EMBAIXADOR EQUATORIANO: “OS SERES HUMANOS TEMOS MAIS DIREITOS DO QUE AS EMPRESAS”

Ex-presidentes da Venezuela Hugo Chávez, da Argentina Néstor Kirchner, e do Brasil Lula, considerados impulsionadores do projeto integracionista (Foto: Wikicommons)
Para Ramón Torres Galarza, diplomata Itinerante para Assuntos Estratégicos, integração terá continuidade “porque hoje povos são protagonistas da história”.

Temos que “exigir dos acadêmicos, dos meios de comunicação, dos cidadãos, uma atitude distinta que rompa a passividade, o conformismo que nos converte em somente consumidores”.

Por Vanessa Martina Silva, de São Paulo – no portal Opera Mundi, de 26/05/2015, com o título Embaixador equatoriano: América Latina é contraponto a ‘desencanto do capitalismo’ (o título acima é deste blog)

“São as democracias [latino-americanas] em revolução que podem mudar o mundo frente ao silêncio, frente ao desencanto, ao cinza que o capital e o capitalismo em sua crise planetária estão gerando. Que podem fazer frente a esse individualismo selvagem, esse consumismo predador, essa solidão. Que podem se contrapor ao ‘consumo, logo existo’, que parece ser o que marca o destino dos seres”. A opinião é do Embaixador Itinerante do Equador para Assuntos Estratégicos, Ramón Torres Galarza. Na entrevista exclusiva a Opera Mundi, falou sobre os desafios da integração e os objetivos do projeto impulsionado pelo governo equatoriano.

Também poeta, Galarza — que esteve no Brasil, na última semana, para firmar uma série de convênios com universidades brasileiras pelo Programa Regional Latino-americano de Docência e Investigação: Democracias na Revolução e Revoluções na Democracia — é otimista diante dos desafios que a integração latino-americana enfrenta. Para ele, é preciso que desenvolvamos um processo que “dignifique os seres humanos, que reconheça que somos parte da natureza e por isso proclamemos que os seres humanos temos mais direitos que o capital, que os seres humanos temos mais direitos que as empresas e que a natureza tem mais direito que o capital. Estamos ressignificando o conceito da velha democracia excludente, elitista que reconhecia somente direitos civis ou políticos. Precisamos reconhecer uma democracia que inclua economicamente os cidadãos. Não podemos falar de cidadãos de direitos na América Latina se somente somos democráticos porque vamos votar nas eleições”.

Segue apenas uma das perguntas e respostas:

Opera Mundi: No Brasil, em nossas universidades, não se estuda o contexto ou os pensadores latino-americanos. Os centros de ensino estão muito focados na Europa e nos Estados Unidos. Como, então, confrontar nas universidades o pensamento desses dois enfoques muito distintos?

Ramón Torres Galarza: Sem dúvida vivemos na América Latina demasiados anos de uma dependência e colonização do pensamento. Essa descolonização do pensamento, essa epistemologia do sul está surgindo com muita força porque todos os conceitos estrangeiros não permitiram que esse ser latino-americano se desenvolvesse. Então, quando olhamos os conceitos, eles já não nos servem. 

Então voltamos o olhar nós mesmos e voltamos a considerar o pensamento da origem do nosso continente, recuperamos saberes e costumes e pensamentos que fazem parte de nossos processos de independência, dos nossos processos de revoluções, parte do que constitui a luta anti-imperialista, do processo de libertação nacional, mas tudo isso devemos conjugar contemporaneamente para ser capaz de produzir um pensamento próprio e ter também um diálogo com o pensamento estrangeiro porque não podemos nos fechar em nós mesmos ou criar muros de pensamento.

Se nós somente promovêssemos a consolidação do ensino do castelhano no Brasil e o ensino de português na América Latina, avançaremos muito de maneira prática, concreta em nossa integração cultural e sem integração cultural bem possível que não exista a integração econômica, comercial, política. Então está chegando o momento em que esta sede, essa necessidade já não é mais uma utopia, mas o imperativo para existir como cultura, como formas de vida distintas. 

São essas democracias em revolução que podem mudar o mundo frente ao silêncio, frente ao desencanto, frente ao cinza que o capital e o capitalismo em sua crise planetária está gerando. Esse individualismo selvagem, frente a esse consumismo predador, frente a essa solidão. Frente ao ‘consumo, logo existo’, que parece ser o que marca o destino dos seres.

Estamos aqui para dizer 'não'. Temos que construir uma alternativa civilizatória, tecnológica, de pensamento sobre qualidade de vida, mas que dignifique os seres humanos, que reconheça que somos parte da natureza e por isso proclamamos que os seres humanos temos mais direitos que o capital, que os seres humanos temos mais direito que as empresas, que a natureza tem mais direito que o capital. Exigir dos acadêmicos, dos meios de comunicação, dos cidadãos, uma atitude distinta que rompa a passividade, o conformismo que nos converte em somente consumidores.


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