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Hugo
Muleiro debate sobre a influência dos conteúdos dos meios de comunicação nas
audiências e acerca da importância que este ponto tem para a democracia.
Por Hugo Muleiro (*) – no jornal argentino Página/12, edição impressa de
05/08/2015
“O melhor controle é o controle remoto”, disse
certa vez a presidenta brasileira, Dilma Rousseff, sob o assédio da oposição direitista
pelo objetivo, finalmente abandonado, de dotar o país de uma lei, não de
controle dos meios de comunicação, mas da comunicação da democracia. A esta
expressão destinada a confraternizar com os conglomerados que dominam
totalmente o setor, com magros resultados segundo se pode ver por esses dias,
dirigentes do Partido dos Trabalhadores lhe responderam que no Brasil, quando alguém
muda de canal, encontra decorações diferentes, porém os conteúdos são sempre os
mesmos.
Este caso se inscreve no debate sobre os poderes
reais do público e suas possibilidades de discernimento ante as mensagens que
recebe, tema mencionado nesta mesma editoria em 29/7/15 por Roberto Olivieri
Pinto (http://www.pagina12.com.ar/diario/laventana/26-278183-2015-08-02.html).
Esse artigo chamou a atenção sobre uma publicidade
do jornal Clarín (NT: o grupo Clarín é o maior monopólio da comunicação na
Argentina, é a Organizações Globo de lá), na qual expressava que o público acredita
no que escolhe acreditar, independentemente do que digam os meios de
comunicação. Olivieri Pinto expressou sua preocupação porque essa postura dilui
por completo a questão das responsabilidades do emissor e princípios que em
teoria regem o trabalho dos meios de comunicação, como o apego à verdade e a fidelidade
aos fatos.
As suposições sobre o propósito desta mensagem do
Clarín podem ser várias. Se, como afirma o catedrático, desdenha uma
responsabilidade central, também se pode sustentar que pretende desconhecer as
margens variáveis de influência que as mensagens midiáticas conseguem nos
receptores, por mais que tenhamos em nosso poder o controle remoto e possamos
usar as folhas do jornal para o bem apreciável serviço de enrolar peixe.
E este tema está estudado e comprovado. Por acaso,
uma verificação expressa concerne justamente a uma das empresas do grupo
Clarín. Em junho de 2013, Unicef Y la Fundación Huésped acertaram com a produção
da telenovela ‘Solamente vos’ incluir na ficção, numa sequência em que um
personagem adolescente ia ter relações sexuais, uma mensagem a favor de
responsabilizar por igual o homem e a mulher na proposta e no uso de métodos de
prevenção de doenças e gravidez. Universos similares de telespectadores do espaço
foram pesquisados antes e depois da apresentação desses discursos, o que resultou
que passou de 40% para 54% a parcela de receptores com posição favorável a que a
mulher forneça o preservativo, tanto como o homem. Da mesma forma, os que estavam
muito de acordo com que uma mulher adolescente proponha o uso de preservativo
passou de 53% para 70% (http://enredados.org.ar/staging/wpcontent
/uploads/2015/06/Inicio-Sexual-y-Empoderamiento-de-la-mujer-en-TV-Paper_Huesped_Unicef.pdf).
Tais evoluções, muito significativas por terem sido
comprovadas num espaço de poucos dias, vêm desmentir aquela mensagem do jornal e
demonstrar que todo conteúdo tem uma certa margem de incidência, por certo variável,
pois não corresponde a nenhum padrão permanente nem a regras fixas.
Sobre aquela publicidade se pode deduzir também que
carregava a tentativa de negar indiretamente o poder extraordinário que outorga
deter a propriedade de centenas e centenas de meios de comunicação, contando jornais,
canais de televisão, rádios e plataformas na Internet. Se a mensagem nada
determina – “o receptor é o que decide tudo” –, a concentração atroz que
persiste em razão do bloqueio judicial à aplicação da lei 26.522 perde o caráter
decisivo para a democracia que tantos setores da comunicação lhe atribuem (ver
observações abaixo).
Este é um aspecto especialmente sensível para o
futuro próximo, porque terá que ver se o governo que assuma em 10 de dezembro
próximo manterá ou não o objetivo de alcançar uma estrutura democrática dos meios
de comunicação no país, e que medidas adotará para avançar rumo a isso.
É justamente a experiência argentina com o
descumprimento da lei 26.522 que levou o ex-juiz da Corte Suprema de Justiça,
Eugenio Zaffaroni, a propor a necessidade de que a norma antimonopólica nos meios
de comunicação adquira status constitucional. Este desafio, junto com outros
possíveis, como impedir que os proprietários de veículos de comunicação tenham
negócios em outros ramos essenciais (financeiros, energia, alimentos), são
temas pendentes no país, ainda que dependerá duma complexa conjunção de fatores
políticos para que possam ser abordados.
(*) Escritor e jornalista, presidente de
Comunicadores de la Argentina (Comuna).
Tradução:
Jadson Oliveira
Observações
do Evidentemente:
Trata-se da chamada ‘Ley de Medios’, que regula os meios de comunicação na
Argentina, quebrando – como está na lei – o tremendo monopólio do Grupo Clarín
(equivalente ao grupo Globo aqui no Brasil). Determina, por exemplo, que as
concessões de rádio e TV sejam concedidas equitativamente entre os meios
privados, públicos e comunitários.
Foi aprovada no Congresso desde 2009, mas o Grupo
Clarín bloqueia sua total aplicação até hoje através de mil e um artifícios
judiciais.
No Brasil há na Constituição a proibição de
monopólios e oligopólios na comunicação, mas o governo e o movimento
democrático, popular e de esquerda nunca tiveram forças para regulamentar os dispositivos
constitucionais.
Na ‘Ley de Medios’ aprovada no Equador há dois anos
já consta a proibição de proprietário de veículos da mídia ser, também, dono de
instituições financeiras.
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