Líbia, hoje uma área devastada, um país que na prática deixou de existir, vale lembrar um fato que pouca gente sabe ou alguns que sabem preferem esquecer.
ONU ia premiar líder líbio
A OTAN queria de todas as formas (e conseguiu) acabar com Muammar Kadhafi, o dirigente líbio acusado de “ditador brutal” pelo Ocidente, mas que estava para receber das Nações Unidas um prêmio de Direitos Humanos, exatamente no mês de março pouco antes do início da ofensiva aérea que resultou em um número incalculável de vítimas.

Mas afinal de contas, se o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas concederia o prêmio, como poderiam os integrantes do setor condecorar um “ditador brutal”, na visão dos Estados Unidos e países integrantes da OTAN?

Uma total contradição, que deveria ser analisada pela mídia hegemônica, não fosse ela vinculada exatamente a interesses dos Estados Unidos e outros países ocidentais.
Khadafi em algum momento estava até sendo elogiado por governos europeus e mesmo dos Estados Unidos, mas a partir do momento em que deixou de seguir exigências ditadas pelo Ocidente, passou a ser satanizado, virou “ditador brutal”.

Vale ainda lembrar que na ocasião vários governos elogiavam Kadhafi e seu governo do povo (Jamahiriya). Em apoio à decisão do Conselho de Direitos Humanos da ONU se manifestaram os seguintes países: Dinamarca, China, Itália, Países Baixos, Mauritânia, Eslovênia, Nicarágua, Federação Russa, Espanha, Indonésia, Suécia, Noruega, Equador, Hungria, África do Sul, Filipinas, Maldivas, Chile, Singapura, Alemanha, Austrália, Cazaquistão, Letônia, Angola, Nigéria, Congo, Burundi, Zâmbia, Ruanda, Burkina Faso, Senegal, Costa de Marfim, Dzibuti, Zimbabue.

E, curiosamente, pouco tempo depois, o melhor é dizer, poucas semanas depois, alguns desses países mudaram em 180 graus suas posições, como a Itália, Alemanha e Espanha, ao considerarem Kadhafi “ditador brutal”.
O que aconteceu para que governos mudassem de opinião assim tão de repente não mais do que de repente?
Pesou na balança a riqueza petrolífera líbia, hoje controlada em grande parte por empresas multinacionais? Ou teria, além disso, o fator grana?
Na base de uma nota só
Ainda na área internacional, o presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), Domingos Meirelles, lançou nota no mês passado acusando o governo de Rafael Correa de “autocrático” em função de episódio envolvendo cidadã franco brasileira de nome Manuela Lavinas Picq.

A nota de Meirelles foi baseada em informe corrente divulgado pela mídia hegemônica. Ocupando o posto de presidente de uma entidade secular, com participação na história brasileira como a ABI, o senhor Meirelles deveria no mínimo ouvir outras versões e até mesmo, como jornalista, ter acesso a vídeos facilmente localizáveis na internet que mostram uma polícia acuada, violentamente agredida a pauladas por manifestantes antigoverno do Equador.

Meirelles demonstrou ser uma figura do senso comum, que divulga notas como esta recente, chegando ao absurdo de comparar o atual governo do Equador com governos ditatoriais dos anos 70 que só se mantiveram por encontrarem o apoio do Departamento de Estado norte-americano, por sinal o mesmo Departamento de Estado que tenta recuperar terreno perdido nas Américas exatamente pela ascensão de governos progressistas como o de Rafael Correa.
Prática da desestabilização

Manuela Lavinas Picq se disse maltratada pela polícia equatoriana e acusou o governo de Correa, que se elegeu com 60% do eleitorado, de “ditatorial”.

Chegou a afirmar que ficou com o olho roxo ao ser agredida em manifestação ao ser presa. Meirelles simplesmente ignorou a versão segundo a qual Manuela já estava com o olho roxo depois de ter se acidentado em Paris um mês antes do incidente em Quito.

Meirelles, na prática, somou-se às vozes das correntes conservadoras latino-americanas indóceis na retórica para indispor a opinião pública contra governos progressistas como o de Rafael Correa.

Domingos Meirelles não analisou outras informações sobre o fato envolvendo a franco brasileira Manuela, demonstrando um envolvimento emotivo de quem não tem o conhecimento necessário para se posicionar representando os jornalistas associados da ABI. Assim sendo ele não pode afirmar que a posição por ele manifestada é da ABI, mesmo tendo sido eleito. Ele não pode assumir posições sem questionamentos.

Manuela participava de marcha que tinha por objetivo cercar o Palácio de Carondelet, a sede do governo, e faltando meio quarteirão, o seu namorado, Carlos Peréz Guartambel, na linha de frente da mobilização foi detido junto com outros manifestantes. Manuela tentou impedir a ação policial, sendo detida junto com o manifestante.

Sendo estrangeira e não portando documentos e por ter sido detida agredindo agentes públicos de segurança, Manuela foi levada a uma unidade de saúde e depois a um hotel que serve de abrigo para estrangeiros sem documentos.
Ainda há de se investigar a história do namorado de Manuela, que se diz representante da etnia indígena, mas segundo denúncias, não só nunca a representou, bem como tem estreitos vínculos com empresas mineradoras que por não respeitarem a legislação ambiental do Equador estão perdendo suas concessões.
Por estas e muitas outras em episódios recentes, Domingos Meirelles na direção de uma entidade secular como a ABI, hoje pode ser considerado uma das vozes que ecoam por este continente latino-americano com o objetivo de desestabilizar com conspirações governos progressistas eleitos e reeleitos de forma incontestável.
Esse tipo de atitude reforça o informe da revista Caros Amigos sobre a existência atualmente de uma Operação Condor midiática.

Nesta altura, presidentes anteriores da ABI como Barbosa Lima Sobrinho e Maurício Azêdo, entre outros, devem estar se virando em seus túmulos pelos posicionamentos de Meirelles, que na verdade depõe contra a história da secular entidade.  
Mário Augusto Jakobskind, jornalista e escritor, correspondente do jornal uruguaio Brecha; membro do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (TvBrasil). Consultor de História do IDEA Programa de TV transmitido pelo Canal Universitário de Niterói, Sede UFF – Universidade Federal Fluminense Seus livros mais recentes: Líbia – Barrados na Fronteira; Cuba, Apesar do Bloqueio e Parla , lançado no Rio de Janeiro.

Direto da Redação é um fórum de debates editado pelo jornalista Rui Martins.

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