Milhares de simpatizantes do Syriza comemoraram o triunfo do Não na praça Syntagma, em frente ao Parlamento grego (Foto: Página/12) |
Esta mudança
de época iniciada na Europa, pela mão da Grécia, abre uma oportunidade
histórica para que o Sul deixe seu papel periférico.
Essa espécie de grande periferia forma na atualidade novos polos constituintes de outros pivôs geopolíticos não tradicionais. Os Brics são o melhor exemplo, mas também o é a Unasul ou a Celac na América Latina;
Por Alfredo
Serrano Mancilla (*) – no jornal argentino Página/12, edição impressa de hoje, dia 6
Os “especialistas”
não contemplaram a variável “povo” em seus modelos econométricos. Tudo estava sob
controle até que a maioria cidadã grega respaldou uma proposta política
diferente à da troika. A democracia tem este tipo de caprichos: depende da vontade
de seu povo. A economia sem política corre sempre o risco de descuidar esta
particularidade acreditando que tudo gira em torno de dogmas inquestionáveis, sem
lugar para o referendo. E resulta que não. Resulta que a um país da
periferia europeia, a Grécia, se lhe ocorreu a louca ideia de consultar sua cidadania
por qual caminho seguir: 1) continuar com o realizado por parte dos governos
anteriores ou 2) tentar outra forma de fazer as coisas, ainda que estas não sejam
nem muito menos fáceis dado que se arrasta uma dívida elevadíssima (social e
financeira) e com múltiplas ataduras no seio da própria União Europeia (UE).
Contado assim, parece natural que os gregos tenham
decidido assumir a opção “mais vale o desconhecido do que o mal conhecido”. Nem
os meios de comunicação hegemônicos nem as pesquisas conseguiram convencer a maioria.
O Não venceu o Sim por mais de 20 pontos. Este fato surpreende os próprios e os estranhos
porque em quase 70 anos de história oficial do FMI, nenhum país do Primeiro
Mundo havia chegado a este cenário. É a primeira vez que um país satélite na
zona central decide desacatar uma ordem dada. A periferia europeia se revela assim
contra seu centro de gravidade na mesma linha do que veio acontecendo desde há
uns anos em muitos outros países da chamada periferia mundial. A diferença desta
vez é que quem desobedece está inserido num dos epicentros mundiais, isto é, na
Zona Euro. À periferia-absoluta (fora dos países centrais) se soma a
periferia-relativa (dentro) neste intento de emancipar-se. A rebelião das
periferias caracteriza inegavelmente esta mudança de época do século 21. O que
Marx chamava o velho topo está emergindo crescentemente nestes anos em que o
capitalismo mundial deixa demasiadas feridas sem suturar. Esse topo, hoje chamado
Grécia, irrompe das resistências subterrâneas negando-se a seguir sob o mandato
do que determina a Alemanha. O que ontem era de sentido comum, agora deixou de
sê-lo.
O excepcional deste caso é que a Grécia o faz a
partir das próprias entranhas da União Europeia e não por fora. Mas são muitos os
países que neste século se uniram sucessivamente a esse outro espaço econômico-político
não controlado a partir do norte. Essa nova zona geoeconômica continua somando
sócios que progressivamente vão tecendo novas alianças por fora do “hegemón”
(centro hegemônico) e de seus anéis centrípetos. Essa espécie de grande
periferia forma na atualidade novos polos constituintes de outros pivôs
geopolíticos não tradicionais. Os Brics são o melhor exemplo, mas também o é a Unasul
ou a Celac na América Latina; o G-77 mais China, as novas alianças na África. Seguramente
a Europa mediterrânea não ficará atrás. A Grécia abriu
as portas, não para sair da Europa mas para que a Europa seja realmente a Europa
e não um eufemismo que sirva como disfarce para que o grande capital transeuropéu
se esconda detrás dele. Esta mudança de época iniciada na Europa, pela mão da
Grécia, abre uma oportunidade histórica para que o Sul deixe seu papel
periférico.
O verdadeiramente substantivo é saber se a UE tem
ainda capacidade para reviver seu modelo falido e o FMI pode sair ileso desta
mancha em seu currículo ou se, pelo contrário, ambos sairão baleados irreversivelmente
deste embate, perdendo legitimidade no tabuleiro mundial. A Grécia começa a
escrever sua própria História, reinserindo-se soberanamente no mundo, sendo
parte dum novo Sul não periférico. A vitória do Não na Grécia é realmente o mais
próximo ao Sim que se pode.
* Doutor em Economia, diretor do
Celag (Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica)
Tradução: Jadson Oliveira
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