O Papa disse que a concentração da mídia é
instrumento de “colonialismo ideológico”, pois “a concentração monopólica dos
meios de comunicação social pretende impor pautas alienantes de consumo e certa
uniformidade cultural”.
Desnorteada com o discurso do Papa na
Bolívia, mídia foca em crucifixo e ignora História; veja o discurso de
Francisco (link aqui)
Por Luiz
Carlos Azenha, no seu blog Viomundo – o que você não vê na mídia, de
10/07/2015 (o título acima é deste blog)
O Papa
Francisco fez um discurso anticapitalista ontem (dia 9) na Bolívia referindo-se
ao sistema econômico como “ditadura sutil”.
Foi no
Segundo Encontro Mundial de Movimentos Populares, em Santa Cruz de la Sierra.
“A
distribuição justa dos frutos da terra e do trabalho humano não é mera
filantropia. É um dever moral”, afirmou.
Também
disse que a concentração da mídia é instrumento de “colonialismo ideológico”,
pois “a concentração monopólica dos meios de comunicação social pretende impor
pautas alienantes de consumo e certa uniformidade cultural”.
O papa
pregou “mudança de estruturas” e disse que mesmo entre a elite econômica que se
beneficia do sistema “muitos esperam uma mudança que os libere dessa tristeza
individualista que os escraviza”.
Para João
Pedro Stélide, líder do Movimento dos Sem Terra, que estava presente, o
discurso do papa foi “irretocável”, ao atacar a busca do lucro sem
considerações sociais e ecológicas como um dos grandes problemas da atualidade.
O
colunismo brasileiro preferiu focar no presente inusitado que o presidente da
Bolívia, Evo Morales, deu a Francisco: um Cristo crucificado em foice e
martelo.
Na Folha,
Igor Gielow chamou de “aberração” sem explicar a origem do presente.
É a
reprodução de uma escultura do sacerdote espanhol Luis Espinal, que tinha
ligação com movimentos sociais bolivianos e foi assassinado por paramilitares
em 1980.
Fez parte
da programação do papa em solo boliviano uma homenagem a Espinal, que era
jesuíta como o atual pontífice.
A
“aberração” a que se referiu o colunista da Folha demonstra o
quanto ele desconhece a História dos jesuítas no período colonial.
Na
introdução de A República Guarani, de Clovis Lugon, Antônio Cechin
descreve:
Na América Latina, entre o século
16 e o século 18, a expansão da Companhia de Jesus (jesuítas), exerceu um papel
de contrapartida humanista e espiritual da conquista militar e da dominação
política. A metodologia de ação dos padres consistiu em reagrupar os índios em
cidades-paróquias autônomas, propícias ao ensino e à evangelização. Surgiram
assim 33 “Reduções” da Província Jesuíta do Paraguai, edificadas e habitadas
pelos Guarani. Graças às disposições metafísicas desses Índios, a suas afinidades
espirituais e culturais com os Jesuítas, à ação ao mesmo tempo prudente e
audaciosa desses últimos, aquilo que se chamou “República Comunista Cristã dos
Guarani” iria ser, durante 150 anos (1610 a 1768), o teatro de uma experiência
humana e religiosa única, portanto sem similar na história, permitindo aos
índios aceder ao estatuto de cidadãos livres, em tudo semelhantes aos espanhóis
e, em muitos aspectos, culturalmente superiores a esses.
(Foto: Arquivo pessoal de Azenha/Viomundo) |
No bairro
que fica bem atrás do Palácio Miraflores, em Caracas, o 23 de Enero, um dos
bastiões do chavismo, eu vi pessoalmente numa parede a imagem de Che Guevara
retratado como Cristo, de metralhadora na mão.
Hugo
Chávez era ao mesmo tempo socialista e católico fervoroso. Bebia na fonte de
Enrique Dussel, o filósofo argentino radicado no México autor dentre muitos
outros de Filosofia da Libertação, Teologia da Libertação e Ética
da Libertação, nascidos de reflexão sobre a história da Igreja Católica
durante a colonização das Américas.
Nosso
ponto é que o espanhol Luis Espinal não é maluco por ter juntado numa escultura
Cristo, a foice e o martelo, que acima de tudo são símbolos de camponeses e
operários.
Independentemente
de você concordar ou não com isso, existe uma longa tradição de cristianismo “de
esquerda” ou de socialismo “cristão” na América Latina.
Obviamente,
o jornalismo “ligeiro” desconhece isso.
O governo
boliviano desmentiu oficialmente boatos disseminados pelas redes sociais
segundo os quais o Papa teria manifestado desconforto ao receber o presente.
Francisco,
segundo difundido por parte da mídia boliviana, teria dito “não se faz isso” ao
receber o presente, quando o áudio deixa claro que ele afirma “não sabia disso”
ao ouvir a explicação de Evo Morales sobre a escultura.
Em outras
palavras, a direita midiática boliviana pirou com o progressismo de Francisco
e, por extensão, a brasileira.
Comentários