(Foto: Ismael Francisco/Cubadebate) |
Analista cubano antecipa um duro jogo de estratégia política para o papa nos Estados Unidos, depois de sua visita à ilha.
"Se pensam que este país vai ficar nas mãos de empórios da notícia, como CNN e Fox News, estão equivocados. Cuba está preparada, porque sabe que as comunicações são parte importante da batalha ideológica".
Por Darío Pignotti, enviado especial a Havana - reproduzido do portal Carta Maior, de 22/09/2015
O momento mais político da visita de Francisco a Cuba, marcada pelos encontros com Fidel e Raúl Castro em Havana, no domingo passado, já ficou para trás. Nesta quarta, o papa encerra sua agenda no país caribenho, com atividades pastorais em Santiago de Cuba (no sudeste da ilha). Depois disso, embarcará em direção aos Estados Unidos para “jogar outra partida de xadrez” da série iniciada há dez meses, com o restabelecimento das relações entre os dois países, que já levou à reabertura das embaixadas, em julho.
“Estamos aguardando este novo passo, conscientes de que este é um longo processo. Veremos o que acontece durante a viagem de Francisco aos Estados Unidos. Como o receberão. Veremos a reação que haverá por parte dos políticos republicanos, também dos democratas, dos grupos de poder. Quero ver que cara eles vão fazer quando escutarem as palavras do papa”, comenta Ariel Terrero, jornalista e diretor do Instituto Internacional de Jornalismo José Martí, em entrevista com Carta Maior.
– Você acha que pode haver retrocesso nesse processo de descongelamento das relações?
– Esse “descongelamento”, eu prefiro classificar como “aproximação”, vai avançar porque a estratégia do bloqueio fracassou.
– Em quanto tempo isso acontecerá?
– Isso dependerá do grupo que está no poder nos Estados Unidos, que é representado por Obama, que é mais pragmático a respeito deste fracasso da estratégia do bloqueio, e por isso vem tomando as medidas nessa direção. Não é que os Estados Unidos veio humildemente dar uma mãozinha aos cubanos.
– E se os republicanos vencem em 2016?
– Uma coisa é o que eles dizem na campanha, atacando Cuba, falando contra o fim do bloqueio. Outra coisa é o que eles farão se ganham a eleição. Mesmo se Bush III (Jeb Bush, pré-candidato republicano, irmão de George W. Bush) for o eleito, ele terá que ser realista, e se é realista, não garanto que retrocederá com as políticas que Obama está impulsando agora.
– Então o bloqueio está com os dias contados?
– O bloqueio está com os minutos contados. Minutos em termos históricos. Na verdade, não sei quantos serão em realidade. O bloqueio está condenado à morte há muito tempo, tanto que Obama teve que reconhecer finalmente esse fracasso. Hillary Clinton, que é democrata, escreveu algo similar há algum tempo, e alguns políticos de direita sérios disseram o mesmo: a política de acosso a Cuba estava equivocada.
– Francisco foi determinante para isso?
– Concordo com a importância desta visita do papa, mas não creio que o caminho que leva ao fim do bloqueio tenha se iniciado somente graças a ele. Foi uma grandiosa colaboração, não há dúvidas. Mas a análise deve ser mais ampla. Creio que o papa não foi o fator determinante, tampouco Obama, e nem mesmo Raúl. O fator determinante foi o processo histórico.
– Acabaram as hostilidades?
– Não, nós cubanos não somos ingênuos a ponto de acreditar nisso.
– Estamos diante de uma III Guerra Mundial?
– O papa falou de uma III Guerra Mundial por etapas. Disse isso ao chegar a Cuba, não foi uma expressão casual, porque ele já havia feito alusões a essa ideia em outras ocasiões, e é uma análise importante. Eu diria que, ultimamente, nós estamos presenciando guerras diferentes, nas que morrem mais civis do que morreram na II Guerra Mundial, os famosos danos colaterais, agora em grandes proporções. Este papa não se limita a ler a Bíblia, é uma pessoa que fala sobre o que acontece num mundo onde há muitos conflitos.
– Enquanto isso, Washington e Havana assinam a paz.
– Pensar que já assinamos a paz é equivocado.
– Virão novas batalhas então?
– Eles estão mudando a tática, dentro desse jogo de xadrez. Antes atacavam com os bispos, agora avançarão com as torres, e nós teremos que saber nos defender. Este papa merece respeito. Ele disse aos jovens, durante esta viagem, que sonhem, mas que `saibam construir a esperança dentro da realidade´. É isso, que nós também insistimos em dizer aos cubanos: nós vamos negociar com os Estados Unidos, mas não somos tontos para acreditar que Obama vem nos trazer a paz. Os norte-americanos têm intenções a longo prazo que não mudaram.
– Parte dessa estratégia passa por uma penetração em seus meios de comunicação.
– Eles sempre buscam os seus objetivos, sempre quiseram trazer os seus grandes meios a Cuba, mas é preciso ver se Cuba está de acordo com isso. Se pensam que este país vai ficar nas mãos de empórios da notícia, como CNN e Fox News, estão equivocados. Cuba está preparada, porque sabe que as comunicações são parte importante da batalha ideológica. Estamos sendo atacados pelo bombardeio informativo dos Estados Unidos há 50 anos, é algo que analisamos frequentemente neste Instituto José Martí.
