Raúl Zaffaroni (Foto: Pablo Piovano/Página/12) |
“Há uma parte do
Poder Judiciário (na Argentina) que está alinhada claramente com um partido, e quando falo de
partido quero dizer Clarín” (pensando no Brasil, leia-se Rede Globo).
"Não
há democracia se o povo não tem pluralidade de fontes de informação".
Por Jadson Oliveira, jornalista/blogueiro –
editor do blog Evidentemente, de
03/01/2015
A matéria de
capa de hoje (sábado, dia 3) da edição impressa do jornal argentino Página/12, muito conhecido aqui dos
leitores deste blog Evidentemente, é
uma entrevista com o juiz Raúl Zaffaroni, que acaba de se aposentar da Corte
Suprema de Justiça (o equivalente ao nosso Supremo Tribunal Federal – STF). A
autora da matéria, Irina Hauser, o
apresenta como uma pessoa bem humorada, de hábitos simples e informais. Foi
designado para a Corte pelo então presidente Néstor Kirchner.
(Está claro
que todas as informações que reproduzo aqui são “chupadas” da entrevista. O
título que uso acima é a tradução literal da manchete de capa. O título usado
pelo diário na edição das páginas internas destaca o desprestígio que tal
situação resulta para o Poder Judiciário).
Dentre
outros assuntos, ele fala desassombradamente do terrorismo midiático, ou seja,
da ditadura que a mídia hegemônica exerce sobre a sociedade, impondo as versões
afinadas com a direita – sua visão de mundo, seus valores -, e com os
interesses das oligarquias de cada país, por sua vez embicadas com os
interesses do império estadunidense e suas grandes corporações transnacionais.
No caso
aqui, centrando os olhos na América Latina. E chamando mais a atenção para a influência
da televisão – do grupo Clarín que monopoliza as comunicações entre nossos
hermanos argentinos. Quando se lê Clarín referindo-se à Argentina, leia-se Rede
Globo pensando no Brasil. Os efeitos nefastos para o movimento democrático e
popular são os mesmos.
Resumindo os
temas da entrevista, Irina Hauser
diz que Zaffaroni fala do “terrorismo midiático”, diz que a independência da
Justiça não existe, defende a reforma processual, pede uma Corte Suprema ampliada
(na Argentina esta Corte superior tem apenas quatro ou cinco membros, no caso
do Brasil o STF tem 11 membros), diz que Clarín é o partido que quer governar,
partido com o qual uma parte dos juízes está afinada.
Daí que são
“juízes em guerra contra o governo (de Cristina Fernández de Kirchner) por
causa do medo de perder poder”. E vaticina que a única coisa que vão de fato
perder é o prestígio como juízes. (Alerto que ele fala muito voltado para o
Direito Penal, que deve ser sua especialidade, já que a matéria menciona a
perda que sofrerá a Corte com a saída de um “penalista” – no Brasil se diz
criminalista).
Traduzo uma
pequena parte da entrevista, justamente a que se refere ao “terrorismo
midiático”, que é a que mais interessa à linha editorial deste meu blog Evidentemente (às vezes acrescento algo
entre parênteses, tentando clarear mais, especialmente me referindo a coisas do
Brasil):
“Aqui e em
toda a região (América Latina) há um terrorismo dos meios de comunicação que
está empenhado em montar um aparato repressivo forte, que corresponde aos
interesses transnacionais, que querem impor uma sociedade trinta/setenta (dos
anos 1930 e 1970), uma sociedade excludente. Numa sociedade excludente, 70%
dela temos que controlar e ideologicamente acreditam que vão controlar. Salvo
em alguns países onde já não é necessário porque se controla matando-se entre
eles de forma massiva, como no México.
–Ou seja,
(o senhor diz) que a maioria da nossa Corte cedeu diante desse terrorismo?
–Têm
medo. Se assustaram. Eu não posso fazer entender estas coisas a um civilista.
–Como se
contrapõe a má imprensa que tem o garantismo (a má imagem que a imprensa constrói
contra uma visão garantista da Justiça, garantir os direitos das pessoas mais
carentes)?
–Eu diria
a má televisão que tem o garantismo, o que mais conta é a televisão, que é
manejada emocionalmente. Porém o fundamental na América Latina é que se não
superarmos o monopólio dos meios (de comunicação), não vamos sair do poço em
que estamos. Porque sem uma pluralidade de meios (de comunicação) não há
informação suficiente, e o monopólio ou oligopólio de meios é análogo aos
autoritarismos de meados do século passado. Na América Latina, neste genocídio
por conta-gotas que estamos vivendo, o equivalente aos judeus da Shoá são os jovens
de nossos bairros precários (no Brasil chamamos favelas, na Argentina chamam
“vilas miséria”), que estão morrendo aos milhares. E na Televisa (México), Rede
Globo (Brasil), TV Azteca (também México), tudo isso é minimizado. Ou se diz
que o ocorrido em Guerrero (o estado mexicano onde foram desaparecidos 43 estudantes)
é um fato pontual, de um município, ou se diz que a violência não piora, porque
chegamos “a la meseta” (seria "a um piso", “a um determinado patamar”? não sei bem como traduzir).
–“Superar
o monopólio dos meios (de comunicação)”, dizia, mas não se consegue aplicar a “ley
de medios” que traça esse caminho, avalizada pela Corte no ano passado. (Repare
que a “ley de medios”, a famosa lei de democratização da mídia na Argentina,
foi aprovada pelo Congresso em 2009 e só agora, depois de mil e uma peripécias
na Justiça, é que o governo está avançando na sua aplicação, ainda com todas as
artimanhas do grupo Clarín, contando sempre com a ajuda da Justiça).
–O que
temos que fazer na região é elevar a proibição dos monopólios audiovisuais à
norma constitucional. Se não, não saímos disto. Se reforma a Constituição um dia
e se aplica. Não há democracia se o povo não tem pluralidade de fontes de
informação. Mesmo que haja uma sentença da Corte (é o caso da Argentina,
decisão que só saiu em meados de 2014), a estratégia é que não se consiga
aplicar, diante de cada passo entram com uma ação judicial.
Observação do Evidentemente:
No Brasil, há norma
constitucional, porém não se regulamenta e não se aplica
Muito
exemplar para o Brasil: o entrevistado diz que a solução no caso da América
Latina “é elevar a proibição dos monopólios audiovisuais à norma
constitucional. Se não, não saímos disto. Se reforma a Constituição um dia e se
aplica”.
Infelizmente
– é um vasto tema para discussão, especialmente agora quando a presidenta
Dilma, iniciando o segundo mandato, depois de mil e uma hesitações, parece que
finalmente se dispõe a PELO MENOS discutir o tema, mas – diz ela – ainda no
segundo semestre.
Infelizmente,
dizia eu, doutor Zaffaroni, no Brasil a proibição dos monopólios na mídia já é
norma constitucional desde nossa Carta de 1988. E até agora, nada, não se
regulamenta, não se aplica, porque a Rede Globo e seus iguais (embora bem
menores) não querem.
E, claro,
o movimento democrático, popular e de esquerda, juntamente com o governo tido
como progressista, ainda não teve força, disposição e coragem para tocar esta
agenda (agenda mínima para uma democracia que se faça respeitável).
Quem quiser ler toda a
entrevista, em espanhol, no Página/12, clique aqui:
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