"O Veneno está na mesa", como diz um dos filmes de Sílvio Tendler (Foto: Internet) |
Luta política pela regulamentação dos agrotóxicos eclode no Estado, em
meio às advertências dos cientistas.
Por Marcelino Galo (deputado estadual pelo PT-Bahia) - recebido por e-mail de sua assessoria
Quando você ouvir falar de armas químicas, lembre-se de seu almoço.
Rememore o seu prato. Evoque em sua memória as últimas refeições em família.
Uma guerra química de raízes econômicas acontece todos os dias,
silenciosamente, na mesa de todos os brasileiros. E o pior. Isso não é uma
metáfora.
Dos 50 agrotóxicos mais utilizados nas lavouras de nosso país, 22 são
proibidos na União Europeia. Os europeus não topam comer isso, mas aceitam nos
vender. Outras dezenas destes produtos não estão proibidos ainda, embora já se
tenha inúmeros estudos que associam o seu uso às doenças, malformações e
mutações genéticas.
O Brasil é o campeão mundial em consumo de agrotóxicos, maior importador
e contrabandeador desses produtos.
Podemos constatar historicamente que a indústria química avança em tempo
de guerra. Todavia, ela precisa vender em tempos de paz as substâncias que
descobriu na guerra. O DDT era usado para “proteger” os soldados contra piolhos
e o tifo. Na guerra descobriram o Aldrin, Dieldrin, Heptacloro, Totaneno e
outros organoclorados, como o DDT. Na paz, esses produtos iam para os pratos.
E assim, foi do matrimônio poligâmico entre a indústria química, a
guerra, e a agricultura pós guerra, que os agrotóxicos se transformaram numa
catástrofe sanitária brutal, sob o manto protetor do Estado brasileiro, e do
mutismo da humanidade.
A junção dos interesses da grande indústria química, aliada ao
agronegócio, desencadeia no atual sistema político a formação de poderosa
bancada disposta a “barrar” qualquer iniciativa de regulamentar o uso dos
agrotóxicos. Mais do que isso, com tantos parlamentares à sua disposição, essa
dupla avança, beneficiada por sua superioridade econômica, midiática e
política.
A saúde pública e o meio ambiente, entretanto, funcionam
independentemente das bancadas e suas investidas.
Assim, no final caberá a você, que foi envenenado, arcar junto com o
Sistema Único de Saúde, o tratamento de doenças como a infertilidade,
impotência, abortos, malformações, problemas hormonais, efeitos sob o sistema
imunológico, câncer e demais males associados aos agrotóxicos.
E qual o ônus que essas multinacionais vão carregar pelo custo à saúde e
ao meio ambiente?
Nenhum, ao contrário, o Brasil premia os agrotóxicos com isenções
fiscais e tributárias. 60% da alíquota de ICMS a todos agrotóxicos, isenção de
IPI para os agrotóxicos com diversos princípios ativos, assim como o PIS/PASEB
e COFINS.
Ao mesmo tempo, nos últimos 10 anos o mercado mundial de agrotóxicos
cresceu 93%, enquanto o mercado brasileiro, em sua Blitzkrieg,
avançou 190%.
Por força dos princípios da Precaução e Prevenção, os entes da
Federação, as instituições públicas, e o Poder Legislativo precisam dar
respostas a esta inversão de responsabilidades, fazendo com que o poluidor seja
o pagador, como determina a lei. E assegurando a regulamentação da produção,
comercialização e uso dos agrotóxicos de forma a proteger a supremacia do
interesse público sobre o interesse privado. Defender a vida.
Neste cenário é que o Estado da Bahia vive uma disputa no legislativo
estadual entre os que lutam para regularizar o uso e o comércio de agrotóxicos
e uma bancada disposta a “barrar” a regularização.
Os números do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em
Alimentos (PARA/ANVISA - 2002) mostram como as baianas e os baianos estão se
envenenando. 60% dos morangos analisados, 60% dos pepinos, 50% das cenouras,
60% das uvas e 40% dos abacaxis em amostras colhidas no Estado da Bahia
continham níveis inaceitáveis de agrotóxicos. De 138 amostras, 30,4% continham
níveis de agrotóxicos classificados como “insatisfatórios”. As demais amostras
continham resíduos de agrotóxicos, mas em menor quantidade.
Entretanto, esses testes não incluem diversas substâncias como o
glifosato e o paraquat. Além disso, o número de análises de alimentos feitas
nas cidades baianas é irrisório, frente ao número de propriedades rurais
no Estado e do volume de comércio desses produtos. Entre as substâncias
encontradas nesses vegetais estão algumas particularmente perigosas e
proibidas, como o Triclorfom, banido em diversos países, como a Alemanha e a
Austrália, e no Brasil, com laudo técnico do IBAMA e Anvisa proibindo seu
uso.
