Rupert Murdoch, da retrógrada e partidarizada Fox News, ladeado por Roberto Marinho e Merval Pereira, da congênere Globo |
A
radicalização conservadora
Ela
ganha terreno no mundo, mas exibe particularidades no caso brasileiro
A velocidade com a qual cresceu a
extrema-direita brasileira é consequência de nossa “grande” imprensa funcionar
como uma única e imensa Fox News, a emissora de televisão partidarizada e retrógrada
de Rupert Murdoch.
Por Marcos Coimbra, em CartaCapital —
publicado 24/09/2015 06h23 – reproduzido do blog Viomundo – o que você não vê
na mídia
A
radicalização conservadora em avanço no Brasil é semelhante como seria de
esperar, características próprias.
Em
praticamente todo o mundo, o crescimento das organizações e da militância de
extrema-direita é uma marca dos últimos 30 anos. Saímos do século XX e entramos
no XXI obrigados a conviver com algo que parecia extinto desde quando o
nazifascismo foi derrotado na Segunda Guerra Mundial.
A base da
cultura democrática generalizada no pós-Guerra foi a tolerância e o
reconhecimento da legitimidade do outro na interlocução política. Ao mesmo
tempo que admitia a existência de interesses e pontos de vista distintos na
sociedade, estabelecia o princípio de que ninguém tinha o direito de impor os
seus aos demais, muito menos agir para eliminar aqueles de quem discordasse.
Paradoxalmente, até as ditaduras do período, como a brasileira a partir de
1964, buscaram nesses valores sua racionalização, apresentando-se como
“etapa” e “mal necessário” no processo de concretizá-los.
Como
mostram os estudos disponíveis, até meados da década de 1980, o típico
cidadão norte-americano considerava que republicanos e democratas, apesar de
suas discordâncias, eram igualmente bem-intencionados. Os eleitores podiam
filiar-se a partidos diferentes e acreditar em coisas diferentes, mas
reconheciam-se como iguais. Dissentir em matéria política não os tornava
adversários e, muito menos, inimigos.
Esse
quadro se desfez. Como revela um trabalho de 2014 dos professores S. Iyengar,
da Universidade de Stanford, e S. Westwood, da Universidade de Princeton, “(…)
no ambiente político norte-americano contemporâneo, constata-se uma crescente
hostilidade entre os cidadãos (…), quem se identifica com um partido expressa
visão negativa em relação ao outro e a seus simpatizantes. Enquanto os
republicanos percebem seus correligionários como patrióticos, bem informados e
altruístas, julgam os democratas como se possuíssem os traços opostos”.
O pior,
segundo os autores, é que a crescente polarização baseada em identidades
político-partidárias as extravasa: elas “(…) fornecem os elementos para juízos
de valor e comportamentos não políticos (…) levando os indivíduos a
frequentemente discriminar aqueles com quem não se sentem identificados”. Para
eles: “(Hoje) na sociedade norte-americana, a animosidade entre aqueles que se
identificam com algum partido é mais alta do que a hostilidade racial”.
Outras
pesquisas mostram que os níveis de antagonismo tendem a ser significativamente
maiores entre conservadores e republicanos. Os “fortemente republicanos”, entre
eles os integrantes do ultrarreacionário Tea Party, são aqueles que mais
discriminam. Na Europa, os exemplos de crescimento de organizações de
extrema-direita são tão conhecidos que nem é preciso enumerá-los.
Portanto,
não somente no Brasil aumenta a radicalização conservadora, embora tenha, entre
nós, especificidades.
A
primeira é a velocidade com que emergiu. Nos Estados Unidos ela precisou de
décadas, aqui, de pouquíssimos anos. No início de 2013, ninguém acreditaria que
teríamos uma direita furiosa nas ruas dali a meses, como vimos nos “movimentos”
de junho e julho daquele ano.
A segunda
é a inexistência, no Brasil de hoje, de um elemento integrado há séculos no
cenário político democrático: uma imprensa plural, com alguns veículos ligados
aos partidos e outros equidistantes de todos. Se, nos EUA e na Europa, os dois
(ou mais) lados vão à guerra partidária com suas tropas políticas, seus
militantes e suas máquinas de comunicação, enquanto instituições como o
Judiciário e a imprensa independente arbitram o conflito, aqui, a bem dizer, só
existe um lado.
A
velocidade com a qual cresceu a extrema-direita brasileira é consequência de
nossa “grande” imprensa funcionar como uma única e imensa Fox News, a emissora
de televisão partidarizada e retrógrada de Rupert Murdoch. A onda conservadora
teria se formado mais rapidamente nos EUA se lá existisse um despropósito
semelhante ao nosso, um conglomerado de empresas de comunicação que monopoliza
a mídia de massa e se proclama como “fazendo de fato a posição oposicionista
deste país”, nas inesquecíveis palavras da ex-presidente da Associação Nacional
dos Jornais.
A
terceira é nosso passado recente de ditadura, em uma sociedade cronicamente
hierárquica. Para inspirar-se, a direita brasileira tem apenas de olhar para
trás. De lá vem a sua truculência.
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