Confraternizando no Bar Monteverde nas despedidas de Montevidéu |
Achava aquilo uma
coisa esquizofrênica, fumar escondido! Até o dia em que descobri que gozava da
companhia de Ivan de Carvalho. Fiquei deslumbrado.
Por Jadson Oliveira (jornalista/blogueiro) – editor do blog Evidentemente – escrito há vários dias
e publicado em 28/02/2015
Ainda de Montevidéu
(Uruguai)
- Você poderia estar numa rua lá na Cidade da Espanha, em Trinidad e Tobago, no
Caribe, ou no bar Tuxpan, em Havana, ou na Aclimação, ali em São Paulo, ou no
fim de linha de Brotas, em “Salvador de Bahia”, ou ainda em Salvador na esquina
do antigo Café das Meninas, pertinho da Câmara de Vereadores, na Rua do Tira
Chapéu, ou aqui mesmo em Montevidéu, no bar Monteverde, ou na Esquina de la
Milanesa, não há diferença, você pode fumar um cigarro escondido. É uma
aventura, uma gostosa aventura.
Eu fumava escondido quando estava lutando pra
deixar o vício, mas nunca tinha confessado a ninguém. Até o dia em que falei
com Ivan de Carvalho, um velho companheiro de redação da Tribuna da Bahia, um
direitista convicto, eu poderia chamá-lo um dos meus direitistas prediletos.
Não era direitista por oportunismo, por picaretagem, mas por convicção mesmo.
Não é fácil pra um esquerdista como eu
admitir que alguém possa ser direitista por convicção, desinteressadamente. Mas
acabei me convencendo e, por isso, admirando-o. Ivan de Carvalho acreditava realmente
que as teses de direita – hoje diríamos neoliberais – eram as apropriadas ao
país, para o bem do Brasil, para o bem do povo brasileiro.
Com meu amigo montevideano Alfredo, velho comunista que tem "escritório" ("oficina") no bar, mas não bebe |
Daniel, do Bar Nuevo Polvorin, me serve a "empanada" que elegi "a mais 'rica' da capital uruguaia" |
Para mim era inacreditável, mas é verdade, me
convenci com o passar do tempo. Quando a Câmara dos Deputados, sob a
presidência de Luis Eduardo Magalhães, aprovou uma série de modificações na
Constituição de 1988, na área de Economia, retirando poder do Estado e
transferindo poder do Estado para o “mercado”, no auge do neoliberalismo
entreguista que marcou a época do presidente FHC, Ivan de Carvalho me leu um
telegrama que ele enviou ao Luis Eduardo parabenizando-o e exaltando as
“conquistas”.
Ele era amigo do Luis Eduardo. Não sei se
“amigo” é um termo adequado para o caso, porque Ivan de Carvalho era uma pessoa
simples, vivia modestamente, enquanto Luis Eduardo era um “príncipe”.
Na época da ditadura militar – ou ditadura
civil-militar como se diz hoje –, década de 1970, tempos de terror e medo, Ivan
de Carvalho defendia as posições políticas de direita na velha redação da
Tribuna da Bahia, isoladamente, heroicamente, contra tudo e contra todos,
repito, por convicção, não era por picaretagem.
Me enredei por aí e me alonguei em demasia (a
política não me sai da mente), mas o que eu queria dizer mesmo era que Ivan de
Carvalho me confessou uma vez que também fumava escondido. Fiquei deslumbrado:
então não era somente eu que fumava escondido!
Chegava ali na esquina do antigo Café das
Meninas, na Rua do Tira Chapéu, junto da Câmara de Vereadores de Salvador,
comprava um cigarro a retalho, pedia um cafezinho (lembro até hoje da cara do
garçon) e depois fumava, ah que delícia! Olhava para os lados, que nenhum
conhecido, pelo amor de Deus, me veja fumando escondido.
Achava aquilo uma coisa esquizofrênica, fumar
escondido! Até o dia em que descobri que gozava da companhia de Ivan de
Carvalho, meu velho parceiro de tão velhaco e inverossímil hábito!
Comentários
Por meu apego às coisas da política e às posições de esquerda, tenho o hábito (muitos consideram um defeito) de ver as pessoas por suas convicções políticas e ideológicas. Com Ivan não poderia ser diferente, ainda mais se tratando de um entranhado direitista (convicto e honesto). Sempre tive vontade de falar dele, sobretudo depois de sua morte, até que me apareceu uma oportunidade, talvez um pouco estranha.
Creio que as pessoas que convivemos com ele acabamos, de alguma maneira, gostando dele (e olhe que para mim não é fácil gostar dum direitista).
Se eu não fosse ateu, diria de bom grado: que o céu o tenha! Beijo.