Daniel Scioli e Lula (Foto: da Carta Maior) |
Para Daniel Scioli, candidato (kirchnerista) a presidente da Argentina, é necessário 'relançar a integração sul-americana para consolidar o desenvolvimento'.
Por Martín Granovsky, no portal Carta Maior, de 17/08/2015
A entrevista a sós entre os dois será no dia 10 de setembro. Também inaugurarão juntos uma nova UPA – Unidade de Pronta Atenção, centros de atenção médica que a província (estado) de Buenos Aires vem instalando, semelhantes aos que estão sendo feitos no Brasil. O governador da província e candidato à presidência da Frente para a Vitória (FpV), Daniel Scioli, continua apostando em fortalecer a relação com o vizinho gigante. Assim como fez com Néstor Kirchner em 2003, Luiz Inácio Lula da Silva conserva todo seu leque tradicional de relações, mas sem duvidar em mostrar suas preferências na política argentina nas eleições de 25 de outubro. Por isso a visita especial e a reunião com Scioli.
No passado mês de abril, ambos já estiveram juntos em reunião sediada no Instituto Lula, o centro político que o líder do PT dirige, no bairro do Ipiranga, em São Paulo. Quando contou sobre sua satisfação ao ver o governo provincial tomar o exemplo das UPA brasileiras, tirando o serviço de atenção primária dos hospitais e diminuindo as filas e permitindo que esses pudessem priorizar os casos de maior complexidade, Lula pediu: “me convide quando for inaugurar uma”.
Naquela mesma reunião o ex-presidente brasileiro – que governou por oito anos, entre 2003 e 2010 – disse a Scioli que um triunfo da FpV seria a forma de “evitar um retrocesso”.
Não é um gesto menor, ainda mais quando dito por um brasileiro, já que expressa uma visão que vai além do que acontece na Argentina. Neste domingo, se realizaram manifestações nas principais cidades do Brasil. O objetivo é pressionar em favor de um processo de impeachment contra Dilma Rousseff. O apelo conservador busca ganhar consenso popular para obter resultados nas três instâncias. Uma, a Corte Suprema, devido às contas da campanha. Outra, o tribunal de contas, para que castigue a presidenta pelos decretos para suplementação orçamentária. A terceira, o Congresso, onde os parlamentares discutem se o melhor é desgastar Dilma e o PT, esperando colher os frutos nas eleições de 2018, ou derrubar o governo agora mesmo. O clima se parece muito ao dos meses iniciais do primeiro mandato de Cristina, quando se juntaram fatores como a Operação Antonini (montagem envolvendo o empresário venezuelano estadunidense Antonini Wilson e uma maleta com 790 mil dólares, com a qual se pretendia incriminar, Cristina e Hugo Chávez, quando ambos disputavam eleições, em 2007), a crise depois da Resolução 125 (Nova Lei do Campo, que gerou o locaute agropecuário de 2008) e uma notória queda da popularidade presidencial.
Segundo o que pode ser apurado por Página/12, nem o avanço conservador no Brasil nem a diminuição da popularidade de Dilma mudaram o objetivo que Scioli transmitiu a Lula em abril. Em suas próprias palavras, “relançar a integração sul-americana para consolidar o desenvolvimento”. Tampouco alterou sua intenção de se reunir não só com Lula, mas também com Dilma, em Brasília, para “reforçar a condição de sócios principais na América do Sul”, o que, traduzido em argentino, significa que “o Brasil é o principal sócio no mundo”, em sua visão. Sobre essa última definição, é preciso lembrar que, nos últimos tempos, Rafael Follonier, o encarregado das relações internacionais do candidato, se ocupou de destacar em contatos públicos e privados, aqui e no exterior, que essa sociedade entre a Argentina e o Brasil não se limita ao comércio, mas ao impulso da infraestrutura e dos nós industriais nascidos de uma cooperação mais estreita. Para o candidato e seu assessor, os interesses em comum com o Brasil são tão fortes, inclusive em posturas sobre o cenário geopolítico mundial, que as políticas impulsionadas em Buenos Aires e Brasília, buscando sócios em lugares tão variados como Estados Unidos, Índia, China, Rússia e na América Latina inteira, não deveriam gerar ruído algum.
