(Foto: reproduzida do Tijolaço) |
“A mídia convencional não consegue mais
acompanhar a internet”.
“É preciso deixar claro,
sobretudo para o pessoal mais jovem, para não alimentar falsas ilusões e
esperanças, imprensa está a serviço dos interesses e da ideologia de quem paga
as contas”.
“Tem uma passagem no Chatô que é
muito interessante, quando ele dá uma bronca no David Nasser porque ele fez um
artigo dando um pau no Juscelino Kubitscheck. O Chatô o chamou e disse: “ô
‘seu’ David, – o Chatô chamava todo mundo de senhor – que história é essa do
senhor escrever no Cruzeiro um artigo dando porrada no presidente JK?”. Ele
disse: “mas doutor Assis, aquela é minha opinião, é uma coluna assinada”. “Se o
senhor quer ter opinião, o senhor compre uma revista. Na minha revista, o
senhor defende a minha opinião”.
Por Fernando Brito, no seu blog Tijolaço,
de 10/06/2015
O jornal eletrônico Notícias do Dia, de Santa Catarina, publica hoje
(dia 10) uma entrevista com o jornalista e escritor Fernando Morais
que é ótima leitura para quem pensa em comunicação – o que cada vez somos todos
– e trabalha com ela profissionalmente.
Dela – embora seja toda ótima e lúcida, tratando de política e relações
internacionais – extraí os trechos que falam disso e do filme Chatô, baseado em seu livro biográfico sobre o
primeiro grande “chefão” da mídia no Brasil, finalmente concluído.
E diz, sem “meia-conversa”:
“É preciso deixar claro, sobretudo para o pessoal mais jovem, para não
alimentar falsas ilusões e esperanças, imprensa está a serviço dos interesses e
da ideologia de quem paga as contas”.
Abaixo, trechos, mas recomendo fortemente que a leiam na íntegra,
aqui.
Notícias do Dia: O tema da sua palestra é “Os rumos
do jornalismo, a crise da mídia tradicional e credibilidade em tempos de redes
sociais”. Como enxerga esse panorama?
Fernando
Morais: Essa
revolução que está acontecendo nas comunicações não tem paralelo, é uma
transformação infinitamente mais profunda do que a gente viveu do rádio para a
televisão nos anos 1950. Essa geração que está pintando vai ser, ao mesmo
tempo, a coveira e a parteira… Os jornais estão emagrecendo cada dia mais e
acho que a televisão também já está sendo vitimada pela revolução da internet.
Isso está se processando com uma velocidade fora do comum, e essa geração
precisa se preparar para isso. Não é que o jornalismo está acabando, ele está
sofrendo uma mutação profunda. Isso tem vantagens enormes, que é uma quebra dos
monopólios sem dar um tiro e sem expropriar o jornal de ninguém. Se você
estiver dando informação correta, precisa e inédita, vai aparecer gente para
anunciar, porque você vai estar falando para uma quantidade grande de pessoas.
Por outro lado, tem a desvantagem que a pessoa pode jogar na internet toda
bobagem que passa na cabeça dela, inclusive mentiras. Tenho a impressão que vai
haver uma seleção darwiniana nos meios de comunicação da internet, que vai
demorar, e da qual vão sobreviver os que tiveram credibilidade.
Notícias do Dia: Isso terá implicações na
prática, no ofício, do jornalismo?
Fernando
Morais: Vai
trazer implicações saudáveis. Essa transformação vai obrigar o sujeito a
pesquisar melhor se ele quiser estar no jogo, quiser disputar espaço, porque é
o universo. Não é mais Floripa, Belo Horizonte ou São Paulo. É o universo. Você
escreve em Floripa e é lido em Tóquio, em Hong Kong. No fundo, aí vai uma certa
abstração… O que é que faz uma pessoa escrever bem, saber escrever? Em primeiro
lugar é ler. Você só aprende a escrever lendo. Essa transformação também vai
passar a exigir mais dos jornalistas, inclusive porque está deixando de existir
um certo filtro entre o repórter e o leitor, que é o miolo da redação, que é o
copydesk, o editor… Vai exigir mais dos profissionais, porque só vão ficar os
que tiverem credibilidade. Quando a televisão veio para o Brasil, quem é que
fez televisão? As pessoas que faziam rádio. Elas continuaram, durante muito
tempo, como uma adaptação do rádio. Agora, poucas pessoas já perceberam que a
internet não é a transposição do jornalismo impresso para o eletrônico.
Internet é muito mais imagem. Um exemplo disso foi o assassinato do [Muammar al]
Gaddafi, linchado publicamente. Ali em volta, estavam pessoas com celulares na
mão filmando tudo e, minutos depois, aquilo estava no planeta inteiro. No dia
seguinte, não tinha nenhum jornal do mundo que desse uma informação melhor do
que a que você viu com os seus olhos. A imprensa convencional já não consegue
mais acompanhar a internet.
Notícias do Dia: Como é escrever um relato
jornalístico, equilibrando as informações com um texto mais próximo à
literatura?
