(Foto: Página/12) |
Entrevista com Michael Steven Smith,
coautor de Quem matou Che? Ele é advogado de Nova Iorque e integra o Centro
para os Direitos Constitucionais, uma organização sem fins lucrativos que atua
a favor dos direitos humanos.
Por Silvina Friera, no jornal argentino Página/12, edição impressa de 14/10/2014 (a matéria neste blog está
dividida em duas partes)
A batalha continua
contra a manipulação da informação, a ocultação e a falsificação. “As mãos
limpas”, agora se pode comprovar com a abundante documentação apresentada no
livro Quem matou Che? (editora Paidós), de Michael Ratner e Michael Steven
Smith, estão manchadas de sangue. “Quem controla o passado controla o futuro.
Quem controla o presente controla o passado”. Esta frase de George Orwell
ilustra a prática da “negação plausível”, uma forma de sistematizar a mentira à
qual apelou a CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA) para se desvincular
do assassinato de Che Guevara na Bolívia, em 9 de outubro de 1967. A versão
inicial de sua morte, tal como a apresentaram os militares bolivianos, foi que
havia sido morto em meio à batalha. Depois se soube que havia caído prisioneiro
e havia sido fuzilado. O presidente Lyndon Johnson afirmou que a ordem de matá-lo
havia sido emitida pelo alto comando do governo boliviano e não pelos Estados Unidos.
Smith, advogado de Nova Iorque que integra o Centro para os Direitos
Constitucionais, uma organização sem fins lucrativos que atua a favor dos direitos
humanos, afirma que “os documentos incluídos no livro mostram que o governo
estadunidense deu a ordem direta de assassinar Che”.
Faz muitos anos, Ratner, advogado especializado em direitos humanos e ex-presidente do Centro para os Direitos Constitucionais, solicitou ao governo estadunidense, com base na Lei da Liberdade de Informação, todos os documentos existentes sobre Che Guevara no FBI, na CIA, no Departamento de Defesa e na Casa Branca. Depois de alguns anos recebeu uma caixa enorme do FBI. Smith e Ratner leram juntos todo esse material e em 1997 publicaram El Che Guevara y el FBI: o expediente (a ficha, anotações) da polícia política estadunidense sobre o revolucionário latino-americano. “Quando menos esperávamos, depois de 10 anos, chegou outra vez uma enorme caixa com mais documentos da CIA, da Casa Branca e do Departamento de Defesa – conta Smith a Página/12. Pudemos comprovar que Che foi assassinado pela CIA com a colaboração de seu Estado cliente da Bolívia, a ditadura militar de René Barrientos. Na década de 1960, os líderes do exército boliviano haviam sido treinados na Escola das Américas, no Panamá, sarcasticamente conhecida como ‘a escola dos golpes’”.
“No contexto histórico de fins da década de 1960, o assassinato de Che era o grande alvo da CIA”, afirma Michael Steven Smith (Foto: Dafne Gentinetta/Página/12) |
–Qual é o preço que pagaram aqueles países da América Latina que tentaram resistir às políticas dos Estados Unidos?
–Na Bolívia, em 1964, o governo democrático de Víctor Paz Estenssoro foi derrubado pelo golpe de René Barrientos; em seguida sofreram golpes o Brasil, Uruguai, Chile e finalmente a Argentina em 1976. O governo cubano tentou defender-se ao ampliar a Revolução Cubana. Isso é o que estava fazendo Che na Bolívia. Como os guerrilheiros na Sierra Maestra puderam derrotar a ditadura de (Fulgencio) Batista, respaldada pelos Estados Unidos, Che pensou que a Cordilheira dos Andes seria a Sierra Maestra da Bolívia e que a revolução se disseminaria pelo Chile, Argentina e assim sucessivamente. Che escolheu a Bolívia porque era o governo mais instável da América Latina, com um exército muito débil que não tinha serviço de inteligência. A CIA o estava procurando até que em maio de 1967, quando souberam onde ele estava, um agente da CIA, Gustavo Villoldo, voou a La Paz, onde se encontrou com Barrientos e lhe disse: “Quando pegarem Che, queremos que o matem”. Barrientos deu sua palavra: “Quando o capturemos, vamos executá-lo”. No contexto histórico de fins da década de 1960, o assassinato de Che era o grande alvo da CIA.
–Por que?
–Os Estados Unidos participaram dos assassinatos ou tentativas de assassinatos de Kim Koo, líder coreano da oposição; Sukarno, presidente da Indonésia; Gamal Abdel Nasser, presidente do Egito (1957); José Figueres, presidente da Costa Rica (nos anos 1950 e 1960); Patrice Lumumba, primeiro ministro do Congo, dentre outros. Também tentaram assassinar Che Guevara anteriormente e obviamente Fidel Castro. Em 1962, a CIA acertou com Johnny Rosselli, um dos líderes da máfia de Chicago, envenenar Che. Deram pílulas de veneno a um contrarrevolucionário cubano que estava em Miami, mas o intento falhou. A Félix Rodríguez, um dos agentes da CIA que foi entrevistado pelo Congresso estadunidense, foi feita a seguinte pergunta: “É verdade que tentou assassinar Fidel Castro com um cigarro explosivo?”. Rodríguez respondeu: “Não, tentei matar esse filho da puta com um rifle de alto calibre”. Quando souberam que Che estava na Bolívia, não somente Gustavo Villoldo se reuniu com Barrientos, mas também uma quantidade de oficiais de alta patente viajou à Bolívia para acertar um treinamento para os militares bolivianos, na verdade firmaram um documento chamado “Memorando de entendimento”, que está incluído no livro. O contrato requeria que a Bolívia proporcionasse um lugar para treinar os soldados e os Estados Unidos teriam que fazer o resto. Viajaram para Bolívia 19 boinas verdes com experiência em contrainsurgência no Vietnã para treinar o 2º Batalhão de Rangers do Exército Boliviano, que foi o batalhão responsável por cercar e capturar Che há 47 anos. Rodríguez se regozija de haver dito que foi ele quem encontrou Che. Ele e Gustavo Villoldo se vestiram com uniformes do exército boliviano e estiveram na busca de Che juntamente com os soldados bolivianos. Quando Che foi ferido e desarmado, foi levado a uma pequena escola no povoado de La Higuera. Rodríguez tentou interrogá-lo, mas Che se recusou. No dia seguinte, a promessa que Barrientos havia feito a Villoldo foi executada. (Continua)
Tradução: Jadson Oliveira
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