ATILIO BORON: CUBA E A INTERNET. QUEM BLOQUEIA A QUEM?



Rede de cabos submarinos de telecomunicações e Internet: México, América Central e o Caribe conectados, com exceção de Cuba, só enlaçada fisicamente pelo cabo que parte da Venezuela (Foto e legenda: blog Atilio Boron)
Texto reproduzido do site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU), de 06/02/2015

“Por isso, a acessibilidade irrestrita à rede continua tropeçando nos grilhões do embargo. A 'ciberguerra' que Washington declarou a Cuba, um país que continua a estar escandalosamente na lista dos 'patrocinadores do terrorismo', segue seu curso. Cumprirá Obama desta vez sua promessa? Quem é que 'proíbe' o acesso à internet em Cuba?” 

A análise é do cientista político argentino Atilio Boron e publicada no seu blog em 04-02-2015. A tradução é de André Langer. Fonte: http://bit.ly/1KjCuUM

Eis o artigo.

O nervosismo que se apoderou da direita latino-americana com a “normalização” das relações entre Estados Unidos e Cuba desatou uma série de manifestações que assombra pela impunidade com que se desfigura a realidade. Um exemplo é oferecido pela coluna de Andrés Oppenheimer no jornal argentino La Nación da terça-feira, 02 de fevereiro, cujo título diz tudo: “A chave da liberdade em Cuba é o acesso à internet”. O articulista, conhecido por seu visceral rechaço a qualquer obra da Revolução Cubana, se pergunta se “o regime cubano aceitará a ajuda estadunidense para expandir o acesso à internet”. Pouco mais adiante recorda que em seu discurso de 17 de dezembro de 2014 Obama disse que “Washington eliminará várias regulações que impediam as empresas estadunidenses de exportar telefones inteligentes, software de internet e outros equipamentos de telecomunicações, mas a julgar pelo que me dizem vários visitantes que acabam de retornar à ilha, há boas razões para ser cético de que o regime cubano o permita”. O arremate do seu artigo é antológico: “Washington deveria centrar-se na internet. E se Cuba não quiser falar do tema, os Estados Unidos e os países latino-americanos deveriam denunciar o regime cubano pelo que é: uma ditadura militar a quem já acabaram as desculpas para continuar proibindo o acesso à internet na ilha”.



 
Prefiro não perder tempo em rebater a inaudita caracterização de Cuba como uma ditadura militar, que, em um exame de Introdução à Ciência Política, mereceria a fulminante suspensão do estudante que ousasse manifestar uma ocorrência (que não é o mesmo que uma ideia, mais respeito com Hegel, por favor!) desse tipo. Oppenheimer não é um dos energúmenos que pululam na televisão norte-americana, violadores em série das mais elementares normas do ofício jornalístico. Mas o nervosismo e o desespero que se apoderaram dos grupos anticastristas de Miami – cada vez mais reduzidos e desprestigiados – devem tê-lo contagiado e animado a escrever uma nota plena de falsidades. Limitar-me-ei a assinalar três.

Primeira falsidade. Não se pode ignorar que a causa do embargo a Cuba entrou parcial e tardiamente no ciberespaço, e quando se deu a vertiginosa expansão da banda larga e da internet, a Casa Branca pressionou brutalmente aqueles que ofereciam esses serviços à ilha para que fossem interrompidos imediatamente, ordem que, evidentemente, não pode ser desobedecida pelos pequenos países da bacia do Caribe. Por isso, até a chegada do cabo submarino procedente da Venezuela, há pouco mais de um ano, a conexão da internet em Cuba se fazia exclusivamente por satélite. Agora existe a ligação física, mas infelizmente o grosso do crescente tráfego cubano ainda deve transitar pelas lentas e caríssimas conexões satelitais, e com uma banda larga absolutamente insuficiente. Problemas que não se devem a uma decisão de Havana, mas à obstinação de Washington.

Segunda. Antes de perguntar se Havana aceitará a ajuda prometida pelo Obama conviria que Oppenheimer averiguasse se Washington aceitaria acabar com o cerco informático disposto contra Cuba. Seu argumento parece ter saído de uma música para crianças de Maria Elena Walsh: “O reino do contrário”. Não foi Cuba quem, diante do advento da revolução das comunicações, decidiu fazer um haraquiri informático, mas foi o império que, consciente da importância dessas novas tecnologias, estendeu os alcances do seu criminoso embargo para incluir também a internet. Qualquer um que tenha visitado esse país sabe que não é possível acessar muitos sítios da rede nem dispor dos principais instrumentos de navegação no ciberespaço. Caso o tentar, quase invariavelmente aparecerá uma fatídica mensagem de “Erro 403” dizendo algo como “Do lugar em que se encontra não poderá acessar esse URL”, ou outra mais eloquente: “No país em que se encontra está proibido acessar esta página”. Não é possível utilizar o Skype, o Google Earth ou as plataformas de desenvolvimento colaborativo Google Code e Source Force, ou descarregar livremente as aplicações do Android. E quando é possível, a banda larga é tão devagar que torna praticamente impossível trabalhar com um mínimo de rapidez e eficiência. Tudo isto, por culpa do governo cubano? Em meados do ano passado, o CEO do Google, Eric Schmidt, liderou uma delegação que visitou Cuba como resposta às acusações de que o gigante informático bloqueava o acesso aos seus serviços. Depois de comprovar que vários produtos do Google não estavam disponíveis, Schmidt assinalou obliquamente o responsável ao dizer que “as sanções estadunidenses contra Cuba desafiavam a razão”.

Terceira. Possivelmente Oppenheimer tem razão em seu ceticismo, mas não por causa de Cuba, mas dos Estados Unidos. Porque, como esquecer que no começo do seu primeiro mandato Obama já havia prometido o que voltou a prometer há pouco mais de um mês: “suavizar” algumas sanções contempladas para as empresas informáticas que tenham negócios com Cuba? O que foi que aconteceu? Pouco e nada. Oxalá, agora seja diferente. A Lei Torricelli, de 1992, permitiu a conexão à internet pela via satelital, mas com uma decisiva restrição: que cada serviço fosse contratado a empresas norte-americanas ou suas subsidiárias com prévia aprovação do Departamento do Tesouro. Este impôs limites estritos e estabeleceu sanções extraordinárias – por exemplo, multas de 50.000 dólares para cada violação – para quem favorecesse, dentro ou fora dos Estados Unidos, o acesso dos cubanos à rede. O que Obama fez, em março de 2010, foi eliminar algumas destas sanções, especialmente para as empresas que facilitarem gratuitamente aplicações de correio eletrônico, chat e similares. Mesmo assim, em 2012, a sucursal no Panamá da companhia Ericsson teve que pagar uma multa de quase dois milhões de dólares ao Departamento de Comércio dos Estados Unidos por violar as restrições de exportação de equipamentos de comunicação a Cuba. Como sempre: uma pá de cal, outra de areia.

Por isso, a acessibilidade irrestrita à rede continua tropeçando nos grilhões do embargo. A “ciberguerra” que Washington declarou a Cuba, um país que continua a estar escandalosamente na lista dos “patrocinadores do terrorismo”, segue seu curso. Cumprirá Obama desta vez sua promessa? Quem é que “proíbe” o acesso à internet em Cuba?

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