Fernando
Morais: Eu
procuro dar aos meus livros um tratamento literário, mas que não é ficcional. É
uma elegância. Você vê que o parágrafo está feio, escreve de novo. Isso te toma
tempo, mas permite que você faça uma coisa detalhada. Por que sou tão
detalhista? Quero que o camarada que esteja lendo um livro meu se sinta na
cena. Pode até não ser relevante, mas acho que você transforma o texto numa
coisa mais sedutora.
Notícias do Dia: Você tem equipe de apoio
durante a pesquisa e apuração do tema de um livro?
Fernando
Morais:
Varia de livro para livro. No caso do Chatô… O Chatô era um personagem,
primeiro com uma vida muito longa, e segundo com a memória muito fragmentada
pelo mundo. Não só pelo Brasil inteiro, porque ele tinha veículos em todos os
lugares, de Santa Maria até a fronteira com a Guiana. Ele tinha jornal, rádio e
televisão, foi político, embaixador, deu um colar de água marinha para a rainha
da Inglaterra, encheu Londres de faixas em português, no dia da coroação:
“Senhor Bonfim da Bahia, salve a rainha”… Se eu fosse fazer as 200 e tantas
entrevistas pessoalmente, eu, provavelmente, estaria até hoje fazendo entrevista.
Quando estou diante de uma situação como essa do Châteaubriant, eu procuro
pegar pesquisadores, em geral jovens jornalistas e historiadores. Não tenho
equipe, eu contrato os profissionais pelo salário de mercado. Você pode ver
nesses livros maiores, a lista de agradecimentos é interminável. O ideal
seria que o autor fizesse tudo, até porque chega determinado momento do
trabalho que você detém tanta informação, que só você sabe fazer as perguntas.
Não adianta pedir para outro fazer, porque a pessoa não tem o arcabouço que o
autor já acumulou. Se o cara me diz uma mentira, eu posso dizer “não, não é bem
assim”.
Notícias do Dia: E os últimos acontecimentos
políticos no Brasil e o papel da imprensa?
Fernando
Morais: A
imprensa, com as exceções que a gente conhece, virou um partido político de
direita, sem assumir isso. O famoso PIG [Partido da Imprensa Golpista]. O
jornal, numa sociedade capitalista, você junta 10 pessoas, compra impressora e
papel, contrata jornalistas e faz o jornal para defender suas idéias. Tem uma
passagem no Chatô que é muito interessante, quando ele dá uma bronca no David
Nasser porque ele fez um artigo dando um pau no Juscelino Kubitscheck. O Chatô
o chamou e disse: “ô ‘seu’ David, – o Chatô chamava todo mundo de senhor – que
história é essa do senhor escrever no Cruzeiro um artigo dando porrada no
presidente JK?”. Ele disse: “mas doutor Assis, aquela é minha opinião, é uma
coluna assinada”. “Se o senhor quer ter opinião, o senhor compre uma revista.
Na minha revista, o senhor defende a minha opinião”. É preciso deixar claro,
sobretudo para o pessoal mais jovem, para não alimentar falsas ilusões e
esperanças, imprensa está a serviço dos interesses e da ideologia de quem paga
as contas no final do mês. Isso, em todos os lugares, inclusive em Cuba, na
China, nos EUA, no Brasil. Aí vem, de novo, a internet como instrumento
alternativo para você fugir dessa armadilha.
ND: Quem foi mais influente na
comunicação no Brasil, Châteaubriant ou Roberto Marinho?
FM: Châteaubriant, sem nenhuma
dúvida. Mais importante que os Marinho, que os Civita… A Globo, na verdade, tem
repetidoras regionais. O Châteaubriant, não. A outra diferença enorme entre os
dois, é que o Roberto Marinho era um homem dos bastidores, de ficar atrás da
cortina, um cara extremamente discreto. O Châteaubriant era uma figura
escancarada. O que ele pensava, dizia e escrevia, por maior que fosse a
barbaridade que ele tivesse na cabeça. Ele tinha um lado, que no Roberto
Marinho ficou mais discreto, e nele era mais exposto, que era a chantagem. Ele
construiu o maior museu do hemisfério sul (MASP – Museu de Arte de São Paulo)
de peixeira na mão, tomando dinheiro de empresário.
Notícias do Dia: O que pensa sobre a
regulamentação da mídia?
Fernando
Morais: O
fundamental é a regulação dos meios eletrônicos de comunicação, porque jornal,
bem ou mal, é propriedade de quem montou. Agora, rádio e televisão são
concessões públicas, são propriedade social. Portanto, você não pode fazer
daquilo o que der na sua cabeça. Outra coisa, propriedade cruzada: não pode
ter. Nos EUA não tem, na Europa não tem… Se você é proprietário de um canal de
televisão, você não pode ter jornal, não pode ter rádio. Não é censura. Você
tem que estabelecer normas. A Globo não pode pregar golpe de estado, seja
contra quem for. Aquilo ali é uma propriedade social, não é dos filhos do
Roberto Marinho. Isso precisa ser visto com um pouco mais de responsabilidade
pelo governo. Os grandes veículos de comunicação ficam enganando a população
dizendo que a regulação da mídia é censura… Não tem nada de censura. Os jornais
vão poder continuar escrevendo o que quiserem, mas rádio e televisão têm que se
submeter a regras porque não são propriedades particulares. O sinal do rádio e
o da televisão são propriedades sociais.
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