LUIZ FILGUEIRAS: A ESQUERDA SOCIALISTA NÃO PODE APOIAR O GOVERNO DILMA, MAS TEM QUE SER CLARAMENTE CONTRA O IMPEACHMENT
Manifestação em Salvador no último dia 20 contra o impeachment, contra o "ajuste", contra a direita e por mais direitos (Foto: Jadson Oliveira) |
“A esquerda
socialista tem que se posicionar, claramente, contra ele (o impeachment),
classificá-lo como “golpe” institucional e atuar concretamente para impedi-lo;
não pode ter receio de ser confundida com os apoiadores do governo, deixando
claro, de todas as formas, que não concorda com esse governo e que se constitui
numa oposição de esquerda que tem propostas completamente distintas”.
“A nossa fragilidade
política não será contornada por arroubos retóricos nem pelo medo de “nos
misturarmos e sujarmos as mãos”; o emparedamento do atual governo pelas forças
de direita e extrema direita as fortalecerá e criará um ambiente político de
enorme dificuldade para os trabalhadores e a esquerda socialista”.
NOTAS
PARA A ANÁLISE DE CONJUNTURA - 18/08/2015
Por
Luiz Filgueiras (*) (texto enviado ao
blog, via e-mail, pelo companheiro José
Donizette, mais conhecido como Goiano
– o título, os destaques e a foto acima são deste blog)
1-
O Partido dos Trabalhadores, suas Direções e o Lulismo são os responsáveis
fundamentais, principais, pela recente ofensiva política da direita e a
ampliação e difusão de sua ideologia e dos seus valores na sociedade
brasileira.
A
partir dos anos 1990, após a derrota eleitoral das forças de esquerda no ano anterior,
representadas pela candidatura de Lula, e o início da efetivação da agenda
neoliberal pelo Governo Collor, iniciou-se o processo de transformismo do PT -
que o levaria definitivamente, após a vitória de Lula nas eleições de 2002,
para o campo da defesa da ordem capitalista num país periférico. Essa vitória,
tal como ocorreu - lembrem-se da Carta ao Povo Brasileiro -, teve como
pré-condição fundamental a aceitação prévia dessa ordem.
Diferentemente
do transformismo da socialdemocracia europeia, o processo de transformismo do
PT iniciou-se antes da sua chegada ao governo e, portanto, antes mesmo da
implementação de qualquer de seus pontos programáticos. No entanto, tanto lá
como cá, a circunstância decisiva para o transformismo foi a ascensão político-ideológica
do neoliberalismo nos países capitalistas e a derrota do chamado “socialismo
real” - em que pese o PT ter nascido criticando essa experiência.
O
transformismo político, individual e/ou de grupos, se caracteriza pela
incorporação, pelas forças contra hegemônicas, do ideário político da ordem -
passando a defendê-lo e a operacionalizá-lo na prática, mas mantendo um
discurso e uma retórica que lembram ainda a sua atuação passada, mas já fora de
lugar. Mas o transformismo político é acompanhado, necessariamente, pelo
transformismo ideológico, ético e operacional. Daí não haver nenhuma surpresa
nos escândalos de corrupção do “Mensalão” e, agora, da chamada operação
“Lava-Jato”. A corrupção na esfera social e política não se trata apenas, nem
fundamentalmente, de um problema meramente moral e individual; ela está
incrustada nos mecanismos institucionais da ordem burguesa e na “balcanização
do Estado”. No caso do Brasil, podem ser citados, por exemplo, o financiamento
privado das campanhas eleitorais, as emendas parlamentares individuais, a
enorme quantidade dos chamados cargos de confiança e a fragilidade jurídica e
de fiscalização das relações entre o Estado e o capital - em especial as
licitações, mas não apenas. Todos os partidos que atuam defendendo e se
comprometendo com essa ordem, e seus respectivos governos, inevitavelmente se
corrompem; basta lembrar o Governo Sarney (tido, então, como o mais corrupto da
história), o Governo Collor (“o caçador de marajás”) e o Governo FHC (com o seu
processo mafioso de privatizações das empresas públicas e a compra de votos de
deputados para aprovação de um segundo mandato).
