DIGRESSÕES FILOSÓFICAS SOBRE A ROTINA



Cenário de novas rotinas: um dos portões que cercavam a cidade na fase colonial, mantido na Praça Independência (Foto: Internet)
“É como se a vida da gente fosse formada por pedaços, fragmentos espirituais; a rotina teria o papel de colar os pedaços, formar um todo com certa unidade, dar uma certa consistência ao ser humano”.

Por Jadson Oliveira (jornalista/blogueiro, aqui dando uma de filósofo) – editor do blog Evidentemente – publicado em 26/01/2015

De Montevidéu (Uruguai) - Vivo agora passeando pela Rua 18 de Julho, indo e vindo no caminho da Praça Independência, no centro velho da bela capital dos hermanos uruguaios. Caminhando e matutando. Acabei de romper rotinas, mais ou menos sólidas durante pouco mais de um ano, e agora me estremeço na tentativa de construir outras, provisórias, por certo. Embora talvez não seja tão apropriado chamar rotinas provisórias de rotinas. Me parece que o adjetivo desqualifica o substantivo.

A rotina é um troço fundamental na vida da gente, uma vilã quase inquestionável, um saco de pancadas para aliviar as nossas frustrações, que geralmente são bem pesadas. A grande maioria das pessoas gasta parte de sua vida culpando “a chatice dessa rotina da vida” por sua infelicidade. É aquele ônibus cheio todo santo dia, é aquele engarrafamento no trânsito, é aguentar aquele chefe fdp todo dia no trabalho, é aguentar aquele mesmo homem (ou aquela mesma mulher) toda noite na minha cama (ou no meu quarto) arrotando, peidando, roncando...

É uma merda essa rotina da vida... é uma merda! “É uma merda, repetir não cansa, cansa é ser assim eternamente...”, diria eu repetindo um dileto poeta.

Mas... não sei se é bem isso a causa de muita infelicidade. Tenho minhas dúvidas. Talvez porque nesses últimos oito anos eu tenha viajado bastante. Talvez.

Li há muito tempo – quando era jovem eu costumava mais frequentemente ler sobre a vida de filósofos – que quando Immanuel Kant atravessava a rua transitando de seu escritório para sua residência, seus conterrâneos da cidade alemã Königsberg, no século 18, podiam acertar seus relógios. Eram precisamente 3 horas da tarde!

Tratava-se, então, de um homem radicalmente apegado à rotina, o grande Kant, criador de uma importante e originalíssima teoria filosófica até hoje estudada, baseada num tal “idealismo transcendental” (o julgamento aí dos méritos não é meu, que quase nada sei da matéria, mas dos doutores. É o caso de perguntar ao meu amigo professor Crisóstomo, de Salvador-Bahia, que vem a ser doutor em filosofia alemã – aqui pra nós, não seria muito esbanjamento o cara ser “doutor em filosofia alemã”, diante das rudes agruras do cotidiano?)

Me recordo sempre de um filme no qual um dos protagonistas dizia que a rotina dava consistência à vida (o chato de citar alguma passagem de filme é que eu normalmente, como ignorante no assunto, não tenho nenhuma referência – nome do filme, dos atores, do diretor – para pesquisar no Google).

Essa “consistência” me ficou na cabeça e quando estou refazendo rotinas me lembro sempre dela. Tentando explicar como sinto: é como se a vida da gente fosse formada por pedaços, fragmentos espirituais; a rotina teria o papel de colar os pedaços, formar um todo com certa unidade, dar uma certa consistência ao ser humano.

Daí que quando estamos em período de transição – destruindo umas rotinas e construindo outras -, é um momento interessante. A pessoa tem mais dúvidas, fica mais vulnerável, os pedaços de seu eu ameaçam se perder, e aí como é que vai ficar a sua vida?

Também, por outro lado, é um momento desafiador, de mais excitação, de mais criatividade, você pode se tornar mais valente, diferente, parece que os pedaços não se juntam no mesmo formado, nada fica igual como antes e a estrada ainda não palmilhada está à sua frente.

Nada é fácil e a rotina não é simplesmente uma vilã, disso fiquem certos. Há a roda-viva, as escolhas, os acasos...

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