Um exemplo recente foi o de Cuba. Scioli visitou Raúl Castro no dia seguinte em que os cubanos abriram sua embaixada em Washington, e ambos falaram dos empreendimentos argentinos. O Brasil está na mesma linha. As empresas brasileiras são as principais investidoras privadas em Cuba, Castro e Dilma Rousseff inauguraram juntos a primeira fase do projeto de modernização do Porto de Mariel, com um investimento de quase um bilhão de dólares.
Os dois países acabam de dar sinais de acordo, através de uma reunião de alto nível entre Dilma Rousseff e Cristina Fernández de Kirchner, no dia 17 de julho, a mais intensa desde que ambas são presidentas. Cristina recebeu a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul em seu mais alto grau, Grande Colar. E na última quinta-feira (13/8), em Buenos Aires, a representante da Argentina no Grupo dos 20 – a embaixadora do país nos Estados Unidos, Cecilia Nahón – e o negociador brasileiro, Carlos Márcio Cozendey, se encontraram para coordenar políticas. Ambos dão assistência às presidentas e coordenam suas posições sobre temas como os paraísos fiscais ou o protecionismo no grupo que representa 85% do PBI mundial, e que se reunirá no dia 15 de novembro, na Turquia.
Lula e seu assessor internacional, Marco Aurélio Garcia, que continua na função com Dilma, deram certa prioridade à aliança com o Mercosul e a Argentina. Nem Dilma nem o ex-presidente mudaram de ponto de vista. Um fato interessante ocorreu na semana passada. O presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB, o principal aliado e – dependendo de quem se trata –, às vezes, a maior pedra no sapato do PT, instalou uma lista de medidas chamada Agenda Brasil. Consiste em um pacote que inclui propostas que afetam as aposentadorias, os direitos trabalhistas e as leis ambientais. Um dos 28 pontos incluídos no texto original era uma lei que permitiria ao Brasil assinar acordos bilaterais ou multilaterais de comércio por conta própria, o que significaria a morte do Mercosul. Mas, na sexta-feira (14/8), a pedido do governo, Calheiros retirou esse ponto do pacote.
No passado mês de abril, ambos já estiveram juntos em reunião sediada no Instituto Lula, o centro político que o líder do PT dirige, no bairro do Ipiranga, em São Paulo. Quando contou sobre sua satisfação ao ver o governo provincial tomar o exemplo das UPA brasileiras, tirando o serviço de atenção primária dos hospitais e diminuindo as filas e permitindo que esses pudessem priorizar os casos de maior complexidade, Lula pediu: “me convide quando for inaugurar uma”.
Naquela mesma reunião o ex-presidente brasileiro – que governou por oito anos, entre 2003 e 2010 – disse a Scioli que um triunfo da FpV seria a forma de “evitar um retrocesso”.
Não é um gesto menor, ainda mais quando dito por um brasileiro, já que expressa uma visão que vai além do que acontece na Argentina. Neste domingo, se realizaram manifestações nas principais cidades do Brasil. O objetivo é pressionar em favor de um processo de impeachment contra Dilma Rousseff. O apelo conservador busca ganhar consenso popular para obter resultados nas três instâncias. Uma, a Corte Suprema, devido às contas da campanha. Outra, o tribunal de contas, para que castigue a presidenta pelos decretos para suplementação orçamentária. A terceira, o Congresso, onde os parlamentares discutem se o melhor é desgastar Dilma e o PT, esperando colher os frutos nas eleições de 2018, ou derrubar o governo agora mesmo. O clima se parece muito ao dos meses iniciais do primeiro mandato de Cristina, quando se juntaram fatores como a Operação Antonini (montagem envolvendo o empresário venezuelano estadunidense Antonini Wilson e uma maleta com 790 mil dólares, com a qual se pretendia incriminar, Cristina e Hugo Chávez, quando ambos disputavam eleições, em 2007), a crise depois da Resolução 125 (Nova Lei do Campo, que gerou o locaute agropecuário de 2008) e uma notória queda da popularidade presidencial.
