(Foto: reproduzida do DCM) |
Se um candidato faz uma campanha milionária
financiada por empreiteiras e empresários do transporte e, já eleito, tem que
decidir entre aumentar ou não a passagem de ônibus ou tem de escolher entre os
direitos dos moradores e os interesses de uma empresa cujo projeto imobiliário
implica em removê-los, qual será mesmo a escolha dele?
Por Jean Wyllys - reproduzido do blog Diário do Centro do Mundo – DCM, de
26/08/2015 (por sugestão do companheiro Geraldo
Guedes, advogado em Brumado-Bahia)
Jean Wyllys (deputado federal pelo PSOL-RJ) escreveu,
no facebook, uma
reflexão sobre a essência da corrupção. Você pode ler abaixo:
Existem
quatro erros comuns que se repetem cada vez que um caso de corrupção vem à tona
e se transforma no “escândalo”, sobre os quais precisamos refletir:
1) O
problema da corrupção não são os casos individuais, porém, cada vez que um caso
de corrupção estoura na mídia, é tratado como se fosse um caso isolado.
Assistimos,
então, à construção de um “vilão”, sobre o qual recai a culpa por algo que não
é mais do que um sintoma de um problema sistêmico. Nenhum partido (nem o PSOL)
está isento de ter, em suas fileiras, um corrupto. Se o problema fosse apenas
existirem pessoas corruptas, não seria tão grave: a solução seria apenas
identificar e expulsá-las. Mas sabemos que o problema não é esse.
A
corrupção é um componente inevitável de um sistema de governo em que as
campanhas são financiadas por bancos, empreiteiras, empresários do agronegócio,
igrejas fundamentalistas milionárias e todo tipo de lobistas; a governabilidade
se garante comprando votos no Congresso (e o “mensalão”, seja petista ou
tucano, não é a única maneira de se fazer isso; existem formas indiretas, como
a distribuição, entre partidos aliados, de ministérios e órgãos públicos em
função não do mérito, mas do orçamento) e governantes e parlamentares se
preocupam mais em agradar empresários e corporações do que em manter o espírito
republicano.
2) O
problema da corrupção não é só moral. O “udenismo” costuma dominar o debate
sobre a corrupção, e tudo é reduzido a desvios éticos individuais. A corrupção
é também um problema econômico (porque são bilhões de reais que “somem” do
orçamento da União, dos estados e dos municípios) e, sobretudo, um problema
POLÍTICO. Não é por acaso que o PT, que antigamente era visto como o partido da
ética, passou a se envolver cada vez mais casos de corrupção desde que chegou
aos governos.
A
corrupção acompanhou a aliança com o poder financeiro e o agronegócio; veio
junto com submissão ao fundamentalismo religioso e com os acordos cada vez mais
escandalosos com pilantras disfarçados de pastores que dominam o Congresso; acompanhou
o uso da repressão contra o povo nas ruas e a adoção do discurso da “segurança
nacional” que, no passado, foi usado para reprimir aqueles que hoje estão no
governo. Ou seja, o que houve não foi uma degradação moral, mas uma renúncia
ideológica e programática.
E, por
isso, a grana e os privilégios do poder substituíram, em muitos petistas (não
em todos nem mesmo na maioria militante!), as convicções e a vontade de mudar o
mundo como razão para se engajar na política. Então, se realmente quisermos acabar
com a corrupção, o primeiro passo é voltar a dotar a política de sentido e
conteúdo, para que mais gente entre nela desejando mudar o mundo e não ficar
rico.
3) O
problema da corrupção não é apenas a violação das normas, mas o fato de ela
muitas vezes ser as próprias normas. Um bom exemplo disso é o financiamento de
campanhas, que está sendo julgado pelo STF: se um candidato faz uma campanha
milionária financiada por empreiteiras e empresários do transporte e, já
eleito, tem que decidir entre aumentar ou não a passagem de ônibus ou tem de
escolher entre os direitos dos moradores e os interesses de uma empresa cujo
projeto imobiliário implica em removê-los, qual será mesmo a escolha dele? Se
um senador teve sua campanha financiada pelo agronegócio, vai votar a favor de
que tipo de Código Florestal?
Sendo
assim, esse sistema eleitoral, que leva à formação de mega-coligações para
garantir a governabilidade, não pode prescindir da corrupção. Ou vocês acham
que o partido do sistema, que já foi aliado de petistas e tucanos, vai votar as
leis porque lhe parecem boas se não tiver mais dois ministérios em troca? Tem
inúmeras condições estruturais que favorecem ou até impõem a corrupção como
combustível necessário para o funcionamento do sistema. Por isso, de nada adianta
fazer, da corrupção, um problema apenas moral se não fizermos mudanças
estruturais; se não mudarmos as regras do jogo.
4) A
corrupção não é o único nem o mais importante problema da política. Vamos
supor, por um instante, que fulano, candidato a presidente, governador ou
prefeito, é uma pessoa comprovadamente honesta, no sentido mais restrito do
termo: jamais usaria do cargo para se beneficiar ou beneficiar amigos e
familiares; jamais enriqueceria com dinheiro público; jamais roubaria ou seria
cúmplice ou partícipe de um roubo. Contudo, esse mesmo fulano defende uma
política econômica que prejudica os trabalhadores; é fundamentalista, racista,
homofóbico, tem ideias ultrapassadas sobre as relações humanas; é autoritário,
personalista e etc. logo, a honestidade deve ser um dos requisitos para se
escolher um político, mas não podemos nos esquecer de que o mais importante é a
política que ele faz ou propõe: as ideias, o programa, a visão de mundo, os
interesses em jogo.
Colocar a
corrupção (vista, como já dissemos, como um problema moral, exclusivamente
individual, identificado apenas com um determinado setor político e, ao mesmo
tempo, despolitizado no sentido mais amplo) é também uma forma de esconder os
verdadeiros debates de que o país precisa, como se todos os nossos problemas se
reduzissem a três ou quatro escândalos convenientemente destacados nas
manchetes.
Comentários