Cenas do genocídio armênio (Foto: Página/12) |
Escondido sob uma muralha de silêncio, o mundo finalmente reconhece, um século depois, o genocídio do povo armênio; e na Argentina, as mulheres dos povos indígenas marcham pela criação do Movimento do Buen Vivir.
Por Osvaldo Bayer, no jornal argentino Página/12, edição impressa de
25/04/2015
Acabam de ocorrer
dois fatos positivos dentro do triste desenrolar de nossa chamada civilização.
A lembrança, em primeiro lugar, do genocídio armênio cometido pelo
governo e povo turcos contra as minorias armênias e, em nosso país (Argentina),
a marcha das mulheres dos povos originários para criar o Movimento do Buen
Vivir (Bom Viver ou Bem Viver).
Já com o reconhecimento de grande parte dos países do mundo, ocorrido há
um século, foi lembrado e estampado na primeira página dos jornais o que
começou na Turquia faz justamente 100 anos: a destruição da vida e da sociedade
armênia. No que pese a posição absurda do governo atual da Turquia que com toda
falta de coragem cívica continua sem reconhecer os fatos apesar das milhares de
provas apresentadas. Este procedimento é uma mesquinharia nunca vista na
história do mundo. É que não reconhece o crime porque tem medo de que logo
depois venha o pagamento de reparações. Assim pequeno e egoísta é o
comportamento turco.
São imensas as provas. Ultimamente acaba de aparecer um filme alemão que
é indiscutível. Traz o testemunho de dezenas de cartas-documento de diplomatas,
militares e funcionários alemães que viviam na Turquia em 1915 e testemunharam
por escrito e com fotografias os horrores da morte armênia. A essas declarações
lidas por atores e atrizes, se somam também os documentos apresentados pelo
então embaixador norte-americano e professores universitários europeus que se
encontravam nessa época na Turquia.
Os cadáveres dos homens pendurados em forcas nas ruas ou mortos a
pauladas, as mulheres e as crianças mortas de fome e sede pelas estradas por
onde eram obrigadas a uma marcha sem fim. Uma das piores circunstâncias da
crueldade humana.
O Papa acaba de reconhecer o genocídio armênio provocando uma agressiva
reação do primeiro-ministro turco Erdogan. A comunidade armênia na Argentina
agradeceu ao Papa seu gesto e Eduardo Kozanlian, do Conselho Nacional Armênio
da América do Sul, expressou que “as corajosas declarações do papa Francisco
reconhecendo oficialmente o ainda impune genocídio turco contra o povo armênio
rompe a muralha de silêncio que o Estado turco constrói com bases falsas há um
século”.
Os turcos não encontraram outro argumento do que dizer que o Papa é
argentino e a Argentina protegeu os nazistas em 1945. Quem o disse foi o
ministro turco de Assuntos Europeus, Vulkan Bozkit, com um desacerto total.
Para ele, então, todos os argentinos somos nazistas. E o próprio
primeiro-ministro turco Recep Erdogan, referindo-se ao papa Francisco, disse:
“Quando os políticos e religiosos assumem a tarefa de historiadores não dizem
verdades, e sim idiotices”. Uma forma de insultar para esconder verdades. Mas
todas estas reações ficaram ofuscadas quando dois dias depois desses ataques
desesperados contra a verdade, o Parlamento Europeu reconheceu o genocídio
cometido contra os armênios e lamentou os esforços turcos para negar a verdade.
Mais ainda, o Parlamento mesmo aplaudiu de pé a resolução papal. E o legislador
alemão Elmar Brock expressou: “A Turquia tem a obrigação moral de reconhecer
esses crimes tal como fez a Alemanha com os dos nazistas. Meu próprio povo
cometeu genocídio”. Finalmente, o primeiro-ministro turco Erdogan deu um passo
atrás e declarou ontem (dia 24/abril) “seu pesar pela morte de armênios durante
a guerra mundial de 1914-18”. A verdade finalmente se impõe.
Os fatos dos crimes contra os armênios tiveram um final notável: um
jovem armênio esperou em Berlim o responsável pelo genocídio armênio, o turco
Talat Pasha, e o matou em outubro de 1918. A Justiça alemã não condenou o jovem
armênio, levando em conta que se tratava do político que havia permitido o
horrendo crime do genocídio armênio.
E agora, a Argentina. Está se produzindo um fato de grande simpatia
histórica: a marcha das mulheres dos povos indígenas rumo ao Congresso
Nacional. É a primeira vez que ocorre. Uma marcha sem mágoas, sem protestos,
mirando o futuro. A marcha das mulheres dos povos originários pelo Buen Vivir.
Nada menos.
Pensar que foram as mulheres dos povos originários as que mais sofreram
em nossa história. Bastaria publicar os informes militares de Roca, os avisos
de Avellaneda, as matérias dos jornais da época da Expedição ao Deserto para
comprovar a traição que cometeram os argentinos aos princípios de Maio
(referência à independência do país) e ao Hino Nacional em sua estrofe: “Ved en
trono a la noble Igualdad, Libertad, Libertad, Libertad
(Veja no trono a nobre Igualdade,
Liberdade, Liberdade, Liberdade)”. Vou reproduzir uma crônica do jornal El
Nacional da época para demonstrá-lo: “Chegam os índios prisioneiros com suas
famílias. O desespero, o pranto não cessa. Tiram das mães índias seus filhos
para em sua presença dá-los de presente apesar dos gritos, clamores e súplicas
que de joelhos e com os braços levantados ao céu dirigem as mulheres índias.
Naquele cenário de extrema dor humana, uns escondem o rosto, outros olham
resignadamente para o chão, a mãe índia aperta contra o seio o filho de suas
entranhas. O pai índio passa à frente para defender sua família dos avanços da
civilização”.
Tudo está dito. Isso o fizemos os argentinos. E hoje, as descendentes
daquelas vítimas querem iniciar um movimento pelo “buen vivir”. Incrível. Para
aplaudi-las. O primeiro grupo foi mapuche e agora pertencem a diversas etnias.
Se reuniram junto ao monumento a Roca, o genocida, como para demonstrar que
elas vivem e têm projetos. Formam uma organização feminina que quer trabalhar
em todos os setores e ensinar-lhes seus sonhos e seus costumes.
A mobilização é sábia e explícita: a criação do Conselho de Mulheres
Originárias pelo Buen Vivir. Apresentaram o projeto ante o Congresso. Esperam a
resposta. Desejamos que seja aprovado e se crie uma organização de
solidariedade na sociedade. Os povos originários nos deram uma lição.
Tradução: Jadson Oliveira
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