(Foto: Página/12) |
“A cumplicidade da imprensa:
todos sabiam que se torturava, mas os grandes meios de comunicação conspiraram
para não chamar a coisa por seu nome”.
Por Atilio A. Boron (cientista político argentino) – traduzido do
jornal Página/12, edição impressa de
hoje, dia 10
A publicação
do informe do Comitê de Inteligência do Senado dos Estados Unidos, divulgado
ontem, descreve com minúcias as diferentes “técnicas de interrogatório”
utilizadas pela CIA para extrair informação relevante na luta contra o
terrorismo. O que se fez público é apenas um resumo, de umas 500 páginas, dum
estudo que contém mais de 6.000 e cuja primeira e rápida leitura produz uma
sensação de horror, indignação e repugnância como poucas vezes experimentou quem
escreve estas linhas. Os adjetivos para qualificar esse lúgubre inventário de
horrores e atrocidades não conseguem transmitir a patológica desumanidade do que
ali se conta, somente comparável às violações aos direitos humanos perpetradas
na Argentina pela ditadura civil-militar.
O informe
é suscetível de múltiplas leituras, que seguramente animarão um significativo
debate. Por enquanto, produz um dano irreparável à pretensão estadunidense de
erigir-se como campeão dos direitos humanos, na medida em que uma agência do governo,
ligada diretamente à presidência, perpetrou estas atrocidades ao longo de vários
anos com o aval dos ocupantes da Casa Branca. Muito especialmente, de George W.
Bush, que vetou em março de 2008 uma lei do Congresso que proibia a aplicação da
técnica do “submarino” (waterboarding em inglês) e que seu predileto secretário
da Defesa, Donald Runsfeld, em dezembro de 2002 autorizou explicitamente uma série
de “técnicas de interrogatório” que somente em virtude dum perverso eufemismo podem
não ser qualificadas como torturas.
Obviamente,
se já antes os Estados Unidos careciam de autoridade moral para julgar terceiros
países por supostas violações aos direitos humanos, depois da publicação deste
informe o que Barack Obama deveria fazer é pedir perdão à comunidade
internacional e assegurar que essas práticas não só não voltarão a ser
utilizadas pela CIA ou pelas forças regulares do Pentágono, nem tampouco pelo
número crescente de mercenários contratados para defender os interesses do império.
Uma
última palavra sobre a cumplicidade da imprensa: todos sabiam que se torturava,
mas os grandes meios de comunicação – não os pasquins da cadeia de Rupert
Murdoch – conspiraram para não chamar a coisa por seu nome. Para The Washington
Post, The New York Times e a Agência Reuters eram métodos de interrogatório
“brutais” ou “duros”; para a cadeia de televisão CBS, “técnicas extremas de
interrogatório”, e para Candy Crowley, da CNN, eram “torturas, segundo quem as
descreva”. Para o canal de notícias Msnbc (fusão da Microsoft com a NBC) eram,
segundo Mika Brzezinski, filha do estrategista imperial Zbigniew Brzezinski,
“táticas de interrogatório utilizadas pela CIA”. É esse o papel da imprensa numa
democracia?
Tradução: Jadson Oliveira
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