Atilio Boron, argentino que se diz "latino-americano por convicção" (Foto: Internet) |
Uma equipe
de advogados estadunidenses demonstrou que existe um amplo campo de atribuições
em mãos do Executivo e que se Obama quisesse poderia impulsionar algumas decisões
que reduziriam significativamente os perniciosos efeitos do bloqueio.
Por Atilio A. Boron (cientista político
argentino) – no jornal Página/12, edição impressa de ontem, dia 30
Passaram
pouco mais de seis meses desde o histórico anúncio realizado conjuntamente pelos
presidentes Barack Obama e Raúl Castro, em 17 de dezembro passado. Dado que não
é Cuba quem persegue os Estados Unidos, mas Washington quem bloqueia a ilha
caribenha, parece oportuno indagar sobre o ocorrido com essa política, que vem
sendo repudiada pela comunidade internacional cada vez com maior intensidade.
Ao fazê-lo,
não deixa de surpreender que no tocante ao bloqueio a situação permaneça sem maiores
alterações. Houve várias rodas de conversações tendentes a normalizar as relações
cubano-norte-americanas, mas, até agora, os gestos e as decisões concretas que a
Casa Branca tem que adotar foram escassos e de pouca monta. Pior ainda, no dia
anterior ao anúncio, o Departamento do Tesouro puniu o Commerzbank da Alemanha
com uma multa próxima a 1 bilhão de dólares por realizar operações financeiras
com Cuba.
A decisão
de eliminar esse país da lista de países patrocinadores do terrorismo – situação
na qual havia sido absurdamente incluído desde os anos de Ronald Reagan, em
1982 – pode facilitar o relançamento das relações econômicas mas, até agora, é
muito pouco o que se fez.
Do lado norte-americano se diz que o Congresso não
acompanha as políticas da Casa Branca e que obstaculiza o avanço do processo de
normalização. Entretanto, uma equipe de advogados estadunidenses demonstrou que
existe um amplo campo de atribuições em mãos do Executivo e que se Obama quisesse
poderia impulsionar algumas decisões que reduziriam significativamente os
perniciosos efeitos do bloqueio.
A título meramente ilustrativo, argumentam que poderia
autorizar o estabelecimento de conexões aéreas regulares servidas por empresas dos
Estados Unidos e Cuba ou que os visitantes norte-americanos à ilha pudessem trazer
de regresso, para uso pessoal ou como presentes, toda classe de bens produzidos
sem limitações discriminatórias (em relação com o permitido para outros países)
segundo o tipo de artigos (rum, charuto, etc) ou o valor dos mesmos;
possibilitar o estabelecimento de relações com
correspondentes entre instituições bancárias de ambos os países;
eliminar ou atenuar, para certos produtos
estadunidenses, a necessidade de que Cuba pague suas compras “em dinheiro e
antecipadamente”;
autorizar o uso de dólares norte-americanos nas
transações comerciais que realizem as empresas cubanas e facilitar as operações
de “clearing” através do sistema bancário estadunidense;
suprimir a política de “veto a Cuba” nas instituições
financeiras internacionais na hora de aprovar créditos ou doações à ilha;
abolir a proibição que impede que barcos que tenham
transportado cargas de ou para Cuba atraquem em portos dos Estados Unidos antes
de 180 dias depois de abandonar um porto cubano, assim como autorizar que navios
que transportem bens ou passageiros para ou de Cuba ingressem em portos dos
Estados Unidos;
outorgar uma licença geral que permita o fluxo sem
limites e frequências de remessas destinadas a indivíduos ou organizações não governamentais
radicadas em Cuba, incluindo pequenas granjas;
facilitar a exportação de equipamentos informáticos
e software de origem estadunidense a Cuba, assim como materiais dedicados ao
desenvolvimento da infraestrutura de telecomunicações;
autorizar cidadãos dos Estados Unidos a receber
tratamentos médicos em Cuba, a exportação de medicamentos, insumos e equipamentos
para o atendimento de pacientes cubanos ou para facilitar a produção
biotecnológica da ilha e permitir o ingresso aos Estados Unidos de medicamentos
cubanos para sua venda no país.
Esta lista, que poderia se ampliar com muitas outras
medidas, é suficientemente ilustrativa de que é possível amenizar o criminoso
impacto do bloqueio se houvesse a vontade política de assentar sobre novas
bases as relações entre os Estados Unidos e Cuba. A grande pergunta é: por que
não o faz?
Poderia se conjecturar que a passividade de Obama é
uma estratégia para debilitar Cuba e negociar a partir duma posição de força a
normalização das relações diplomáticas ou para apaziguar seus críticos da direita,
tanto dentro de seu próprio partido como entre os republicanos; ou que a máquina
burocrática do Estado impõe ritmos e erige limitações ao que o ocupante da Casa
Branca queira fazer, como o demonstra sua incapacidade para fechar a prisão de
Guantânamo, apesar de suas promessas de campanha; ou uma combinação dos dois
motivos.
Mas o certo é que, quaisquer que fossem as razões pelas
quais Obama não faz uso de suas atribuições, o bloqueio continua seu curso
ocasionando graves danos à economia cubana e provocando cruéis sofrimentos à sua
população. Talvez no fundo desta política se encontre a ilusão de que a permanência
do bloqueio e a irritação que ele produz precipitarão uma explosão de protesto
popular que ponha fim à Revolução Cubana.
Faz mais de meio século que Washington aderiu a essa
estúpida crença, refutada pela história, mas sabemos que uma das coisas que
distinguem o império é sua doentia obsessão por se apoderar de Cuba, uma ambição
feita pública nos albores da república norte-americana por John Adams, o
segundo presidente desse país, quando em junho de 1783 declarou a necessidade
de anexar a ilha caribenha aos Estados Unidos.
Dado que Obama aclarou que a normalização das relações
bilaterais não significa que seu país abandone a ideia de produzir uma “mudança
de regime” em Cuba para, segundo ele, facilitar o advento da democracia e da
liberdade na ilha – perguntemos: como na Líbia, Iraque, Síria, Honduras? –, não
seria de estranhar que sua atitude fosse expressão daquela prepotente necessidade
sentida por Adams há já mais de dois séculos e que o atual ocupante da Casa Branca
não se atreve a descartar, apesar de sua imoralidade e de seu inegável
anacronismo.
Após seis meses do anúncio de 17 de dezembro, Obama
poderia ter feito algo mais. Ainda que fosse pelo menos por respeito a suas próprias
palavras.
Tradução: Jadson Oliveira
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