O problema é agravado com a pulverização aérea, prática que a Comunidade
Europeia proibiu, abrindo exceções em casos específicos em que ela se mostre
ambientalmente menos danosa e, ainda assim, sob uma série de garantias e
aprovação do Estado membro. Estima-se que somente 30% dos agrotóxicos
pulverizados atingem as plantas almejadas.
O restante é carregado pelo vento,
contaminando o ar, solo, a fauna, mananciais de água e a população rural e
urbana.
TENTATIVA DE REGULAMENTAÇÃO E FORMAÇÃO DA “BANCADA DO AGROTÓXICO”
Para enfrentar a questão propus três Projetos de Lei na Assembleia
Legislativa da Bahia.
O Projeto de Lei 21.317/2015 obriga a indicação expressa do uso de
agrotóxicos nos produtos alimentares produzidos e comercializados no Estado da
Bahia, o PL 21.314/2015 proíbe a pulverização de agrotóxico realizada
por meio de aeronaves, e o PL 21.273/2015, que proíbe o uso e
comercialização de agrotóxicos que contenham alguns princípios ativos, entre
eles o glifosato, uma substância largamente difundida e perigosa, fonte de
doenças para a população, graves danos ao meio ambiente e fortuna para a
multinacional Monsanto.
Pouco tempo após a apresentação desses projetos, fui surpreendido
com declarações de alguns deputados baianos, fornecidas à imprensa, de
que iriam “barrar” essas iniciativas. As declarações foram dadas ao portal G1
Bahia (3/06/2015), como garantia dos deputados aos grandes produtores rurais,
durante a 11ª edição da Bahia Farm Show, a maior feira de agronegócios do
estado, no município de Luiz Eduardo Magalhães.
Para se ter uma ideia, somente neste evento era prevista uma
movimentação de aproximadamente um bilhão de reais em negócios. Não havia
melhor cenário para se criar a bancada do agrotóxico, e impedir o avanço desses
projetos no parlamento baiano.
Respeito o posicionamento de todos os parlamentares, mas esta não é uma
questão que se pode “barrar” sem profundos debates com a comunidade científica,
com médicos, biólogos, agrônomos, pesquisadores. Esses é um debate que
precisa ser colocado à luz da ciência, sob a lamparina dos laudos, e exposto e
debatido com a sociedade baiana.
A Frente Parlamentar Ambientalista da Bahia, a qual eu coordeno, tem
realizado inúmeras atividades em seus quatro Grupos de Trabalho (GT´s). Da
mesma forma, a Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública, na qual sou
presidente. Temos reunido diversas órgão públicos e instituições de Estado,
juntamente com pesquisadores de todo o Brasil, entidades da sociedade civil e
grupos ambientalistas para discutir o impacto dos agrotóxicos, buscando
transformar as informações e sugestões colhidas em proposições legislativas e
outras ações de acompanhamento e fiscalização da execução das políticas
públicas do setor.
Em todas essas audiências públicas a necessidade de regulamentação
restritiva dos agrotóxicos é um ponto consensual entre os participantes. Os
cientistas são enfáticos. Os médicos são explícitos.
Recentemente, o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva
(INCA), órgão do Ministério da Saúde, ao tempo em que advertia para aos graves
danos causados à saúde da população, posicionou-se nesses termos com relação ao
uso de agrotóxicos:
“Considerando o atual cenário brasileiro, os estudos científicos
desenvolvidos até o presente momento e os marcos políticos existentes para o
enfrentamento do uso dos agrotóxicos, o Instituto Nacional de Câncer José
Alencar Gomes da Silva (INCA) recomenda o uso do Princípio da Precaução e o
estabelecimento de ações que visem à redução progressiva e sustentada do uso de
agrotóxicos, como previsto no Programa Nacional para Redução do uso de
Agrotóxicos (Pronara). Em substituição ao modelo dominante, o INCA apoia a
produção de base agroecológica em acordo com a Política Nacional de
Agroecologia e Produção Orgânica. Este modelo otimiza a integração entre
capacidade produtiva, uso e conservação da biodiversidade e dos demais recursos
naturais essenciais à vida. Além de ser uma alternativa para a produção de
alimentos livres de agrotóxicos, tem como base o equilíbrio ecológico, a
eficiência econômica e a justiça social, fortalecendo agricultores e protegendo
o meio ambiente e a sociedade”.