Mas
a denúncia e a crítica (em geral, cínicas e hipócritas) à corrupção é sempre,
em todos os países e em todos os momentos, uma arma política poderosa; no
Brasil, especificamente, podemos citar o “mar de lama” que levou ao suicídio de
Getúlio Vargas, a eleição de Jânio Quadros com a sua “vassoura”, o golpe
militar de 1964, a eleição de Collor e a sua derrubada e, agora, as
manifestações contra a corrupção na Petrobrás e a defesa do impeachment. A
corrupção é sempre a ponta do iceberg e o elemento mobilizador; no
entanto, no fundo, encoberta, se encontra a luta entre as classes e frações de
classes por seus interesses, em disputa pela hegemonia e o controle do Estado.
O transformismo político-ideológico-moral do PT, ao desarmar
politicamente os setores populares e os movimentos sociais, transformando-os em
boa medida em correia transmissora do Lulismo - fenômeno crucial para a
destruição/descaracterização do PT e a sua subordinação ao governo - criou a
atual conjuntura política adversa para os valores e as propostas da esquerda
socialista. Independente do que venha ocorrer no futuro imediato, todo esse
processo tem ajudado a desmoralizar a esquerda socialista em geral e a dar
combustível para a direita e as forças reacionárias. A luta da esquerda
socialista, pela conquista da hegemonia na sociedade, que já era difícil,
tornou-se, a partir de agora, muito mais desfavorável; essa é a herança dramática
que o PT, o Lulismo e os seus Governos estão deixando para as forças
socialistas anticapitalistas.
Por tudo isso, não se pode ter ilusão a respeito da
sinceridade do socialismo e do projeto político do PT, em que pese a existência
no seu interior, em posição subordinada, de tendências políticas socialistas e
com as quais devemos dialogar. O seu transformismo não tem retorno e, agora, a
sua desmoralização é incomensurável. Constato isso com uma enorme tristeza; uma
experiência socialista que criou enormes esperanças, não só no Brasil, mas que
terminou por se transformar em seu contrário.
2- A natureza dos Governos de Lula e Dilma
No Brasil, as políticas e reformas neoliberais iniciadas a
partir do Governo Collor acabaram por constituir um padrão de desenvolvimento
capitalista que pode ser denominado como sendo Liberal-Periférico. Esse padrão
se aprofundou durante os Governos de FHC e se consolidou durante os Governos
Lula e Dilma.
As características estruturais fundamentais desse padrão, que
o diferencia do padrão anterior - o conhecido Modelo de Substituição de
Importações -, podem ser resumidas em cinco pontos:
1- A relação capital/trabalho teve a sua assimetria aumentada
a favor do primeiro, em razão da reestruturação produtiva e da abertura comercial
- que implicaram o crescimento do desemprego estrutural, do trabalho informal,
da terceirização e da precarização do trabalho em todas as suas dimensões. Como
consequência, a capacidade de organização, mobilização e negociação dos
sindicatos se reduziu dramaticamente.
2- As relações intercapitalistas, em razão da abertura
comercial e financeira e das privatizações, foram redefinidas, alterando-se a
posição e a importância relativa das distintas frações do capital no processo
de acumulação e na dinâmica macroeconômica: o capital financeiro (nacional e
internacional) passou a ocupar posição dominante, deslocando a antiga hegemonia
do capital industrial; o capital estatal perdeu relevância em favor do capital
estrangeiro; e fortaleceram-se grandes grupos econômicos nacionais
produtores/exportadores de commodities e o agronegócio.
3- A inserção internacional do país na nova divisão
internacional do trabalho se alterou para pior, aumentando a sua
vulnerabilidade externa. De um lado, a pauta de exportação do país se
reprimarizou e se aprofundou o processo de desindustrialização iniciado ainda
na década de 1980. De outro, cresceu dramaticamente a sua dependência
financeira, fragilizando o Estado e reduzindo fortemente a sua capacidade de
fazer política macroeconômica. Tudo isso decorreu da abertura comercial e
financeira que também alimentou a desindustrialização do país e o crescimento
da dívida pública.
