Tabaré, que toma posse como presidente pela segunda vez no próximo dia primeiro, ao anunciar a criação e composição da comissão (Foto: Página/12) |
Tabaré Vázquez, a poucos dias de
assumir seu segundo mandato presidencial: “Não temos que baixar os braços,
temos que seguir trabalhando denodadamente para buscar a informação que falta.
Falta informação, em algum lugar está, temos que buscá-la”.
Por Jadson Oliveira (jornalista/blogueiro) – editor do blog Evidentemente, de 19/02/2015
De Montevidéu
(Uruguai)
- Cobrado duramente pela Comissão Internacional de Juristas (CIJ), entidade que
assessora a ONU em questões de direitos humanos, o governo da Frente Ampla
uruguaia – desde 2006 na presidência - deu sinais de avançar no delicado tema
da investigação e punição dos crimes de lesa humanidade cometidos durante a
ditadura de 1973 a 1985.
O presidente eleito Tabaré Vázquez – será
empossado no próximo dia 1º., em substituição a José “Pepe” Mujica – anunciou
na sexta-feira, dia 13, a criação e composição da Comissão da Verdade e Justiça
para buscar informações, através do depoimento de vítimas, familiares e
testemunhas, sobre os casos de violações dos direitos humanos, em especial sobre
os cerca de 200 desaparecidos/assassinados.
Tendo
ao seu lado o vice-presidente eleito Raúl Sandic (filho do histórico líder dos
Tupamaros com o mesmo nome), Tabaré declarou que a iniciativa “é um compromisso
formal que adquirimos como força política (foi um dos pontos de sua campanha
eleitoral) e também um compromisso pessoal”. E mais: “Não temos que baixar os braços,
temos que seguir trabalhando denodadamente para buscar a informação que falta.
Falta informação, em algum lugar está, temos que buscá-la. E eu tenho uma grande
esperança de que possamos avançar substancialmente neste tema”, disse Tabaré.
Justificou
o tamanho reduzido da comissão, que será oficializada logo que tome posse e ficará
diretamente vinculada à Presidência, como uma forma de dinamizar seu
funcionamento, lembrando que seus integrantes são pessoas ligadas diretamente
ao assunto.
É o caso
de pelo menos três dos membros do grupo: os deputados da Frente Ampla Macarena
Gelman, vítima do Plano Condor e neta restituída (bebê roubado durante a
ditadura e localizado e identificado depois) do poeta argentino Juan Gelman; e
Felipe Michelini, filho do político Zelmar Michelini, assassinado pela ditadura
argentina (1976-1983); e Emilia Carlevaro, que representa a associação de
familiares de desaparecidos e coletivos também perseguidos durante os anos de tirania.
Somam-se
ainda à comissão Mario Cayota em representação da Igreja Católica; o pastor
Ademar Olivera, pela Igreja Metodista; Pedro Schotsky, ex-presidente do Comitê
Central Israelita do Uruguai; e a mãe de santo Susana Andrade, em nome dos afro-descendentes
e da religião umbandista.
Crítica da central sindical
O anúncio
da comissão foi recebido com reservas por uma força política importante dentro
das esquerdas uruguaias, a central única dos trabalhadores, que aqui, ao
contrário do Brasil, é única realmente (no Brasil temos umas seis centrais e
uma delas se chama Central Única dos Trabalhadores – CUT). Tem o nome de
Plenário Intersindical dos Trabalhadores – Convenção Nacional dos Trabalhadores
– PIT–CNT.
É
o caso das declarações do secretário de Direitos Humanos do PIT-CNT, Edgardo
Oyenart, que lançou dúvidas sobre o alcance da comissão e expressou discordância
quanto à sua composição, observando que foi dado peso a entidades sociais que
"claramente não estiveram nas fileiras da luta de todos estes anos por
verdade e justiça", conforme publicou a imprensa local.
Entre
os olhares críticos foi externado o temor de que o grupo criado agora possa vir
a ser o “enterro de luxo” para o delicado tema, lembrando a Comissão para a
Paz, criada pelo então presidente Jorge Batlle (período 2000-2005 - antes,
portanto, da chegada da Frente Ampla à Presidência), que não resultou em
avanços nas investigações.
CIJ denuncia impunidade
A criação
da comissão chega poucos dias depois de conhecida a dura cobrança da Comissão
Internacional de Juristas: num informe contundente, a CIJ acusa a Presidência,
sua bancada majoritária (frenteamplista) do Congresso e também a Corte Suprema de
Justiça de “consolidar um estado de impunidade para as atrocidades cometidas no
passado recente”, conforme matéria do semanário uruguaio de esquerda Brecha
(edição de 23 de janeiro último).
O certo é
que os governos da Frente Ampla e o Poder Judiciário ainda não conseguiram
vencer o chamado “pacto de silêncio” entre os militares e estão capengando
neste quesito da luta democrática e pelos direitos humanos. É bastante lembrar
que apenas duas dezenas de criminosos, a maioria militares, receberam
condenações até hoje – o informe da CIJ fala dum “punhado” de condenados.
Isto apesar
de ter sido derrubada a parte essencial da legislação que protegia os
repressores/torturadores (Lei de Caducidade, de 1985), através da decisão do
Parlamento, com os votos majoritários da Frente Ampla, declarando que os crimes
de lesa humanidade são imprescritíveis. Decisão que foi chancelada pela Corte
Suprema. Enquanto isso, alguns poucos corpos de vítimas foram localizados e
perto de 200 processos seguem os trâmites judiciais com mil e um tropeços.
(Situação
que, por ruim que seja, é bem melhor do que a do Brasil, onde a vigência da Lei
de Anistia – de auto-anistia – foi confirmada na última decisão a respeito pelo
Supremo Tribunal Federal e, até hoje, não há um único torturador condenado, mesmo
tendo acabado de passar por uma Comissão Nacional da Verdade – só Verdade, Justiça
não).
De
qualquer forma, há de se levar em conta também que em duas consultas
plebiscitárias – em 1989 e em 2009, quando da eleição de Mujica –, a maioria
dos eleitores uruguaios tinha se pronunciado pela manutenção da Lei de
Caducidade. Ou seja, a maioria prefere não futucar as chagas da ditadura.
Muitas das informações estão
baseadas em matérias dos jornais El País,
Brecha (uruguaios) e Página/12 (argentino).
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