Tabaré Vásquez discursa, na cidade de Maldonado, durante a festa dos 44 anos dos frenteamplistas (Fotos: site Maldonado Notícias) |
A Frente Ampla
uruguaia, que chega ao seu terceiro mandato presidencial consecutivo, comemora
44 anos de rica experiência política
Por Jadson Oliveira (jornalista/blogueiro)
– editor do blog Evidentemente, de
07/02/2015
De Montevidéu
(Uruguai)
– Estava eu aqui tentando “estar” na simpática (e cara) capital dos hermanos
uruguaios, mais ocupado, na verdade, em seguir a conspiração da direita no
Brasil - através da escandalosa ditadura da mídia hegemônica (em conluio com
agentes do Judiciário e de outros afins) -, quando “descobri” que a badalada
Frente Ampla (FA - Frente Amplio, masculino, em espanhol) , que acaba de
emplacar seu terceiro mandato presidencial consecutivo, está completando 44
anos.
Eu imaginava que seria coisa mais recente,
depois da ditadura militar (1973-1985 – ou ditadura civil-militar, como se diz mais
ultimamente).
Pois é, foi na quinta-feira, dia 5, enquanto
já se desenrola a campanha para as eleições estaduais (“departamentais”) e
municipais em maio próximo. A comemoração central foi um ato público em
Maldonado, capital do estado (“departamento”) com o mesmo nome, pertinho da
cidade turística Punta del Leste, com discurso do presidente eleito Tabaré Vásquez
(posse no próximo dia primeiro).
A Frente Ampla foi chancelada no dia 05/02/1971 numa reunião
de lideranças (o principal líder era Líber Seregni, um general democrata) e
lançada, em manifestação de massa, no mês seguinte, dia 26, uma data importante
da luta pela independência contra o império espanhol no início do século 19
(tanto assim que existe aqui uma organização de esquerda, Movimento 26 de
Março, que foi criado como braço político de massa dos guerrilheiros urbanos
Tupamaros – Movimento de Libertação Nacional).
É dona duma rica
experiência política, não apenas por seu êxito eleitoral a partir de 2004 até
hoje, mas pelo imenso arco de alianças que abarca. É uma coalizão de,
atualmente, 21 partidos e movimentos, conseguindo a façanha de juntar
democratas liberais, social-democratas , socialistas, comunistas, cristãos,
anarquistas, gente moderada e pragmática com gente de ideário radical de
esquerda. Uma miscelânea que tem dado bons frutos eleitorais e sociais.
Alfredo Beder, ex-metalúrgico e ex-militante comunista que continua comunista, em Montevidéu (Foto: Jadson Oliveira) |
Quem me deu este número 21 foi um antigo
militante comunista que conheci por acaso num bar, ele nem bebe mas o conheci
num bar. Comunista clássico, tradicional, era metalúrgico e militava no Partido
Comunista do Uruguai (PCU), velho partido criado no início do século 20,
classificado como “linha Moscou”, irmão do nosso Partidão (PCB, o antigo
Pecezão “de Prestes”). A diferença é que o PCU continua sua trajetória, com uma
linha política mais ou menos semelhante e ainda com alguma influência (bem
menor, claro), hoje integrando a Frente Ampla.
Seu nome é Alfredo Beder, de família judia.
Ele me fez uma “palestra” sobre a história da Frente Ampla. Me contou muita
coisa interessante, novidade para mim . Exemplo: os guerrilheiros Tupamaros,
que os sonhadores revolucionários das décadas de 1960 e 1970 tanto admiramos,
já eram considerados derrotados quando o golpe militar instalou a ditadura
uruguaia em 1973.
Sem entrar muito na história, é bastante
lembrar que o ainda presidente (até o próximo dia 28), nosso simpaticíssimo
José “Pepe” Mujica, um dos principais líderes dos Tupamaros, já estava preso
quando a ditadura começou. Veja bem: Mujica ficou preso 14 anos, foi solto logo
que acabou a ditadura, em 1985 – portanto, 12 anos de ditadura militar.