Segundo o que pode ser apurado por Página/12, nem o avanço conservador no Brasil nem a diminuição da popularidade de Dilma mudaram o objetivo que Scioli transmitiu a Lula em abril. Em suas próprias palavras, “relançar a integração sul-americana para consolidar o desenvolvimento”. Tampouco alterou sua intenção de se reunir não só com Lula, mas também com Dilma, em Brasília, para “reforçar a condição de sócios principais na América do Sul”, o que, traduzido em argentino, significa que “o Brasil é o principal sócio no mundo”, em sua visão. Sobre essa última definição, é preciso lembrar que, nos últimos tempos, Rafael Follonier, o encarregado das relações internacionais do candidato, se ocupou de destacar em contatos públicos e privados, aqui e no exterior, que essa sociedade entre a Argentina e o Brasil não se limita ao comércio, mas ao impulso da infraestrutura e dos nós industriais nascidos de uma cooperação mais estreita. Para o candidato e seu assessor, os interesses em comum com o Brasil são tão fortes, inclusive em posturas sobre o cenário geopolítico mundial, que as políticas impulsionadas em Buenos Aires e Brasília, buscando sócios em lugares tão variados como Estados Unidos, Índia, China, Rússia e na América Latina inteira, não deveriam gerar ruído algum.
Um exemplo recente foi o de Cuba. Scioli visitou Raúl Castro no dia seguinte em que os cubanos abriram sua embaixada em Washington, e ambos falaram dos empreendimentos argentinos. O Brasil está na mesma linha. As empresas brasileiras são as principais investidoras privadas em Cuba, Castro e Dilma Rousseff inauguraram juntos a primeira fase do projeto de modernização do Porto de Mariel, com um investimento de quase um bilhão de dólares.
Os dois países acabam de dar sinais de acordo, através de uma reunião de alto nível entre Dilma Rousseff e Cristina Fernández de Kirchner, no dia 17 de julho, a mais intensa desde que ambas são presidentas. Cristina recebeu a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul em seu mais alto grau, Grande Colar. E na última quinta-feira (13/8), em Buenos Aires, a representante da Argentina no Grupo dos 20 – a embaixadora do país nos Estados Unidos, Cecilia Nahón – e o negociador brasileiro, Carlos Márcio Cozendey, se encontraram para coordenar políticas. Ambos dão assistência às presidentas e coordenam suas posições sobre temas como os paraísos fiscais ou o protecionismo no grupo que representa 85% do PBI mundial, e que se reunirá no dia 15 de novembro, na Turquia.
Lula e seu assessor internacional, Marco Aurélio Garcia, que continua na função com Dilma, deram certa prioridade à aliança com o Mercosul e a Argentina. Nem Dilma nem o ex-presidente mudaram de ponto de vista. Um fato interessante ocorreu na semana passada. O presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB, o principal aliado e – dependendo de quem se trata –, às vezes, a maior pedra no sapato do PT, instalou uma lista de medidas chamada Agenda Brasil. Consiste em um pacote que inclui propostas que afetam as aposentadorias, os direitos trabalhistas e as leis ambientais. Um dos 28 pontos incluídos no texto original era uma lei que permitiria ao Brasil assinar acordos bilaterais ou multilaterais de comércio por conta própria, o que significaria a morte do Mercosul. Mas, na sexta-feira (14/8), a pedido do governo, Calheiros retirou esse ponto do pacote.
Calheiros é, para o PT, o obstáculo menos difícil, por ser menos intransigente em comparação com dirigentes como Eduardo Cunha, o presidente da Câmara dos Deputados, que se converteu em figura francamente perigosa para o governo. O plano de Cunha era que as contas nacionais fossem analisadas somente pela Câmara, passo prévio a um processo de impeachment. Mas a Corte Suprema decidiu, na quinta-feira, que a revisão dos números precisa passar obrigatoriamente por ambas instâncias legislativas, incluindo o Senado. Menos poder para Cunha e um pouco mais de ar para Dilma.
Se Dilma lutou pelo Mercosul nesta situação tão crítica, a pior para os governos do PT nos últimos 12 anos, é porque se importa de verdade. É nesse terreno comum que jogam Lula e Scioli.
Tradução: Victor Farinelli
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