CHOMSKY: A AMÉRICA LATINA VIVEU UMA MUDANÇA SIGNIFICATIVA, DE IMPORTÂNCIA HISTÓRICA

Noam Chomsky (Foto: Brasil de Fato)

Leia entrevista com um dos intelectuais mais prestigiados do mundo sobre as mudanças na América Latina e as relações dos EUA com a Venezuela e Cuba.

Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net - reproduzida do sítio web do jornal Brasil de Fato (a entrevista é conduzida por Ignacio Ramonet, jornalista e acadêmico, diretor do Le Monde Diplomatique em espanhol)

Ignacio Ramonet: Noam, em 9 de março passado, Barack Obama assinou uma ordem executiva e decretou “estado de emergência” nos Estados Unidos devido à “ameaça inusitada e extraordinária” que representaria a Venezuela para a segurança nacional do seu país. Que pensa desta declaração?
Noam Chomsky: Temos de ser cuidadosos e distinguir duas partes nessa declaração. Por um lado, um facto real: a imposição de sanções a sete funcionários públicos da Venezuela. A outra parte é um aspeto mais técnico, a forma como se formulam as leis nos Estados Unidos. Quando um presidente impõe uma sanção tem de invocar esta declaração ridícula que pretende haver “uma ameaça à segurança nacional e à existência dos EUA” por parte de tal ou qual Estado. É um aspeto técnico do direito dos EUA. É tão ridículo que, de facto, nunca tinha sido sublinhado. Mas desta vez fez-se questão disso, porque surgiu na América Latina. Na declaração habitual quase nunca se menciona todo este contexto, e acho que é a nona vez que Obama invoca uma “ameaça à segurança nacional e à sobrevivência dos EUA”, porque é o único mecanismo ao seu alcance através do qual a lei lhe permite impor sanções. Ou seja, o que conta são as sanções. O resto é uma formalidade absurda; é uma retórica obsoleta da qual poderíamos prescindir, mas que, em todo caso, não significa nada.
Ainda que às vezes sim. Por exemplo, em 1985, o presidente Ronald Reagan invocou a mesma lei dizendo: “O Estado da Nicarágua é uma ameaça à segurança nacional e à sobrevivência dos Estados Unidos”… Mas nesse caso era verdade. Porque ocorria num momento em que o Tribunal Internacional de Justiça tinha ordenado aos EUA que pusessem fim aos seus ataques contra a Nicarágua através dos chamados “Contras” contra o governo sandinista. Washington não o levou em conta. Por sua vez, o Conselho de Segurança das Nações Unidas também adotou, nesse momento, uma resolução que pedia, a “todos os Estados”, que respeitassem o direito internacional… Não mencionou ninguém em particular, mas todo o mundo sabia que se estava a referir aos EUA.
O Tribunal Internacional de Justiça tinha pedido aos Estados Unidos que pusessem fim ao terrorismo internacional contra a Nicarágua e que pagassem reparações muito importantes a Manágua. Mas o Congresso dos Estados Unidos o que fez foi aumentar os recursos para as forças [os “Contras”] financiadas por Washington que atacavam a Nicarágua… Isto é, a administração Reagan opôs o seu método à resolução do TIJ e violou o que este lhe estava a pedir. Nesse contexto, Reagan pôs as seus botas de cowboy e declarou que a Nicarágua era uma “ameaça à segurança dos Estados Unidos”. 
Recordará que, naquele mesmo momento, Reagan pronunciou um célebre discurso dizendo que “os tanques da Nicarágua estão apenas a dois dias de marcha de qualquer cidade do Texas”… Ou seja, declarou que havia uma “ameaça iminente”… Bom, segundo Reagan, aquela “ameaça” era uma realidade… Mas agora não, a de Obama é uma fórmula retórica, uma expressão técnica, digamos. Claro, trata-se de dar à declaração um aspeto dramático adicional para tentar enfraquecer o governo de Venezuela… Algo que Washington faz quase sempre nesses casos.

Conheceu o presidente Hugo Chávez. E Chávez tinha por si uma grande admiração. Fez o elogio de alguns dos seus livros. Que lembranças tem dele e que opinião lhe merece como dirigente, em particular pela sua influência na América Latina?

Tenho que lhe confessar que depois de o presidente Chávez ter mostrado o meu livro [Hegemonia ou Sobrevivência] na Organização das Nações Unidas (ONU), se vendeu muito bem na Amazon.com [risos]. Um amigo meu, um poeta, disse-me que o livro estava entre os últimos do ranking de Amazon e de repente venderam-se milhares. Ele perguntou-me se o presidente Chávez não podia mostrar um livro dele também na ONU… [risos] Bom, tive com Chávez algumas conversas, nada mais, no palácio presidencial.
Estive em Caracas um dia com um amigo e basicamente falamos com Chávez sobre como chegou ao poder, como reagiram os EUA, e muitas outras coisas dessa natureza. Chávez fez um esforço muito importante para introduzir mudanças substanciais na Venezuela e na sua relação com o mundo. Um dos seus primeiros atos foi conseguir que a Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP), que possuía quase o monopólio do petróleo, reduzisse a produção para que o preço do barril aumentasse.
Segundo o que me disse, esse foi o momento em que os EUA se voltaram definitivamente contra a Venezuela… Antes toleravam-no… Chávez fez muitas coisas mais: forneceu petróleo a baixo preço a Cuba e a outros países do Caribe; realizou esforços para melhorar o sistema de segurança social, reduzir a pobreza, lançou as “missões”, que significavam um grande esforço a favor da gente humilde, etc.

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