4- O papel e a importância do Estado, no processo de
acumulação e na dinâmica macroeconômica, se alteraram - em virtude do processo
de privatização e da abertura financeira. O Estado fragilizou-se
financeiramente e perdeu capacidade de regular a economia e de implementar
políticas macroeconômicas e de apoio à produção.
5- Por fim, em razão de todas essas mudanças, e ao mesmo
tempo alimentando-as, constituiu-se um novo bloco no poder, sob a hegemonia do
capital financeiro, que passou a ditar as políticas fundamentais do Estado.
Em suma, o padrão é liberal porque foi constituído a partir
da abertura comercial e financeira, das privatizações e da desregulação da
economia, com a clara hegemonia do capital financeiro - frente às demais
frações do capital. E é periférico porque o neoliberalismo assume
características específicas nos países capitalistas dependentes, que o torna
mais regressivo ainda quando comparado a sua agenda e implementação nos países
capitalistas centrais.
Do ponto de vista da dinâmica macroeconômica, a
característica fundamental desse padrão de desenvolvimento capitalista, que
aprofundou ainda mais a dependência tecnológica e financeira do país, se
expressa na sua extrema instabilidade e em uma grande vulnerabilidade externa
estrutural - que acompanham de perto as alterações cíclicas da economia
internacional. Esse padrão de desenvolvimento, com as características
estruturais aqui mencionadas, iguala todos os governos brasileiros que se
sucederam a partir de 1990.
No entanto, esse padrão de desenvolvimento, desde a sua
constituição, e a depender da conjuntura econômica internacional, passou por
distintos regimes de política macroeconômica: a âncora cambial do Plano Real no
primeiro Governo FHC, o tripé macroeconômico (metas de inflação, superávit
fiscal primário e câmbio flutuante) rígido no segundo Governo FHC e em parte do
primeiro Governo Lula e, por fim, esse mesmo tripé flexibilizado no segundo
Governo Lula e no primeiro Governo Dilma. Mais recentemente, a partir do
segundo Governo Dilma retornou-se à aplicação rígida desse tripé.
Esses distintos regimes, cujas vigências dependem decisivamente
da conjuntura internacional e que refletem prioridades e vantagens diferentes
no que se refere às distintas frações do capital, sempre implicam em alguma
acomodação do bloco no poder. Portanto, são esses regimes de política
macroeconômica que diferenciam os dois Governos de FHC, de um lado, e os dois
Governos de Lula e o primeiro de Dilma de outro - apesar de todos eles se
assemelharem, ao aceitarem e promoverem o Padrão de Desenvolvimento Capitalista
Liberal-Periférico.
O “boom” econômico internacional nos anos 2000, só
interrompido pela crise mundial deflagrada em 2008, permitiu, em razão da
redução da vulnerabilidade externa conjuntural do país, a flexibilização
(relaxamento) do tripé macroeconômico. Essa flexibilização, associada a outras
políticas adotadas principalmente a partir do final do primeiro Governo lula -
Bolsa Família, aumento real do salário mínimo e um programa de habitação
popular -, teve como consequência a elevação das taxas de crescimento do país e
a redução das taxas de desemprego, assim como a diminuição da pobreza absoluta
e uma pequena redução da concentração de renda no interior dos rendimentos do
trabalho.
A melhora desses e de outros indicadores veio acompanhada de
uma inflexão do bloco no poder, na qual o capital financeiro sofreu um
deslocamento em sua hegemonia absoluta, tendo que admitir o crescimento da
influência de outras frações do capital na condução do Estado: o agronegócio, o
capital produtor e exportador de commodities, as grandes empreiteiras e os
grandes grupos do comércio varejista; em suma a chamada burguesia interna, que
passou a ser objeto prioritário das políticas do Estado, em especial através do
BNDES, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e da Petrobrás. E tudo
isso, apoiado em um maior protagonismo do Estado, pode ser feito sem atingir os
interesses fundamentais do capital financeiro.
