(Foto: Luis Nassif Online) |
"A imprensa escrita é controlada pelo “duopólio” El Mercurio S.A. e o Grupo Copesa, editor do jornal La Tercera; o primeiro desgraçadamente associado à dinastia Edwards, financiada pela CIA para derrubar o governo democraticamente eleito de Salvador Allende".
Por Frederico Füllgraf, de Santiago do Chile - Exclusivo para Jornal GGN - reproduzido do portal Luiz Nassif Online, de 17/01/2015
Na véspera de seu embarque para Nova York, onde presidirá o Conselho de Segurança da ONU, na segunda-feira, 19, a presidenta do Chile, Michelle Bachelet, abriu sua apertada agenda para uma reunião com a direção do Colegio de Periodistas (Ordem dos Jornalistas), que no Chile regula e normatiza o exercício profissional no setor de comunicação.
O que chamou atenção não foi a gentileza da brecha concedida pelo cerimonial, mas foram as duas horas de duração do encontro, ao que tudo indica, estratégico, e aberto com um sugestivo presente da direção da Ordem à presidenta: um exemplar do livro “Los Magnates de la Prensa”, de autoria da professora María Olivia Mönckeberg, jornalista, ensaísta, diretora do Instituto de Comunicación e Imagen, da Universidade do Chile, e Prêmio Nacional de Jornalismo de 2009.
Em conversa com a jornalista Javiera Olivares, presidente da Ordem, e os diretores Patricio Martínez, Patricio Segura, Vanessa Sabioncello e Evelyn Miller, Bachelet revelou sua preocupação com a falta de diversidade no atual mercado midiático chileno – preocupação já compartilhada pela presidenta do Senado, Isabel Allende (filha do presidente Salvador Allende, morto em setembro de 1973), ao ser consultada pelo GGN durante um café da manhã com a Associação de Correspondentes Estrangeiros no Chile, ocorrido em Santiago, em outubro de 2014.
Advertência à SIP
Naquela oportunidade, Allende admitiu que nas esferas legislativa e executiva a necessidade de um novo marco regulatório ou “ley de medios” ainda era pauta pouco qualificada. Contudo, em plano paralelo, no final do mesmo mês de outubro, Bachelet dirigiu grave reparo à 70ª assembleia anual da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), ocorrida em Santiago, dizendo: "É com preocupação que lemos, muitas vezes, como a diversidade política e social, que tingiu de novas cores o presente da nossa América, é resenhada com parcialidade ou não é retratada como um todo" – diagnóstico agravado por enérgica advertência, na mesma assembleia, protocolada por Alicia Bárcena, secretária executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal): "Vocês são parte de uma indústria na qual se verifica uma paulatina concentração da propriedade. Realidade global que pode infligir danos irreparáveis à pluralidade e à saudável diversidade de olhares. Aqui está um tremendo desafio a enfrentar".
O “cerco comunicacional” no Chile
Comparativamente, com seus 17 milhões de habitantes e seu PIB de 277,0 bilhões de dólares (2014), o Chile é um país pequeno, mas com notável taxa de concentração de bens e capitais, como reflete o mercado da comunicação.
Neste, a imprensa escrita é controlada pelo “duopólio” El Mercurio S.A. e o Grupo Copesa, editor do jornal La Tercera; o primeiro desgraçadamente associado à dinastia Edwards, financiada pela CIA para derrubar o governo democraticamente eleito de Salvador Allende (leia mais em Especial: El Mercurio no banco dos réus), e o segundo pertencente ao empresário de origem árabe, Álvaro Saieh, dono de supermercados, bancos e grande parte do mercado de revistas. Juntos, os Edwards e os Saieh embolsam 87% da verba publicitária do governo, destinada aos meios impressos.
Metade, redondos 50% das frequências de rádio, estão em mãos do grupo español PRISA, que concentra 40% da publicidade do meio.
Os canais privados de televisão abocanham 52% da verba publicitária, pública e privada, com um faturamento anual de 500,0 milhões de dólares. Neste mercado, a TVN, único canal não privado, é uma “estatal” regida pela lógica do auto-financiamento, com alto grau de dependência da captação de publicidade que, por tabela, acaba determinando o conteúdo ralo de sua grade de programação. Vão daí as pressões do meio jornalístico para que o Estado assuma pelo menos parcela de sua paternidade e reserve fatia orçamentária para dotar de maior diversidade a produção do canal.
No Chile, o que chama a atenção é a dominação do mercado de mídias eletrônicas, ou por empresas chilenas, estranhas no experimentado ninho da comunicação, ou por multinacionais norte-americanas e espanholas. É o caso do canal Mega, do grupo Claro, dono de Compañía Sudamericana de Vapores, Cristalerías Chile, Editorial Zig–Zag, Diario Financiero e Elecmetal. Chilevisión, que até 2010 pertencia ao multi-bilionário Sebastián Piñera, só foi vendido à Time Warner diante de contundente pressão política, alertando ao conflito de interesses entre a posse e a então candidatura de Piñera à presidência da República. No mercado chileno, a Time Warner ainda opera CNN, HBO, Cartoon Network e TNT. A “cereja no bolo” é o Canal 13 – lendária emissora de TV com famosa grade cultural, fundada pela Universidade Católica na década de 1960, mas reprimida, usurpada e privatizada pela ditadura Pinochet - adquirido pelo Grupo Luksic, que detém 67% do capital acionário, e é dono, nada menos, que do Banco de Chile, de grandes empresas de mineração, das Viñas San Pedro e Tarapacá, constituindo o maior patrimônio privado do Chile, com aproximadamente 18,0 bilhões de dólares, que lhe confere a posição 77 no ranking Forbes das maiores fortunas do planeta.
Agenda
Otimista, Javiera Olivares acredita na vontade política
de Bachelet de debater em profundidade as graves distorções no mercado
chileno de mídias, que pede rigoroso marco regulatório.
O otimismo baseia-se na concordância de Bachelet em
impulsionar desde o Executivo um grupo de trabalho com a missão de gerar
uma proposta de políticas públicas em matéria de institucionalidade
midiática e comunicação, processo que poderá deslanchar em março, após
as férias de verão.
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