Advogado e professor Carlos Freitas |
Mais de uma dezena de militantes da oposição
sindical bancária se reuniram, durante toda uma tarde, com o advogado e
professor Carlos Freitas, para falar sobre a luta contra os patrões, os pelegos
e a ditadura militar no período de 1972 até a tomada da direção do sindicato em
1981.
Por Jadson Oliveira
(jornalista/blogueiro) – editor do blog Evidentemente
– publicado em 10/07/2015
Depois de ter acesso a reveladores arquivos produzidos pela seção baiana
do antigo Serviço Nacional de Informação (SNI) e também por outros órgãos da
repressão, o advogado e professor Carlos Freitas começa a sair em campo para
ouvir militantes dos movimentos sindicais da Bahia. Já com excelente bagagem em
pesquisa acadêmica na área de relações e conflitos do trabalho e atuação em comissões
de Memória e Verdade, seu objetivo é resgatar a memória da luta dos
trabalhadores no período da ditadura militar (1964-1985).
Daí que na sexta-feira, 3/julho, se reuniu durante toda uma tarde com
mais de uma dezena de antigos militantes bancários, todos eles com passagem
pela luta sindical, nas décadas de 1970 e 1980, da então conhecida como
“oposição bancária”, militância que se estendeu, no caso de alguns deles, até
as atividades como dirigentes do sindicato da categoria após a derrubada dos
“pelegos da ditadura” em 1981.
Os relatos abrangeram basicamente o período compreendido a partir de
1972, com a retomada da militância da oposição bancária no pós AI-5, até o
início dos anos 80, com a tomada da direção do sindicato. Vou citar alguns dos
participantes do encontro que, de algum modo, marcam a trajetória da luta:
Geraldo Guedes, que foi do Baneb (antigo Banco do Estado da Bahia,
vendido ao Bradesco no auge das privatizações e do neoliberalismo), hoje
advogado em Bramado-Bahia. Ele deu o ponta-pé inicial no pós AI-5, em 1972. Começou
a frequentar as reuniões do sindicato e imprimia um jornalzinho bem
improvisado, com distribuição restrita e clandestina, contribuindo para
despertar alguns companheiros. Tinha o nome de ‘O Bancário’ e pode ser
considerado o embrião do jornal que a direção do sindicato edita, com o mesmo
nome, há mais de 20 anos, diariamente;
Jadson Oliveira, este repórter/blogueiro que está escrevendo esta
matéria. Foi também do Baneb e um dos principais integrantes da chamada “Chapa
Verde”, que tentou disputar a direção do sindicato em 1975 e foi vetada pelos
“órgãos de segurança”;
Célio Maranhão, Jadson Oliveira, Edelson Ferreira e Valdimiro Lustosa |
Valdimiro Lustosa, Smitson Oliveira e Mauro Geosvaldo |
Edelson Ferreira encabeçou a chapa de oposição na eleição seguinte, em
1978. Já com a categoria mais mobilizada e participante, conseguiu concorrer,
mas foi derrotada. Edelson era do antigo Banorte (Banco Nacional do Norte),
banco privado portanto. Um caso raro, já que geralmente as maiores lideranças
eram de bancos oficiais, públicos. Nos bancos privados a repressão – cuja forma
mais banal era a demissão – era de modo geral mais presente e cotidiana;
(Há uma exceção interessante: Smitson Oliveira, integrante da oposição
bancária, foi sumariamente demitido na década de 1970, sem apelação possível,
pelo então presidente do Baneb, Clériston Andrade. O motivo: sua participação
na luta sindical).
Osvaldo Laranjeira, do antigo Banespa (Banco do Estado de São Paulo,
também privatizado), encabeçou a chapa oposicionista vitoriosa em 1981. Vinha
de experiência política e sindical em São Paulo, tendo retornado à sua terra, a
Bahia, no final da década de 1970 e se engajado na oposição bancária;
Destaco ainda Valdimiro Lustosa, do Baneb, que participou desde a
retomada em 1972 até fazer parte da diretoria do sindicato de 1981-1984. Depois
disso ainda dirigiu a entidade de assistência e seguro de saúde dos funcionados
do banco, chamada Casseb.
Estes e vários outros que deram – uns mais e outros menos - contribuições ao processo (identifico todos numa
foto posada do grupo), além de outros “amigos” presentes, falaram durante a
reunião, procurando responder, dentro do possível, as indagações do pesquisador,
que tentava elucidar também características próprias das relações entre
empregado e patrão no meio bancário: as formas mais usuais de repressão, por
exemplo.
Além das anotações, Carlos Freitas gravou todos os depoimentos, o que só
nesta "ouvida” já representa muito material onde se garimpar informações
objetivas e úteis. Sua avaliação, feita informalmente após a longa tarde de
relatos, foi de que a colheita teria sido bem proveitosa. Creio, porém, que
houve muita dispersão, já que em reuniões dessa natureza – onde não faltam a
alegria e a emoção do reencontro de velhos e queridos companheiros –, a
tendência natural é a recordação de sua trajetória pessoal e dos amigos.