Esse momento conjuntural específico do Padrão de
Desenvolvimento Liberal Periférico - produto de uma conjuntura internacional
favorável e caracterizado por um regime de política macroeconômica que
flexibilizou o chamado “tripé”, reacomodou as distintas frações do capital no
interior do bloco no poder e permitiu incorporar, via mercado e de forma
passiva, determinadas demandas populares -, foi “vendido” politicamente pelo PT
e o Governo Lula como sendo um novo padrão de desenvolvimento, denominado por
eles de Neodesenvolvimentismo (desenvolvimento com distribuição de renda e
inclusão social) - que teria superado o Padrão Liberal Periférico
característico dos Governos Collor e FHC.
No entanto, a crise mundial do capitalismo deflagrada em
2008, com a consequente piora da conjuntura internacional, desmentiu
categoricamente essa ilusão. Ela incialmente dificultou e, depois, acabou por
inviabilizar a continuação da flexibilização do tripé macroeconômico e a
compatibilização dos interesses divergentes das distintas frações do capital e
dos distintos setores populares.
Com isso, a fragilidade e reversibilidade dos pequenos
benefícios conjunturais concedidos à classe trabalhadora vieram à tona, com o
retorno do tripé macroeconômico em sua versão rígida e a ameaça de novas
reformas neoliberais e aprofundamento das já efetivadas. Não há como
desconhecer: sem as reformas estruturais democráticas, abandonadas pelo PT no
seu processo de transformismo, não pode haver mudanças essenciais na situação
da classe trabalhadora.
Desse modo, não se pode ter qualquer ilusão a respeito da
capacidade do Padrão de Desenvolvimento Capitalista Liberal Periférico de
resolver os problemas e atender as necessidades da classe trabalhadora; nem
tampouco ter dúvidas da natureza apassivadora dos Governos Lula e Dilma - que
despolitizam a classe trabalhadora e incorporam, via mercado, sem qualquer
mudança estrutural e muito parcialmente, algumas de suas demandas.
3- A conjuntura imediata
A permanência da crise econômica mundial e a deterioração da
situação macroeconômica do país reacendeu a disputa entre as distintas frações
do capital, principalmente a partir da segunda metade do primeiro Governo
Dilma. Esse é o sentido mais profundo da atual conjuntura, na qual o regime de
política macroeconômica preferido pelo capital financeiro voltou a ser adotado
tal como no início do primeiro Governo lula.
No entanto, essa disputa está mediada e filtrada pelo sistema
político-partidário, a grande mídia e as Instituições e as distintas esferas de
poder do Estado – o Executivo, o Legislativo e o Judiciário -, evidenciando que
os distintos interesses em jogo vão muito além da estrita disputa travada entre
as distintas frações do capital. Além disso, esses interesses não são
facilmente e imediatamente discerníveis no plano partidário e da ação política
imediata, de tal forma que a sua representação no plano político se apresenta
de forma transversa, fragmentada, confusa e, muitas vezes, assumindo uma forma
obscura. Misturando-se a eles, complementando-os ou opondo-se, existem
aspirações e interesses de outros sujeitos, que atuam ativamente, como, por
exemplo, setores da chamada “classe média”, as diversas Igrejas – em especial
as Evangélicas -, as Centrais Sindicais e Patronais e os diversos movimentos
sociais.
Nesse quadro, os efeitos recessivos do regime de política
macroeconômica do “tripé rígido” adotado pelo Governo Dilma - eleita de forma
apertada e defendendo um caminho oposto ao do ajuste fiscal -, associado à
campanha anticorrupção deflagrada e promovida de forma articulada pelo
Judiciário e a grande mídia, turbinaram a oposição de direita, partidária e não
partidária - cuja expressão maior, no âmbito institucional, é a composição
extremamente conservadora do atual Congresso Nacional. Tudo isso levou ao
emparedamento do Governo Dilma, ao seu isolamento e a sua fragilização, dando
origem a uma crise política que, ao mesmo tempo, impulsiona e é impulsionada
pela crise econômica. Com isso, o Governo Dilma tem sido empurrado cada vez
mais para a direita; mas, curiosamente, quanto mais Dilma é empurrada para a
direita, assumindo e realizando a agenda neoliberal de Aécio, mais agressiva se
torna a atuação das forças neoliberais e conservadoras, fragilizando ainda mais
o Governo - que passou a perder apoio até entre os seus eleitores tradicionais.
