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”O preocupante quadro geopolítico
internacional (...) torna altamente aconselhável preservar a América Latina e o
Caribe como uma zona de paz – como a única zona de paz! – e na qual a pretérita
ascendência estadunidense se encontra seriamente menoscabada”.
Por Atilio A. Boron (cientista político argentino) – no jornal Página/12, edição impressa de hoje, dia
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Termina o
ano com uma grande notícia: os três lutadores antiterroristas cubanos regressaram
à casa. Se pôs fim assim a uma flagrante injustiça, que lançou na ignomínia o
sistema judiciário estadunidense. E Barack Obama, ante o indiscutível fracasso
de meio século da política contra Cuba, decidiu uma mudança de rumo que mesmo
não tendo a radicalidade necessária – o que depende de conseguir que o Congresso
revogue a legislação que decreta o bloqueio econômico, comercial e financeiro da
ilha – pelo menos abre a porta a uma série de mudanças que permitirão melhorar as
condições de vida da população cubana.
Não é um
dado menor que em seu discurso Obama tenha prometido que enviaria ao Congresso
um pedido para revogar essa legislação que se interpõe como um obstáculo à sua
pretensão de normalizar as relações diplomáticas com Cuba. Porque, como se poderia
conseguir esse objetivo se, ao mesmo tempo, se impõe a esse país um bloqueio
que tem sido condenado em reiteradas ocasiões pela comunidade internacional na
Assembleia Geral das Nações Unidas, pela mesmíssima OEA, pela Unasul, pela
Celac?
A decisão
de Obama será motivo de múltiplas análises e interpretações. Mas há algumas
fundamentais que, desde já, são inevitáveis.
Uma, o retumbante
fracasso das políticas convencionais.
Duas, o
paradoxal isolamento em que se depararam os Estados Unidos, reconhecido pelo
secretário de Estado, John Kerry, horas depois do discurso presidencial. Isolamento
e crescente animosidade no hemisfério e escandaloso isolamento evidenciado, ano
após ano, no estrondoso respaldo que acolhe o voto contra o bloqueio na Assembleia
Geral da ONU.
Três, o
protagônico papel jogado, segundo assinalaram tanto o presidente dos Estados
Unidos como seu homólogo cubano Raúl Castro, pelo papa Francisco e o governo do
Canadá, que cumpriram sua missão com extraordinária eficácia e no mais absoluto
segredo.
Quatro, a
luta sem trégua dos familiares de “Os 5”, que lograram constituir uma poderosa
coalizão internacional que pressionou sem cessar e sem descanso o governo dos
Estados Unidos e que mobilizou vontades que não pararam de lutar nem um único dia
desde que se produziu a detenção dos lutadores cubanos.
Cinco, o
preocupante quadro geopolítico internacional que apresenta sérios desafios aos
interesses estadunidenses no Oriente Médio, com o Estado Islâmico – cuja criação
se deve muito aos Estados Unidos e ao Reino Unido – dando lugar a um massacre
de incalculáveis proporções; na Ásia Central, onde os talibãs não cessam de
perpetrar atrocidades como as das crianças no Paquistão; no Extremo Oriente (a
crise do Mar do Sul da China e o risco dum enfrentamento armado com o Japão); a
progressiva desestabilização de regiões inteiras da África e, para o auge dos
males, a perspectiva nada marginal duma eventual confrontação bélica na Europa
pela crise ucraniana, tudo pelo qual torna altamente aconselhável preservar a
América Latina e o Caribe como uma zona de paz – como a única zona de paz! – e na
qual a pretérita ascendência estadunidense se encontra seriamente menoscabada.
Recompor
relações com os países da área, num marco de respeito e igualdade, se converte num
imperativo categórico. Teremos que ver se Washington pode, porque os que, de dentro
e de fora, se oporão a este projeto são muitos e muito poderosos.
Tradução: Jadson Oliveira
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