E não foi somente ele, também outros líderes,
como o principal Raúl Sendic (pai do atual vice-presidente eleito, que tem o
mesmo nome), preso no final de 1972, levou um balaço na boca e nunca mais pôde
falar direito. Foi libertado também após a queda da ditadura, participou da
política institucional e morreu em 1989.
Era o tempo da utopia
na ponta do fuzil
Para se entender isso – conforme Alfredo
Beder me relatou – é preciso saber que o Uruguai viveu um período de luta
armada, principalmente guerrilha urbana protagonizada pelos Tupamaros, antes de
se instalar oficialmente a ditadura, desde os finais da década de 1960. (Só
para ficar registrado: os “comunistas clássicos” como Alfredo, e como o
Partidão brasileiro, defendiam a linha de ação pacífica, a luta de massas, eram
contra a luta armada).
Era a fase do sonho revolucionário, da utopia
na ponta do fuzil, sob a inspiração especialmente de Che Guevara e Fidel
Castro, lutadores sociais que realmente conseguiram transformar o sonho em
realidade na pequenina Cuba.
Finais de 1960/início dos anos 1970: foi um
período de luta armada urbana no Uruguai, ainda vivendo, pelo menos
formalmente, em democracia: os Tupamaros contra a repressão oficial (Forças
Armadas, polícia) e contra a repressão não oficial, grupos paramilitares da
direita fascista, esquadrões da morte.
Como houve mais ou menos neste mesmo período
a “Triple A” na Argentina – AAA – Alianza Anticomunista Argentina, atuando
contra os Montoneros. Era aquela fase conturbada dos últimos anos/morte de
Perón, seguindo-se a presidência de sua mulher, Isabelita Perón, fantoche dos
militares que deram o golpe em 1976. (No Brasil, onde já estávamos em plena
ditadura, atuava o CCC – Comando de Caça aos Comunistas).
Voltando ao Uruguai e resumindo: isso foi
“naquela época”, muita água rolou e hoje os uruguaios vivem uma fase política democrática,
sem forte polarização. Para Alfredo Beder, que não milita mais, porém faz
questão de frisar que continua comunista, podemos minimizar pontos de nosso
ideário, mas no essencial continuamos avançando rumo a uma sociedade mais igual,
mais justa para a maioria do povo.
O Uruguai parece respirar realmente ares
políticos e sociais mais moderados, mais arejados democraticamente e
culturalmente – ares mais “civilizados”, como disse numa crônica anterior – em
meio a um clima conflituoso na nossa Pátria Grande.
No Brasil, a
“direitona” arma o bote
No Brasil, depois do “mensalão” e depois de
perder uma apertada disputa eleitoral, a direita – seria mais certo dizer
“direitona”, porque a direita também está no governo federal – maneja o “petrolão”
e arma o bote contra o PT/Dilma/Lula. Sua arma fundamental é o monopólio dos
meios hegemônicos de comunicação, com a ajuda de “agentes” da lei.
Em rápidas pinceladas, mirando apenas nossa
América Latina: na Argentina, a direita ataca – principal arma: grupo de
comunicação Clarín (a Rede Globo argentina) – usando os tais “fundos abutre” e
a morte do promotor Nisman.
Na Venezuela é batalha frontal, com a tática
da guerra econômica, que deu certo no Chile de Allende em 1973, mas que agora
se bate contra bolivarianos devidamente armados, aqui em vários sentidos: com
uma potente mídia contra-hegemônica, com um povo mobilizado e com as Forças
Armadas também bolivarianas.
Sobre a Colômbia, seguem com mil tropeços as
conversações em busca de paz em Havana; sobre Cuba, o recuo do império
estadunidense atenuando o bloqueio criminoso e a busca de novas relações, o que
deixou a direita latino-americana particularmente nervosa, conforme observou o
cientista político argentino Atilio Boron.
No México, “vivos os levaram, vivos os queremos”, segue o grito pungente dos pais e mães dos 43 estudantes normalistas desaparecidos/assassinados...
Comentários