Para piorar ainda mais o quadro, desde 2013 tem-se ampliado a
difusão e influência de valores reacionários na sociedade civil, com a ascensão
política de uma direita ideológica não partidária, organizada, atuante e
mobilizadora - em que se misturam e se fundem valores neoliberais e
conservadorismo/reacionarismo moral e de costumes. Esse é um fato novo: a
direita convocando e dirigindo manifestações de massa nas ruas, disputando com a
esquerda, de forma explícita, a hegemonia no interior da sociedade civil. Para
confundir ainda mais as coisas e embaralhar os distintos campos políticos,
ambas as oposições de direita - a partidária e a não partidária - passaram a
criticar e a dificultar o ajuste fiscal proposto pelo governo.
No âmbito parlamentar, a ofensiva da direita e do
conservadorismo vem se expressando em várias iniciativas, tais como: a redução
da maioridade penal, o projeto de generalização da terceirização, a lei
antiterrorismo, entre outros.
Nesse processo, a partir de certo momento, passou-se a propor
o impeachment da Presidente Dilma nas mobilizações de rua organizadas pela
direita não partidária e que aos poucos, de forma vacilante, começou a ter
adeptos também no âmbito político partidário. A maior ou menor aproximação
entre a direita partidária e não partidária, em cada momento da crise, é o
termômetro que sinaliza a possibilidade efetiva ou não de se levar às últimas
consequências o pedido de impeachment - em alguns momentos parecendo que o
Governo Dilma está por um fio e, em outros, parecendo que a proposta está se
esvaziando.
A divergência no interior do PSDB, sobre apoiar ou não o
impeachment pedido pelas mobilizações de rua e de que forma fazê-lo, evidenciam
de forma clara duas coisas: 1- As ambições políticas e vaidades dos vários
caciques desse Partido dificultam a unidade de ação da direita partidária, bem
como a sua aproximação das ruas. 2- O protesto contra a corrupção e o pedido de
impeachment aparecem como o que eles realmente são, isto é, instrumentos na
disputa política das diversas forças sociais para se chegar ao poder e defender
e implementar os seus respectivos interesses.
Mais recentemente, observam-se algumas circunstâncias e
iniciativas que parecem ser mais favoráveis ao governo, ajudando-o a começar
sair de seu total isolamento. Do ponto de vista das iniciativas políticas,
destaca-se, primeiramente, um movimento de aproximação do Governo com os
Senadores, que procura isolar o Presidente da Câmara para dificultar suas ações
contra o ajuste fiscal do governo e a sua tentativa de facilitar o
encaminhamento do impeachment. Essa aproximação tem por instrumento a chamada
Agenda Brasil - uma espécie de programa genérico, neoliberal/corporativista e
de interesses escusos -, proposta pelo Presidente do Senado e apresentado como,
supostamente, um conjunto de medidas para a retomada do crescimento.
A existência de possível acordo mais amplo em torno dessa
iniciativa, que envolva o Governo, o Senado, parte da Câmara, a grande mídia e
frações do grande capital não está ainda clara; mas não seria nenhuma surpresa
ou novidade na história do país: a conciliação do “andar de cima”, sem
rupturas, é sempre a fórmula utilizada pelos setores dominantes nos momentos de
crise aguda; o capital tem horror da instabilidade econômica e política. O
certo mesmo é que a proposta do Presidente do Senado foi precedida por
encontros dos donos das Organizações Marinho com Ministros e lideranças
político-partidárias e pela manifestação, através de uma nota, das Federações
da Indústria de SP e RJ na qual pedem moderação e responsabilidade para a
solução da crise. Além disso, a Agenda Brasil já se constituiu em objeto de uma
reunião do Ministro da Fazenda com os principais banqueiros do país e, nos
últimos dias, pode-se notar certo arrefecimento das críticas ao governo por
parte da grande mídia e mesmo o seu menor empenho no estímulo e convocação das
manifestações de domingo último (dia 16).
