Roberto Curci, ex-operário de Las Acacias, ex-líder sindical dos “molineros”, agora é dirigente da CTEPA (Foto: Jadson Oliveira) |
Depois
de muita luta e dificuldades, a cooperativa iniciou a produção, há oito meses, dos macarrões Alma: agora é sobreviver e
conquistar mercados, inclusive no exterior. Atualmente há um companheiro em
viagem ao Brasil buscando expandir as vendas.
Por Jadson Oliveira (jornalista/blogueiro) –
editor do blog Evidentemente, de 11/02/2015
De
Montevidéu (Uruguai) - Este aí da foto é Roberto Curci,
ex-sindicalista da área de fabricação de produtos alimentícios (pasta/macarrão
– “videos” em espanhol) e agora diretor da Cooperativa de Trabajadores
Emprendimiento Popular Alimentario (CTEPA), que maneja uma pequena fábrica do
mesmo ramo instalada numa zona industrial do município de Las Piedras (estado
de Canelones), nas cercanias de Montevidéu (região metropolitana, fica a apenas
uma hora de ônibus da capital). Produz os “videos” Alma (a matéria-prima básica
é farinha de trigo).
Ele e quase duas dezenas de companheiros, a maioria das
duas maiores fábricas do ramo no Uruguai (Las Acacias e Puritas), foram levados
a mudar de trincheira, depois de terem sido despedidos e colocados na “lista
negra” da “máfia” patronal.
Primeiro a luta sindical contra os patrões na década
passada, alcançando inclusive a fase de governo progressista, da Frente Ampla,
coalizão de forças políticas de esquerda e centro-esquerda que chegou à
presidência da República desde 2006. Eram do sindicato dos “molineros” (de
“molinos” - moinhos).
Ato com integrantes da cooperativa na mesa (Roberto Curci no centro) (Foto: edição digital do jornal La República) |
Enfrentaram a repressão e as perseguições, com o protagonismo
fundamental – como costuma sempre ocorrer – do Poder Judiciário (na área civil,
não na trabalhista, pois a mão pesada da Justiça abateu-se contra eles
esgrimindo o “sagrado” direito da propriedade, já que a disputa resultou na ocupação
da fábrica).
Em seguida – após a “listra negra” - veio a luta para
instalar a fábrica. Foram cinco anos para vencer os entraves burocráticos,
financeiros e, especialmente, a perseguição rancorosa dos poderosos ex-patrões.
Las Acacias, Puritas e uma terceira empresa dominam 90% do mercado uruguaio no
ramo. Não “esqueceram” os conflitos com os antigos empregados, agora seus
concorrentes, mesmo pequeninos.
A cooperativa teve o apoio de organismos ligados à
estrutura do governo frenteamplista, como financiamentos do Banco da República
e do Fundo para o Desenvolvimento (Fondes). Teve também a solidariedade de
entidades sindicais.
Mas os braços do Estado burguês, mesmo sob o governo da
Frente Ampla, estão aí para ajudar os patrões. Nossos ex-sindicalistas, agora “donos”
de fábrica, se candidataram a fornecer seus produtos a entidades governamentais
e não conseguiram se credenciar. Foram eliminados por alegados critérios
técnicos: quantidade de ovo, nível de umidade... Mas, não desistiram, vão
tentar de novo na primeira oportunidade.
Um
pingo de autogestão num mar de capitalismo
Estão, hoje, na terceira fase da luta depois de oito
meses do início da produção: sobreviver e conquistar mercados, inclusive no
exterior. Agora mesmo há um companheiro em viagem ao Brasil tentando vender os
macarrões Alma, conforme me informou o diretor Roberto Curci, sentado em sua
mesa de trabalho do modesto escritório, tendo às suas costas um mural onde há
um cartaz do combativo MST brasileiro (Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra).
O MST brasileiro no mural do escritório (Fotos: Jadson Oliveira) |
Ele me contou também que enfrentam muitas dificuldades
porque faltou dinheiro para investir no marqueting. Gastaram muito na compra do
imóvel (um antigo frigorífico), que teve de ser todo reconstruído, e na compra
e instalação dos equipamentos.
Resumindo: seguem na luta, um pingo d’água da autogestão
coletiva no mar revolto do capitalismo, cada dia mais concentrado e
concentrador. O sistema cooperativo aqui parece ser bem desenvolvido, mas
experiências com as peculiaridades da deles são raras.
Roberto me falou dessas lutas (e de outros temas
políticos e jornalísticos), matéria de suas vivências recentes e atuais, na
tarde quente da última segunda-feira, dia 9. Eram umas 4 horas quando meu amigo
uruguaio (arranjei por aqui por acaso: Alfredo Beder – ex-militante comunista
que continua comunista) terminou os serviços de eletricidade que fazia e voltou
ao escritório me chamando, apressado, para ir embora.
Comentou, então, meio perguntando se não haviam me
oferecido um cafezinho. Nem cafezinho, nem um copo d’água, pensei,
conjecturando, as coisas por aqui estão austeras mesmo (eu não tinha almoçado e
estava morrendo de fome). Me apressei a comentar com meu amigo que estava tudo
bem, tudo ótimo. Tirei umas poucas fotos e corremos pra pegar o ônibus.
Quando meu amigo me apresentou a Roberto Curci, na
chegada, disse que eu era um jornalista brasileiro, um turista, mas era um
turista diferente, fazia um tipo de turismo social. Pois é, dei uma espiada nos
subúrbios montevideanos e bati um bom papo com o líder sindical/cooperativista.
“Turismo social”, gostei.
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