Cerca de 20% dos pesticidas fabricados no mundo são despejados em nosso
país. Um bilhão de litros ao ano. Um consumo per capita de 5,2 litros de
agrotóxico/ano.
O consumo abusivo de agrotóxicos representa um dos maiores desastres ambientais
deste século.
O ENFRAQUECIMENTO DA ANVISA E DO IBAMA NA REGULAÇÃO DOS AGROTÓXICOS: O
CASO DAS “EMERGÊNCIAS FITOSSANITÁRIAS”
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO, juntamente com a
Fundação Oswaldo Cruz e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
produziram uma das mais completas e veementes publicações sobre esse tema. No
livro “Dossiê ABRASCO – um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na
saúde”, a Bahia se destaca negativamente, como um exemplo de como as
mudanças na legislação, patrocinada pela bancada ruralista, enfraquece o
papel da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) na função de regular os agrotóxicos.
Em 2013, durante a votação da Medida Provisória 619/2013, a bancada
ruralista incluiu três artigos no texto (artigos 52,53 e 54), que entre outras
coisas concede ao Ministério da Agricultura o poder de flexibilizar as
restrições ao uso dos agrotóxicos e, em caso de declaração de “emergência
fitosanitária e zoosanitária”, autorizar o uso de substâncias
proibidas.
“A confirmação de se tratava de uma ação articulada entre setores do
agronegócio representados por lideranças da bancada ruralista e setores do
governo federal veio com a publicação da Lei 12.873, em 24 de outubro de 2013,
que manteve os três artigos na íntegra (BRASIL, 2013a) e a regulamentação
desses artigos através do Decreto Presidencial 8.133, de 28 de outubro de 2013
(BRASIL, 2013b). Uma semana depois, o MAPA declara a Bahia oficialmente em
estado de emergência fitossanitária em relação ao inseto Helicoverpa armigera e
três dias depois, em 7 de novembro, publica a Portaria 1.109 (BRASIL. MAPA,
2013c), na qual autoriza a importação da substância benzoato de emamectina,
agrotóxico que não foi autorizado no Brasil devido ao seu perigo para a saúde
humana.
Todo o trâmite – desde a aprovação na calada da noite na Câmara dos
Deputados até apreciação e aprovação no Senado, sanção e regulamentação
presidencial, declaração de situação de emergência fitossanitária em uma região
do Brasil e autorização para importação de um agrotóxico até então proibido
pelo MAPA – durou 43 dias”. (ABRASCO, 2013. p. 469)
O benzoato de emamectina, importando às toneladas, havia tido o seu
registro indeferido pela Anvisa em 2003. A agência considerou seu uso um perigo
à saúde, em especial devido à sua elevada neurotoxicidade e a suspeita de
teratogênese (má-formação fetal).
O Ministério Público da Bahia entrou com uma ação para proibir o uso
desse agrotóxico, mas o Tribunal de Justiça da Bahia autorizou a importação do
benzoato de emamectina. Com isso, a substância foi largamente usada e há
suspeita de que até estoques dela tenham sido formados.
DESASTRE ANUNCIADO DE SAÚDE PÚBLICA
DESASTRE ANUNCIADO DE SAÚDE PÚBLICA
Na França, uma epidemia de câncer ocorreu porque o comitê criado para
estudar o problema do amianto foi dominado por lobistas do setor, que falharam
em defender o interesse público, segundo conclusões de um relatório do Senado
francês sobre os impactos da substância, proibida pelos franceses em 1997 e até
hoje permitido no Brasil.
“Enquanto 35 mil mortes podem ser atribuídas ao amianto entre 1965 e
1995, outras 60 mil a 100 mil mortes são esperadas nos próximos 20 a 25
anos", destacou o relatório, que classifica o caso como
o "pior desastre de saúde pública" da França.
Os exemplos históricos devem servir-nos de alerta. O que estamos
assistindo na Bahia, com o uso abusivo de agrotóxicos é, assim como ocorreu na
França no caso do amianto, é a supremacia do interesse privado sobre o
interesse público. E esta omissão já traz danos à saúde da população, e ameaça
a saúde das futuras gerações.
Esta é uma guerra diária, da qual ou você faz atua ou é envolvido sem
sequer dar-se conta de que está no meio de um conflito. Para vê-lo, não é
preciso olhar as manchetes dos jornais sobre o Iraque, Síria ou o Afeganistão.
Basta observar o seu prato.
Marcelino Galo é engenheiro agrônomo, deputado
estadual (PT/BA), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista da Bahia,
vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente e presidente da Comissão de
Direitos Humanos e Segurança Pública da Assembleia Legislativa da Bahia.
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