Por isso o coordenador do encontro, realizado no salão de eventos do Bar
Gibão de Couro, na Pituba, em Salvador, teve que se virar para organizar as
intervenções dos antigos parceiros de luta. Trata-se de José Donizette, o
Goiano, que trabalhou no Banorte e em outros bancos particulares, tendo atuado
na oposição bancária e integrado a primeira diretoria do sindicato pós pelegos.
Atuou depois em São Paulo na militância política junto à oposição sindical
metalúrgica e no trabalho de assessoria à CUT/Nacional.
Carlos Freitas vai ainda ampliar sua pesquisa no meio bancário, conforme
nos informou (além de outras categorias de trabalhadores). Ele quer ouvir
também companheiros que militaram desde a oposição sindical na década de 1970 e
continuaram compondo a direção do sindicato a partir de 1981.
Ademais, o Sindicato dos Bancários já tem um espaço de memória instalado
e ativo e o companheiro Euclides Fagundes (do Baneb), antigo militante
oposicionista, ex-presidente e atual vice-presidente da entidade, é autor de
alentado livro intitulado ‘Bancos, Bancários e Movimento Sindical’.
Duas ausências sentidas: George e
Pedrinho
Dois valorosos companheiros não puderam participar do encontro no Gibão
de Couro: George Sá, do antigo Baneb, que teve uma ativa militância
especialmente no período de 1964 até o AI-5, em dezembro de 1968, tendo sido
vetado pelos “órgãos de segurança” em duas chapas, uma de 1965 e outra de 1968. George deu grande ajuda no assessoramento aos
companheiros que retomaram a atuação da oposição sindical a partir de 1972,
inclusive servindo de ponte para a participação de experientes militantes
baseados principalmente no Banco do Brasil.
O outro ausente foi Pedro Barbosa, o Pedrinho, do Banco do Nordeste
(BNB), baixinho abusado que teve papel relevante na oposição e também na
primeira diretoria do sindicato no pós pelegos (1981-1984), além da ação no
âmbito da CUT e do PT, como outros aqui referidos também tiveram. Ficou nos
anais do movimento o protesto liderado por ele no BNB quando da votação na
chapa única encabeçada por Eraldo Paim, do BB, em 1975. Chapa única justamente
porque a chapa da oposição, a chamada Chapa Verde, tinha sido vetada pelos
famigerados “órgãos de segurança”, conforme menção reiterada entre a pelegagem
e os representantes da então Delegacia do Trabalho, órgão do Ministério do
Trabalho.
Pesquisando o despotismo nas relações
do trabalho
Carlos Freitas é advogado desde 1988 e professor da UEFS desde 2002
(transferido para a UNEB em 2014) e da UFBA desde 2011. Começou a fazer
pesquisa desde que fez o mestrado e continuou no doutorado (UnB) na área de
relações e conflitos do trabalho. Pesquisou também algumas situações críticas
que afetam a saúde do trabalhador na Bahia (contaminação e exposição ao
amianto, chumbo e benzeno, por exemplo) e fez projeto de extensão na UEFS sobre
a ação da ditadura militar em Feira de Santana.
É membro relator da Comissão de Memória e Verdade Eduardo Collier Filho
da Faculdade de Direito da UFBA desde 2013 e recém incorporado à Comissão da
Verdade da OAB/BA, passando então a pesquisar sobre o tema da ditadura.
Atualmente coordena três pesquisas relacionadas ao assunto: uma sobre a
Faculdade de Direito no período e outras duas (na UFBA e na UNEB) sobre
relações de trabalho na época. Além disso, colaborou na Comissão da Verdade
Milton Santos, da UFBA, e colabora, “quando possível”, como ele diz, com a
Comissão Estadual da Verdade e com o Grupo Tortura Nunca Mais.
Em função de tais atividades, teve acesso aos terminais de computador em
que o Arquivo Público Nacional depositou o acervo recebido pela Comissão
Nacional da Verdade proveniente do SNI, das Forças Armadas e de outros órgãos
da repressão.
Segundo ele, “a intenção de conversar com as antigas lideranças
sindicais na Bahia é investigar e estudar o despotismo nas relações do trabalho
nas diversas categorias profissionais, a partir da hipótese de que o patronato
repetia a conduta repressora dos militares, com os quais aparentemente
colaborava”.
Ele menciona entre as categorias que se mostraram mais afetadas pela
repressão os petroleiros, bancários, ferroviários, eletricitários e
metalúrgicos. E diz valorizar a “ouvida” de pessoas que viveram o período, já
que as fontes de pesquisa são escassas e “nem sempre bem organizadas”.
Deixo os links de três matérias que publiquei neste meu blog sobre o
período de minha militância na oposição bancária, abrangendo especialmente o
veto à Chapa Verde em 1975: aqui, aqui e aqui.
E mais um link para a matéria que publiquei no bojo das comemorações dos
80 anos do Sindicato dos Bancários: aqui.
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