Economia
Terrero recebeu a Carta Maior na sede do Instituto José Martí, localizada na Avenida de los Presidentes, uma via onde se pode ver grandes casas, algumas das mansões desapropriadas pela revolução.
– O fim do bloqueio está associado às reformas econômicas. Seguirão o modelo chinês ou o vietnamita?
– Seguiremos o modelo cubano.
– Como pretendem conter a invasão norte-americana?
– Muitos empresários norte-americanos acham que vão entrar livremente no nosso mercado, através do porto de Mariel. Estão equivocados. Não levam em conta o que Cuba vai fazer, o fato de que sabemos o que fazer. Eles não vão entrar assim tão facilmente, terão que compartilhar o espaço com as empresas de outros países e com as empresas estatais cubanas, as cooperativas cubanas, as microempresas nacionais cubanas. Isso é muito importante.
Nós estamos mais preparados que os Estados Unidos para esta nova situação. Claro que temos problemas econômicos internos a solucionar.
– Imagina um McDonald´s em frente à Praça da Revolução?
– Nós temos hambúrgueres muito bons por aqui, tomara que isso não aconteça. Talvez sim, mas a política que estamos fazendo é para que isso não ocorra.
– Pode nos dar mais detalhes do modelo cubano de reformas?
– É um modelo onde a diversificação das nossas relações econômicas internacionais é um tema muito importante. Isso é o que estamos promovendo desde já, e fortalecendo essas relações com o Brasil e o México, de onde vieram importantes investimentos, além de importantes acordos com a China, e aproximações com os espanhóis, com os britânicos, que já vinham desde os Anos 90, e que ganharam uma maior dinâmica a partir de uma lei de 2010, e a intenção agora é quintuplicar esses investimentos. Não vamos dar as costas aos países que investiram aqui em todos estes anos. Queremos mais investimento no turismo, na indústria de manufaturas, nos alimentos, na agricultura e no petróleo.
– Em termos de petróleo, se fala de grandes reservas ainda não exploradas?
– Há estudos que indicam a possibilidade de que exista petróleo no Golfo de México, que é uma zona compartilhada por Cuba, México e Estados Unidos. Se algum dia descobrem reservas numa área que é dividida por dois países, e se esses dois países têm uma relação civilizada, podem assinar um acordo sobre quanto disso será explorado por cada parte. Mas se não existem essas boas relações, a situação é mais complexa. Por isso, se as relações com Estados Unidos estão menos conflitivas, essa discussão poderia ser mais civilizada.
– Hoje, quase todo o petróleo que eles consomem é importado?
– Hoje, nós temos petróleo para cobrir 50% das nossas necessidades, por isso temos que importar o restante da Venezuela e de outros países. Muitas das coisas que dizem a respeito da nossa relação econômica com a Venezuela são falsas.
Tradução: Victor Farinelli
“Estamos aguardando este novo passo, conscientes de que este é um longo processo. Veremos o que acontece durante a viagem de Francisco aos Estados Unidos. Como o receberão. Veremos a reação que haverá por parte dos políticos republicanos, também dos democratas, dos grupos de poder. Quero ver que cara eles vão fazer quando escutarem as palavras do papa”, comenta Ariel Terrero, jornalista e diretor do Instituto Internacional de Jornalismo José Martí, em entrevista com Carta Maior.
– Você acha que pode haver retrocesso nesse processo de descongelamento das relações?
– Esse “descongelamento”, eu prefiro classificar como “aproximação”, vai avançar porque a estratégia do bloqueio fracassou.
– Em quanto tempo isso acontecerá?
– Isso dependerá do grupo que está no poder nos Estados Unidos, que é representado por Obama, que é mais pragmático a respeito deste fracasso da estratégia do bloqueio, e por isso vem tomando as medidas nessa direção. Não é que os Estados Unidos veio humildemente dar uma mãozinha aos cubanos.
– E se os republicanos vencem em 2016?
– Uma coisa é o que eles dizem na campanha, atacando Cuba, falando contra o fim do bloqueio. Outra coisa é o que eles farão se ganham a eleição. Mesmo se Bush III (Jeb Bush, pré-candidato republicano, irmão de George W. Bush) for o eleito, ele terá que ser realista, e se é realista, não garanto que retrocederá com as políticas que Obama está impulsando agora.
– Então o bloqueio está com os dias contados?
– O bloqueio está com os minutos contados. Minutos em termos históricos. Na verdade, não sei quantos serão em realidade. O bloqueio está condenado à morte há muito tempo, tanto que Obama teve que reconhecer finalmente esse fracasso. Hillary Clinton, que é democrata, escreveu algo similar há algum tempo, e alguns políticos de direita sérios disseram o mesmo: a política de acosso a Cuba estava equivocada.
– Francisco foi determinante para isso?