A outra iniciativa importante foi a Marcha das Margaridas em
Brasília e a reunião de centrais sindicais e movimentos sociais com a
Presidente da República e Lula, nas quais foi explicitada a disposição de
defesa do mandato da Presidente - sinalizando a capacidade do governo em
incentivar, se necessário, a mobilização de trabalhadores e segmentos populares
contra o impeachment - em que pese críticas que foram feitas, na mencionada
reunião, ao caminho que vem sendo trilhado pelo segundo Governo Dilma.
Não há dúvida, pelo o exposto até aqui, que a esquerda
socialista não pode dar nenhum apoio e crédito ao Governo Dilma e às suas
políticas, que claramente penalizam os trabalhadores e expressam, sem
possibilidade de disfarce, os interesses de certas frações do capital e, em
especial, os interesses do capital financeiro. Ao mesmo tempo, a esquerda
socialista não pode ficar alheia e/ou neutra com relação à possibilidade do
impeachment, claramente patrocinado pelas forças mais reacionárias da sociedade
brasileira.
4- A possibilidade do impeachment
O impeachment é um instituto legal e democrático, previsto na
Constituição do país; mas é um instrumento de natureza essencialmente política.
Portanto, se constitui em uma arma na atual disputa política que ora assistimos
e participamos e que já vem provocando efeitos, independentemente de vir a ser
efetivado ou não no futuro. Em especial tem ajudado a empurrar o Governo Dilma
cada vez mais para a direita, tornando-o refém das forças mais reacionárias
representadas no Congresso Nacional.
Diferentemente do impeachment de Collor, na atual conjuntura
a sua proposição é uma arma que vem sendo utilizada, claramente, pela direita
não partidária e alguns setores da direita partidária; além de estimulada e
também utilizada pela grande mídia. Faz parte da tentativa de controle do
Estado pelas forças político-sociais mais regressivas e reacionárias da
sociedade brasileira. A sua simples ameaça, sem qualquer tipo de confrontação,
fortalece essas forças político-sociais e sua eventual efetivação se desdobrará
num cenário político ainda mais adverso do que o atual para os trabalhadores e
a esquerda socialista.
Portanto, o impeachment não é um problema apenas do Governo
Dilma e do PT; ele atinge toda a esquerda socialista agora e no futuro. Os
Governos Lula e Dilma, assim como o PT, são vistos, queiramos ou não, como
socialistas, antiliberais e corruptos. As manifestações de rua, puxadas por
organizações de direita explicitam isso de forma clara; agora, nas de domingo
(dia 16), deixaram de fora qualquer crítica moral ou política ao Presidente da
Câmara, acusado de propina no contexto da Operação Lava-Jato, porque o mesmo é
um aliado que poderá facilitar o caminho do pedido de impeachment. Por tudo
isso, a esquerda socialista tem que se posicionar, claramente, contra ele,
classificá-lo como “golpe” institucional e atuar concretamente para impedi-lo;
não pode ter receio de ser confundida com os apoiadores do governo, deixando
claro, de todas as formas, que não concorda com esse governo e que se constitui
numa oposição de esquerda que tem propostas completamente distintas.
E mais, quanto mais rapidamente a possibilidade de
impeachment for descartada, mais claro e nítido ficará o cenário político,
abrindo-se um maior espaço para a crítica e as propostas da esquerda
socialista. A questão central da conjuntura é o confronto que opõe os que são a
favor e os que são contra uma ruptura institucional nesse momento; a esquerda
socialista não tem capacidade e influência na sociedade civil para substituí-la
por qualquer outra. Não pode ficar apenas constatando que, em certos momentos,
cresce a possibilidade efetiva do impeachment e, em outros, como agora - após
as iniciativas citadas anteriormente e o menor tamanho das manifestações do dia
16 e sua menor repercussão na mídia -, reduz-se a possibilidade de sua
ocorrência.
