O alarme para se reconhecer a real ameaça pode estar em torno dele (Foto: Internet) |
Às vezes imagino como seria ser
um judeu na Alemanha dos anos 20 e 30 do século passado, pressentindo que algo
que ameaçava sua paz e sua vida estava se formando mas sem saber exatamente o
quê
Por Luis
Fernando Verissimo, de O Globo,
com o título ‘Epa’ – reproduzido de GGN/Luis
Nassif Online, com o título ‘O ponto de reconhecimento da ameaça’, de 16/07/2015,
por sugestão do companheiro Geraldo
Guedes, advogado em Brumado-Bahia (o título, a foto e a legenda acima são
deste blog)
No filme
“2001 — Uma odisseia no espaço”, do Stanley Kubrick, astronautas descobrem na
Lua (ou era em Marte?) um misterioso monólito, de origem desconhecida. Depois
fica-se sabendo que o monólito fora posto ali como uma espécie de alarme.
Quando exploradores da Terra o descobrissem, seria o sinal de que nossa civilização
tinha os meios para invadir o espaço e se tornava uma ameaça para as
civilizações extraterrenas que nos estudavam de longe desde que o primeiro
primata acertara a primeira cacetada na cabeça de outro, e sabiam do que nós
éramos capazes. A descoberta do monólito era um aviso: atenção, a barbárie vem
aí, disfarçada de conquista científica.
Às vezes
imagino como seria ser um judeu na Alemanha dos anos vinte e trinta do século
passado, pressentindo que alguma coisa que ameaçava sua paz e sua vida estava
se formando mas sem saber exatamente o quê. Este judeu hipotético teria
experimentado preconceito e discriminação na sua vida, mas não mais do que era
comum na história dos judeus. Podia se sentir como um cidadão alemão, seguro
dos seus direitos, e nem imaginar que em breve perderia seus direitos e
eventualmente sua vida só por ser judeu. Em que ponto, para ele, o inimaginável
se tornaria imaginável? E a pregação nacionalista e as primeiras manifestações
fascistas deixariam de ser um distúrbio passageiro na paisagem política do que
era, afinal, uma sociedade em crise mas com uma forte tradição liberal, e se
tornaria uma ameaça real? O ponto de reconhecimento da ameaça não era evidente
como o monólito do Kubrick. Muitos não o reconheceram e morreram pela sua
desatenção à barbárie que chegava.
A
preocupação em reconhecer o ponto pode levar a paralelos exagerados, até
beirando o ridículo. Mas não algo difuso e ominoso se aproximando nos céus do
Brasil, à espera que alguém se dê conta e diga “Epa” para detê-lo? Precisamos
urgentemente de um “Epa” para acabar com esse clima. Pessoas trocando insultos
nas redes sociais, autoridades e ex-autoridades sendo ofendidas em lugares
públicos, uma pregação francamente golpista envolvendo gente que você nunca
esperaria, uma discussão aberta dentro do sistema jurídico do país sobre
limites constitucionais do poder dos juízes... Epa, pessoal.
Se está
faltando um monólito para nos avisar quando chegamos ao ponto de reconhecimento
irreversível, proponho um: o momento da posse do Eduardo Cunha na presidência
da nação, depois do afastamento da Dilma e do Temer.
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