(Foto: Página/12) |
Entrevista com Michael Steven Smith,
coautor de Quem matou Che? Ele é advogado de Nova Iorque e integra o Centro
para os Direitos Constitucionais, uma organização sem fins lucrativos que atua
a favor dos direitos humanos.
“Todas as terças-feiras o líder da CIA se encontra com o presidente (Barack) Obama na Casa Branca e avaliam uma lista de pessoas que eles consideram que devem assassinar. Esses encontros são conhecidos como ‘as terças-feiras do terror’”.
Por Silvina Friera, no jornal argentino Página/12, edição impressa de 14/10/2014 (a matéria neste blog está
dividida em duas partes; a primeira foi postada na quarta-feira, dia 7)
Continuação:
–Como explica que o governo dos Estados Unidos nunca admitiu publicamente que havia assassinado Che?
–O pretexto que utilizava era que aos olhos da opinião pública deviam ter as mãos limpas e nenhum tipo de responsabilidade. Não queria que fosse conhecido como um governo que praticava e executava assassinatos. Quando a CIA se estabeleceu pela primeira vez em 1947, sua missão era proporcionar serviços de inteligência ao presidente. No ano seguinte, se converteu numa organização paramilitar que passava por cima da lei, mas tinha que fazê-lo em sigilo. Desenvolveram um conceito que eles chamavam “negação plausível”, um termo orwelliano. O Comitê Church, que tentava investigar os assassinatos cometidos pela CIA, perguntou a Richards Helms, que foi líder da CIA, se alguma vez disseram ao presidente o que faziam. E Helms respondeu que não, que nunca, que não queriam colocar o presidente numa situação embaraçosa. Um crime de guerra, como foi o crime de Che, não prescreve. Diferentemente de outros atos ilegais, não há limite no tempo em que um assassino possa ser julgado; baseado na lei o assassino não é o único responsável. Também são responsáveis as pessoas que ordenaram o assassinato de Che e as pessoas que o encobriram. Se se cumprisse a lei nos Estados Unidos, Gustavo Villoldo e Félix Rodríguez seriam processados, julgados e se fossem declarados culpados, estariam na prisão. A CIA mantinha em segredo os assassinatos. Agora justamente não é o caso.
“No contexto histórico de fins da década de 1960, o assassinato de Che era o grande alvo da CIA”, afirma Michael Steven Smith (Foto: Dafne Gentinetta/Página/12) |
–Abertamente a CIA afirma que assassina pessoas que eles denominam “terroristas”. Às vezes usam aviões não tripulados para cometer esses assassinatos; há jovens que manejam esses aviões com controle remoto numa base que está nas cercanias de Las Vegas, jovens que são muito bons com os videogames. Todas as terças-feiras o líder da CIA se encontra com o presidente (Barack) Obama na Casa Branca e avaliam uma lista de pessoas que eles consideram que devem assassinar. Existem uns cartões com o nome de cada pessoa, fotografias e uma pequena biografia. Esses encontros são conhecidos como “as terças-feiras do terror”. Minha organização, o Centro para os Direitos Constitucionais, iniciou um processo em nome de Anwar al Awlaki, cujo filho adolescente, cidadão estadunidense de origem muçulmana, estava entre os alvos da CIA, mas até então não o haviam encontrado. Iniciamos um processo para limitar a ação da CIA e visando que não matasse o filho, o juiz não entendeu esta causa e a CIA assassinou o filho. Isto mostra como os Estados Unidos chegaram tão longe na violação do império da lei.
–Em que sentido acredita que Che continua sendo uma inspiração?
–Che permanece vivo nas novas políticas de independência e solidariedade da América Latina. O exemplo mais recente ocorreu em Genebra quando o chanceler (argentino) Héctor Timerman pronunciou um discurso no Conselho de Direitos Humanos da ONU, no qual condenou os Estados Unidos por sua atividade predatória quanto aos fundos abutres. Neste Conselho, 30 dos 35 países respaldaram a Argentina. O chanceler Timerman disse que é um assunto de direitos humanos porque os fundos abutres estão atentando contra as escolas e os hospitais, que estão criando instabilidade e violência. Os representantes estadunidenses disseram que os direitos humanos nâo têm nada a ver com a dívida soberana. Tenho uma história muito curiosa para ilustrar a arrogância estadunidense. A CIA seguiu Che desde que se encontrava na Guatemala, antes da Revolução Cubana. Quando abriram o expediente (arquivo, anotações) que se converteu no maior da história da CIA, o seguiram do México a Cuba e até a Bolívia. Quando estava na Sierra Maestra em 1956, a CIA infiltrou um agente no acampamento de Che que dormiu na mesma barraca onde Che dormiu, e o observou durante uma semana. Temos o documento que escreveu para a CIA. Ele informou que Che tinha mal cheiro, que fumava charutos e que todas as noites lia livros de literatura para seus homens e que parecia “bastante inteligente para ser latino...”
–É difícil para o senhor defender os direitos humanos nos Estados Unidos quando os sucessivos governos de seu país têm violado sistematicamente os direitos humanos?
–Sim, é muito difícil. Desde o 11 de setembro (de 2001), o império da lei tem estado subordinado às ordens do presidente como chefe do exército. Estabeleceram uma área sem nenhum tipo de legislação em Guantânamo, onde os homens que estão ali ainda não foram acusados de nenhum crime nem tampouco foram submetidos a qualquer tipo de julgamento. Todos os processos que o Centro para os Direitos Constitucionais iniciou para restaurar o império da lei foram perdidos. A ironia é que os Estados Unidos continuam utilizando a premissa dos direitos humanos e se apresentam como o único país do mundo que defende os direitos humanos, mesmo que constantemente os está violando. O presidente Obama está imerso na sétima guerra em seis anos e nenhuma delas foi votada pelo Congresso estadunidense, com a possível exceção da guerra contra o Afeganistão. Mas as coisas estão mudando...
–O que é que está mudando?
–A teoria de que o capitalismo é o único sistema que pode proporcionar uma melhor qualidade de vida e que é o único compatível com a democracia não é verdadeira e cada vez mais pessoas estão se dando conta disto. A última prova é uma pesquisa de opinião pública, realizada há três anos por Pew (Pew Research Center), que revelou que 49% dos jovens menores de 30 anos têm uma reação favorável à palavra socialismo. Estão começando a entender que o capitalismo não funciona para eles. Que funciona para 1% da população mais rica, mas não para o restante.
Tradução: Jadson Oliveira
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