– Concordo com a importância desta visita do papa, mas não creio que o caminho que leva ao fim do bloqueio tenha se iniciado somente graças a ele. Foi uma grandiosa colaboração, não há dúvidas. Mas a análise deve ser mais ampla. Creio que o papa não foi o fator determinante, tampouco Obama, e nem mesmo Raúl. O fator determinante foi o processo histórico.
– Acabaram as hostilidades?
– Não, nós cubanos não somos ingênuos a ponto de acreditar nisso.
– Estamos diante de uma III Guerra Mundial?
– O papa falou de uma III Guerra Mundial por etapas. Disse isso ao chegar a Cuba, não foi uma expressão casual, porque ele já havia feito alusões a essa ideia em outras ocasiões, e é uma análise importante. Eu diria que, ultimamente, nós estamos presenciando guerras diferentes, nas que morrem mais civis do que morreram na II Guerra Mundial, os famosos danos colaterais, agora em grandes proporções. Este papa não se limita a ler a Bíblia, é uma pessoa que fala sobre o que acontece num mundo onde há muitos conflitos.
– Enquanto isso, Washington e Havana assinam a paz.
– Pensar que já assinamos a paz é equivocado.
– Virão novas batalhas então?
– Eles estão mudando a tática, dentro desse jogo de xadrez. Antes atacavam com os bispos, agora avançarão com as torres, e nós teremos que saber nos defender. Este papa merece respeito. Ele disse aos jovens, durante esta viagem, que sonhem, mas que `saibam construir a esperança dentro da realidade´. É isso, que nós também insistimos em dizer aos cubanos: nós vamos negociar com os Estados Unidos, mas não somos tontos para acreditar que Obama vem nos trazer a paz. Os norte-americanos têm intenções a longo prazo que não mudaram.
– Parte dessa estratégia passa por uma penetração em seus meios de comunicação.
– Eles sempre buscam os seus objetivos, sempre quiseram trazer os seus grandes meios a Cuba, mas é preciso ver se Cuba está de acordo com isso. Se pensam que este país vai ficar nas mãos de empórios da notícia, como CNN e Fox News, estão equivocados. Cuba está preparada, porque sabe que as comunicações são parte importante da batalha ideológica. Estamos sendo atacados pelo bombardeio informativo dos Estados Unidos há 50 anos, é algo que analisamos frequentemente neste Instituto José Martí.
Economia
Terrero recebeu a Carta Maior na sede do Instituto José Martí, localizada na Avenida de los Presidentes, uma via onde se pode ver grandes casas, algumas das mansões desapropriadas pela revolução.
– O fim do bloqueio está associado às reformas econômicas. Seguirão o modelo chinês ou o vietnamita?
– Seguiremos o modelo cubano.
– Como pretendem conter a invasão norte-americana?
– Muitos empresários norte-americanos acham que vão entrar livremente no nosso mercado, através do porto de Mariel. Estão equivocados. Não levam em conta o que Cuba vai fazer, o fato de que sabemos o que fazer. Eles não vão entrar assim tão facilmente, terão que compartilhar o espaço com as empresas de outros países e com as empresas estatais cubanas, as cooperativas cubanas, as microempresas nacionais cubanas. Isso é muito importante.
Nós estamos mais preparados que os Estados Unidos para esta nova situação. Claro que temos problemas econômicos internos a solucionar.
– Imagina um McDonald´s em frente à Praça da Revolução?
– Nós temos hambúrgueres muito bons por aqui, tomara que isso não aconteça. Talvez sim, mas a política que estamos fazendo é para que isso não ocorra.
– Pode nos dar mais detalhes do modelo cubano de reformas?
– É um modelo onde a diversificação das nossas relações econômicas internacionais é um tema muito importante. Isso é o que estamos promovendo desde já, e fortalecendo essas relações com o Brasil e o México, de onde vieram importantes investimentos, além de importantes acordos com a China, e aproximações com os espanhóis, com os britânicos, que já vinham desde os Anos 90, e que ganharam uma maior dinâmica a partir de uma lei de 2010, e a intenção agora é quintuplicar esses investimentos. Não vamos dar as costas aos países que investiram aqui em todos estes anos. Queremos mais investimento no turismo, na indústria de manufaturas, nos alimentos, na agricultura e no petróleo.
– Em termos de petróleo, se fala de grandes reservas ainda não exploradas?
– Há estudos que indicam a possibilidade de que exista petróleo no Golfo de México, que é uma zona compartilhada por Cuba, México e Estados Unidos. Se algum dia descobrem reservas numa área que é dividida por dois países, e se esses dois países têm uma relação civilizada, podem assinar um acordo sobre quanto disso será explorado por cada parte. Mas se não existem essas boas relações, a situação é mais complexa. Por isso, se as relações com Estados Unidos estão menos conflitivas, essa discussão poderia ser mais civilizada.
– Hoje, quase todo o petróleo que eles consomem é importado?
– Hoje, nós temos petróleo para cobrir 50% das nossas necessidades, por isso temos que importar o restante da Venezuela e de outros países. Muitas das coisas que dizem a respeito da nossa relação econômica com a Venezuela são falsas.
Tradução: Victor Farinelli
Comentários