E o problema não se resolve com a adoção da palavra de ordem
“nem Dilma nem Aécio”; que é justa de forma geral, tendo em vista o caminho e a
estratégia independentes que a esquerda socialista deve percorrer na luta pela
hegemonia e a conquista do poder, mas que, na atual conjuntura, como palavra de
ordem para intervenção política na conjuntura, é apenas um slogan impotente –
que vocaliza e deixa claro que, para a esquerda socialista, tanto faz que o
impeachment ocorra ou não, como se nós tivéssemos capacidade de oferecer, nesse
momento, uma terceira alternativa. Isso é um equívoco enorme; a nossa
fragilidade política não será contornada por arroubos retóricos nem pelo medo
de “nos misturarmos e sujarmos as mãos”; o emparedamento do atual governo pelas
forças de direita e extrema direita as fortalecerá e criará um ambiente
político de enorme dificuldade para os trabalhadores e a esquerda socialista.
A esquerda socialista, dentro das limitações de suas forças,
tem que atuar como sujeito do processo, não pode esperar, como um expectador, o
que vai acontecer no futuro. O futuro é marcado pelo passado, mas
principalmente construído pelas ações que são feitas no presente; por isso, o
futuro está sempre aberto, no sentido de ser possível mais de uma trajetória. O
embate dos comportamentos e das ações a favor, contra ou neutros com relação ao
impeachment ajudará a construir determinada trajetória que se imporá no futuro,
definindo um cenário mais ou menos favorável aos trabalhadores e à esquerda
socialista.
Desse modo, participar das manifestações do dia 20 é se
posicionar e agir, ao mesmo tempo, contra as políticas do Governo Dilma e
contra o impeachment, tal como está explicitado na convocatória oficial da
manifestação assinada por inúmeros movimentos sociais e apoiada pelo PSOL e o
PCdoB: em defesa dos direitos sociais, da liberdade e da democracia, contra a
ofensiva da direita e por saídas populares para a crise. Contra o ajuste
fiscal! Que os ricos paguem pela crise! Fora Cunha: Não às pautas conservadoras
e ao ataque a direitos! A saída é pela Esquerda, com o povo na rua, por
Reformas Populares!
Em razão do conteúdo dessa convocatória - pelos direitos dos
trabalhadores e a democracia e contra o ajuste fiscal e às demais ações do
Governo Dilma - o PT se recusou a colocar o seu nome nela - embora esteja
ajudando na organização das manifestações. É notória a tensão política
existente entre esses movimentos sociais, de um lado, e o PT e o Governo Dilma
de outro; um motivo a mais para participarmos dessas manifestações e abrirmos
um diálogo sincero com esses movimentos - ainda bastante influenciados pelo PT,
mas que já dão sinais de certo descolamento, assim como manifestam claras
discordâncias com o Governo Dilma.
Por fim, devemos reconhecer uma obviedade: a
unidade da esquerda socialista é condição necessária e imprescindível para a
superação de sua debilidade política, o fortalecimento da luta da classe
trabalhadora e a viabilização de uma alternativa crível, própria desse campo
político; a sua atual fragmentação é a razão de sua impotência em intervir e
influenciar de forma relevante na conjuntura e, ao mesmo tempo, expressa uma
cultura política autoritária e intolerante - que enxerga eventuais divergências
conjunturais no seu interior como sendo divergências estruturais e estratégicas
insanáveis. Esse comportamento se sustenta na dificuldade que temos em fazer as
necessárias mediações políticas entre a busca do socialismo e as distintas
conjunturas históricas - que expressa uma espécie de preguiça e acomodamento
intelectual, em favor de fórmulas prontas.
(*) Luiz
Filgueiras é professor titular da UFBa, PHD em Economia do Desenvolvimento,
professor do curso de pós graduação de Economia Política e Desenvolvimento
Econômico.
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