(Foto: EFE/Página/12) |
"Não há marcha atrás: o
neoliberalismo está morto na Bolívia. (...) (Agora é necessário) ir driblando o
ameaçador rentismo importador do século 21, que constitui uma nova forma de
neodependentismo do capitalismo mundial".
Por Alfredo Serrano Mancilla (*) – no jornal argentino Página/12, edição de 23/01/2015
Parece haver
transcorrido mais de um século desde aqueles momentos em que o presidente
boliviano Evo Morales estava submetido ao que o mesmo vice-presidente Alvaro
García Linera chamara o “empate catastrófico”. Haviam ganho as eleições de fins
de 2005 por maioria absoluta e as eleições para a Assembleia Constituinte de
2006, porém isso, de maneira alguma significava que a disputa política havia
pendido definitivamente a favor da Revolução Democrática e Cultural proposta
pelo MAS (Movimento ao Socialismo). Eram meses nos quais os constituintes massistas
(do MAS) tiveram que sair literalmente fugindo depois de serem perseguidos em Sucre ou
nos quais o próprio presidente não podia nem aterrissar em aeroportos do próprio
território nacional. Eram anos difíceis em que a outra metade do país, a chamada
meia lua, não reconhecia um presidente que havia chegado para iniciar um processo
acelerado de mudança a favor da maioria social boliviana. Foram momentos
complicados próprios da política, com sua essência confrontativa, nessa etapa
inicial em que a Bolívia vinha mal acostumada, de uma longa época quando o
consenso vinha a ser realmente um dissenso, nos quais uma minoria impunha qualquer
“acordo” contra a maioria.
Devagar e
sempre (“con buena letra y a fuego lento”), Evo Morales foi logrando que uma
proposta contra-hegemônica fosse transitando rumo a uma sólida hegemonia pós-neoliberal
em múltiplas dimensões. No econômico, se questiona o modelo vindo de fora ao mesmo
tempo em que se vem construindo outra organização econômica com base na
recuperação dos setores estratégicos; se foram substituindo paulatinamente os
Chicago Boys pelos Chuquiago Boys (economistas formados nas universidades
bolivianas). Nestes anos, a democratização econômica e a melhora microeconômica
vieram acompanhadas duma inquestionável bonança macroeconômica. No social,
Morales trouxe consigo uma política de redistribuição que abandona a velha e
ineficaz teoria do conta-gotas; foi enterrando o velho Estado aparente (um
Estado de Bem-estar em miniatura) em troca dum novo Estado integral do Viver Bem,
que centrou toda sua atenção em erradicar a dívida social herdada na maior
velocidade possível. Quando as urgências conjunturais são tão destrutivas para a
vida cotidiana do povo boliviano (fome, desnutrição), não se pode nem se deve
ter demasiada paciência para resolvê-las. Neste sentido, o presidente aymara apresentou
desde o primeiro momento uma economia humanista do agora, economia do já, na
qual os direitos sociais constituem a centralidade inegociável da nova política
econômica do Estado. E em relação ao internacional, o novo processo de mudança
considerou desde sempre que só é possível uma transformação adequada internamente
se esta vem acompanhada por uma reinserção ao seu redor a partir de critérios
reais de soberania, com uma clara aposta por uma emancipada integração latino-americana
e buscando resituar-se virtuosamente na atual transição geoeconômica que
permita definitivamente reverter os padrões de intercâmbio desigual do passado.
É assim que
Morales enfrenta o desafio de assumir um novo mandato presidencial tanto simbolicamente
em Tiwanaku como institucionalmente. Este período não pode ser concebido como um
período qualquer; Evo Morales será o presidente que terá estado mais tempo
ininterrupto como presidente a partir do final do ano, chegando a superar
Andrés de Santa Cruz (entre 1829 e 1839). Não é um dado menor num país que
presumia deter o récorde no número médio de presidentes por ano nas últimas
décadas. É realmente uma mostra inequívoca do novo sentido comum na Bolívia, próprio
de uma mudança de época em que se avança de forma irreversível. Não há marcha
atrás; o neoliberalismo está morto na Bolívia. E a partir desta conquista, indo
em frente, Morales encara estes próximos anos com renovados desafios nos
aspectos produtivo e tecnológico, com a necessidade de ir driblando o ameaçador
rentismo importador do século 21 que constitui uma nova forma de neodependentismo
do capitalismo mundial. Seguramente também será necessário antecipar-se às novas
interrogações que virão de um sujeito social majoritário mutante que já não é
aquele das décadas perdidas; esta década ganha em curso afortunadamente começa
a enterrar velhas demandas para reabrir novos horizontes. E será Evo Morales,
com amplo respaldo popular, que terá de pilotar neste caminho com o objetivo de
que o “vamos bem” da última campanha eleitoral possa voltar a se repetir na
próxima contenda.
* Diretor do Centro Estratégico
Latino-americano de Geopolítica (Celag). Doutor em Economia.
Tradução: Jadson Oliveira
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