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Os governos do Brasil, Chile e Peru são desarmados:
não têm poder de mobilização popular, não regularam a mídia e não construíram
uma mídia contra-hegemônica. Centrando o olhar no Brasil: o
governo vive permanentemente acuado, à mercê da agenda imposta e conduzida pela
TV Globo, jornalões e revistas, a serviço das forças de direita.
Por Jadson
Oliveira, jornalista/blogueiro – editor do blog Evidentemente
(artigo publicado em 19/01/2015)
De Salvador (Bahia) - O
“armados” e “desarmados” aí no título não tem nada a ver com fuzil,
metralhadora, míssil e etc, mas tem tudo a ver com uma arma moderna muito letal
na guerra chamada de quarta geração: a informação, a desinformação, a
contra-informação para construir a hegemonia no pensar e no sentir.
Comecei a pensar nisso
quando li, num dia desses, no site Brasil 247, uma matéria com o título
“Como e porque a esquerda tomou a América Latina”. Foi logo encima da vitória
da Frente Ampla na última eleição no Uruguai. É um primor de simplificação e
exagerado otimismo, do ponto de vista nosso, da esquerda.
A matéria alinhava na
esquerda os governos, considerados progressistas, de oito países: além do
Uruguai, eram incluídos Argentina, Brasil, Bolívia, Venezuela, Equador, Chile e
Peru (às vezes a gente fala “América Latina” quando na verdade estamos falando
apenas da América do Sul, é o caso. Ficam de fora, portanto, Colômbia e
Paraguai, com governos claramente de direita; e os três lá encima no mapa:
Guiana e Suriname, sobre os quais geralmente nada sabemos, e Guiana Francesa,
que ainda é colônia).
Ora, alinhar os oito governos
citados como progressistas já é forçar a barra, citá-los como de esquerda é
dose pra leão, mesmo mencionando as naturais diferenças e/ou as supostas
diferenças, como a matéria faz. Aliás, na imprensa brasileira, inclusive na
blogosfera progressista, na qual modestamente insiro este blog Evidentemente,
acredito que o conceito de esquerda é muito impreciso. Para exemplificar com o
governo brasileiro: não seria mais preciso defini-lo, no espectro
político-ideológico, como de centro-esquerda (com elásticas alianças ao centro
e à direita que se estendem até a ultra-direita)?
Talvez possamos, didática
e simplificadamente, ainda dentro duma visão tradicional da esquerda, ortodoxa,
tentar um tipo de classificação desses oito governos, passando ao largo da
realidade da economia – ou seja, deixando de fora um aspecto fundamental -, que
se mantém nos marcos do capitalismo, alguns majoritariamente, outros
totalmente.
Então – vamos em frente
no “talvez” -, talvez possamos classificar os governos da Venezuela, Bolívia e
Equador como de esquerda, porque abraçam, assim ou assado, a luta pela
construção do Poder Popular, do socialismo, a luta anti-capitalista. Os do
Brasil, Argentina, Uruguai e Chile podem ser arrolados como de centro-esquerda.
No caso do governo do Peru, creio que o mais correto é considerá-lo de centro
ou centro-direita, embora tenha sido eleito com um programa de centro-esquerda.
Vejamos os armados e os desarmados
Mas o que eu queria
realmente com este artigo era sair desta visão tradicional da esquerda e propor
uma classificação inovadora, como dou a entender no título: governos armados e
governos desarmados. Devido à visão que venho desenvolvendo nesses últimos oito
anos de viagens e acompanhamento (inclusive via Internet) da política na América
Latina, o que tento refletir neste meu blog.
Vamos lá: dentre os oito
aqui na berlinda, quais seriam os governos armados? Os da Argentina, Venezuela,
Bolívia e Equador. Por que? Porque conseguem atuar em conjunto com a
mobilização e participação popular e avançaram na regulação dos meios de
comunicação e na construção de uma mídia contra-hegemônica.
Já os governos do Brasil,
Chile e Peru são desarmados: não têm poder de mobilização popular, não
regularam a mídia e não construíram uma mídia contra-hegemônica. Centrando o
olhar no Brasil: o governo vive permanentemente acuado, à mercê da agenda
imposta e conduzida pela TV Globo, jornalões e revistas, a serviço das forças
de direita, dos interesses anti-nacionais e anti-populares. E não é apenas a
agenda política propriamente dita. Trata-se de uma hegemonia esmagadora na
linguagem, nos costumes, no entretenimento, nos temas culturais em geral. O
governo e as forças democráticas, populares e de esquerda exercem apenas o
direito de espernear através de alguns poucos veículos de imprensa, e através da
blogosfera e redes sociais. A Constituição proíbe monopólios e oligopólios, mas
é letra morta, e o governo ainda ajuda a enriquecer os barões da mídia com as
verbas de publicidade.
Ainda de olho no Brasil,
vou dar um exemplo que considero escandaloso: como admitir que um juiz do
Supremo Tribunal Federal bloqueie na corte de justiça mais alta do país a
tramitação de uma ação, já com decisão definida – está em 6 a 1, já com a
maioria garantida -, durante meses e meses (se chegar até abril completa um
ano), num assunto da mais alta relevância: derrubar o financiamento das
campanhas eleitorais pelos empresários, uma fonte inesgotável de corrupção,
conforme ação impetrada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). E esse juiz
passa ileso perante a sociedade, porque sua atuação política se coaduna com a
posição da grande imprensa. Seus colegas de corte não reclamam ou sua
reclamação não consegue obter eco na mídia?
Deixei à parte o governo
do Uruguai, porque está numa posição intermediária. Seu projeto de regulação da
mídia acaba de ser aprovado no Senado e deverá ser aprovado também na Câmara
dos Deputados, proibindo o monopólio na radiodifusão. Já existe uma certa
regulação feita através de decretos e a tendência agora é que tal regulação se
amplie e se consolide. Além disso, o Uruguai tem um passo à frente neste tema,
ao contrário do que acontece com seus vizinhos Brasil e Argentina: é estatal a
forte empresa de telecomunicações, a Antel.
Este é o quadro, pintado
a largos traços, na nossa Pátria Grande, denominação de uso frequente entre
nossos vizinhos – menos no Brasil, claro. Faltaria afunilar muitas das
informações apenas anunciadas. Por exemplo: como se manifesta esse
“desarmamento”? No caso do Brasil, teríamos muito a estudar e discutir. E nos
outros casos também. Penso em fazê-lo na medida do possível.
Última observação: a
fraqueza ou a força do governo “progressista” tem tudo a ver com a fraqueza ou
a força do movimento democrático, popular e de esquerda (partidos, sindicatos e
demais movimentos sociais).
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