(Foto: reproduzida do Intervozes) |
Apresentadores fomentam clima de insegurança,
defendem a violência policial e pregam justiçamentos. Até quando?
Por Bia
Barbosa – reproduzido do blog do Intervozes, no site da revista Carta
Capital, publicado em 10/07/2015 (última modificação 13/07/2015)
“87% dos brasileiros são a favor da redução da maioridade penal”
Datafolha, 24 de abril de 2015
Datafolha, 24 de abril de 2015
“A Rocam está em cima! Atira, meu camarada! É bandido!”
Cidade Alerta, 23 de junho de 2015
Cidade Alerta, 23 de junho de 2015
“Livres para matar: Redução da maioridade penal é rejeitada por cinco
votos”
Brasil Urgente, 1º de julho de 2015
Brasil Urgente, 1º de julho de 2015
“Esses são os estupradores. Dos cinco, três são menores de idade, com
14, 15 e 16 anos”
Brasil Urgente, 3 de julho de 2015
Brasil Urgente, 3 de julho de 2015
“Brasil tem um linchamento por dia, não é nada excepcional”
El País, 8 de julho de 2015
El País, 8 de julho de 2015
Já passou da hora de os setores efetivamente democráticos da sociedade repudiarem com seriedade aquilo que, todos os dias, invade nossa casas e nos expõe ao que há de mais bárbaro na programação da televisão brasileira: os chamados programas policialescos. Por horas a fio, ao vivo, durante o dia, assistimos a um desfile de cadáveres, agressões, suspeitos achacados em delegacias, vítimas expostas e, invariavelmente, discursos contrários aos direitos humanos e em defesa da violência policial, dos justiçamentos e, claro, da redução da maioridade penal.
Quem acha que chegamos ao índice de um linchamento por dia ou a 87% da
população apoiando o encarceramento juvenil sem a legitimação dessas práticas
por tais programas é porque: 1. Não assiste televisão aberta e
não sabe como esse tipo de programação domina a grade das emissoras ou 2. Prefere
acreditar que o conservadorismo crescente no País não passa por aquilo que se
consome cotidianamente na tevê.
Pesquisa realizada pela Andi, em parceria com o
Intervozes: Artigo 19 de Ministério Público Federal revelou os principais tipos
de violação de direitos praticados pelos policialescos: desrespeito à presunção
de inocência; incitação ao crime, à violência, à desobediência às leis ou às
decisões judiciárias; exposição indevida de pessoas e famílias; discurso de
ódio e preconceito; identificação de adolescentes em conflito com a lei;
violação do direito ao silêncio; tortura psicológica e tratamento desumano ou
degradante. Tudo de acordo com a legislação atualmente em vigor no Brasil, com
os tratados e convenções internacionais ratificados pelo País – o que falar então
do Código de Ética dos Jornalistas... – e com exemplos incontáveis que
comprovam a sistemática dessas violações.
Ou seja, não estamos falando de episódios isolados, que geram algum tipo
de comoção nacional, como quando a repórter Mirella Cunha, da TV Bandeirantes
na Bahia, em 2012, humilhou um suspeito de estupro por ele desconhecer o tipo
de exame a ser feito no corpo da vítima. Ou quando a TV Cidade, retransmissora
da Record no Ceará, exibiu por cerca de 20 minutos cenas de uma menina sendo
estuprada.
Ou, ainda, quando, no mês passado, os dois líderes de
audiência do gênero – Brasil Urgente, do apresentador José Luiz
Datena (Bandeirantes), e Cidade Alerta, do apresentador Marcelo
Rezende (Record) – transmitiram uma perseguição policial, ao vivo, que terminou
com um PM atirando quatro vezes à queima-roupa em dois suspeitos. Trata-se de
uma postura editorial cotidiana, que não tem limites entre canais ou redes de
televisão, regiões do País ou horário na grade. Vale tudo, a qualquer momento e
em qualquer lugar (mesmo com as crianças na sala), em um modelo de negócios que
já se tornou para lá de lucrativo para as empresas de comunicação.
Problema antigo
No fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, os programas policialescos
eram um “formato a ser explorado”. Restritos a algumas redes de tevê e poucas
capitais do Brasil, não chamavam tanta atenção, tampouco geravam o impacto de
atualmente. Mesmo assim, traziam em sua origem a tônica da barbárie que
carregam até hoje.
Já há mais de dez anos o Ministério Público Federal (MPF) atua para
tentar frear suas violações. Em março de 2006, por exemplo, a Procuradoria
da República no Distrito Federal moveu uma Ação Civil Pública contra os
responsáveis pelo Barra Pesada, então exibido de segunda a
sexta-feira à tarde, na TV Brasília. O objetivo era proteger os direitos dos
telespectadores de cenas “explícitas e detalhadas” de violência, entre as
quais, a exposição de cadáveres.
Em uma das edições do programa, em dezembro de 2005, após narrar a
prisão de um assaltante em Taguatinga, na qual o acusado foi inquerido de
costas, o apresentador doBarra Pesada, Geraldo Naves, bradou no
estúdio:
“Tem que mostrar a cara desse canalha. Esse é um canalha. Tem que
mostrar a cara dele pra mim ver. Isso é um covarde. Um viciado, maconheiro!
[...] Sabe o que eu gosto? Eu gosto quando a polícia pega um palhaço – palhaço
não; palhaço dá alegria – um paspalho como esse, entendeu? E coloca a cara
[...] tem que pegar e virar a cara, pra mostrar pra população. [...] esse aí é
um maconheiro, entendeu? Ele anda armado, assaltando, precisa de dinheiro, é um
incompetente, asno, asno, entendeu? Asno! Inconsequente! Nem bobo não é. É um
asno, uma anta ambulante”.
Na ação em questão, o MPF destacou que, mesmo que a legislação
brasileira, baseada na premissa da liberdade de informação jornalística,
autorize a divulgação de notícias sobre ocorrências criminosas, com a emissão
de opiniões a respeito dos fatos, jamais a manifestação do pensamento pode ser
incondicional, a ponto de violar a dignidade humana, sobretudo com o intuito
puramente sensacionalista. Segundo a procuradora Lívia Tinôco, responsável
pela ação, “à medida em que ocorre a difusão da ideia de
que o preso não tem nenhum direito, e que não merece qualquer respeito e de que
o seu extermínio é necessário [...] não ocorre tão só o ferimento nos direitos
individuais indisponíveis dos cidadãos [...], mas também são atingidos os
valores éticos e sociais de toda uma sociedade”.
Enquanto isso, na Esplanada dos Ministérios...
O Ministério das Comunicações, responsável por regular a radiodifusão no
que diz respeito ao conteúdo veiculado, alega que tem muito pouco a fazer
diante de tais violações, e que o Brasil precisaria de normas específicas para
punir as emissoras por esse tipo de programa.
Como já relatamos neste blog, a maior multa
aplicada a um programa policialesco foi de pouco mais de 23 mil reais – justamente
para a TV Cidade, de Fortaleza, que já tinha antecedentes infracionais e, por
isso, recebeu um acréscimo em sua sanção. Atualmente, as multas que podem ser
aplicadas pelo Ministério das Comunicações em casos como este têm como teto o
valor de 89 mil reais, que está longe de ser dissuasivo para os canais.
Na próxima semana, o Intervozes entrará com representação junto ao
Ministério Público Federal, solicitando que o mesmo emita recomendação ao órgão
brasileiro para responsabilizar as emissoras e seus patrocinadores, assim como
suspender programas que desrespeitem sistematicamente a legislação brasileira
em vigor. E nós, vamos ficar só assistindo?
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