ATILIO BORON: ESTADOS UNIDOS-CUBA: UMA PORTA SE ABRE



Foto da capa do Página/12
”O preocupante quadro geopolítico internacional (...) torna altamente aconselhável preservar a América Latina e o Caribe como uma zona de paz – como a única zona de paz! – e na qual a pretérita ascendência estadunidense se encontra seriamente menoscabada”.

Por Atilio A. Boron (cientista político argentino) – no jornal Página/12, edição impressa de hoje, dia 18

Termina o ano com uma grande notícia: os três lutadores antiterroristas cubanos regressaram à casa. Se pôs fim assim a uma flagrante injustiça, que lançou na ignomínia o sistema judiciário estadunidense. E Barack Obama, ante o indiscutível fracasso de meio século da política contra Cuba, decidiu uma mudança de rumo que mesmo não tendo a radicalidade necessária – o que depende de conseguir que o Congresso revogue a legislação que decreta o bloqueio econômico, comercial e financeiro da ilha – pelo menos abre a porta a uma série de mudanças que permitirão melhorar as condições de vida da população cubana.

Não é um dado menor que em seu discurso Obama tenha prometido que enviaria ao Congresso um pedido para revogar essa legislação que se interpõe como um obstáculo à sua pretensão de normalizar as relações diplomáticas com Cuba. Porque, como se poderia conseguir esse objetivo se, ao mesmo tempo, se impõe a esse país um bloqueio que tem sido condenado em reiteradas ocasiões pela comunidade internacional na Assembleia Geral das Nações Unidas, pela mesmíssima OEA, pela Unasul, pela Celac?

A decisão de Obama será motivo de múltiplas análises e interpretações. Mas há algumas fundamentais que, desde já, são inevitáveis.

Uma, o retumbante fracasso das políticas convencionais.

Duas, o paradoxal isolamento em que se depararam os Estados Unidos, reconhecido pelo secretário de Estado, John Kerry, horas depois do discurso presidencial. Isolamento e crescente animosidade no hemisfério e escandaloso isolamento evidenciado, ano após ano, no estrondoso respaldo que acolhe o voto contra o bloqueio na Assembleia Geral da ONU.

Três, o protagônico papel jogado, segundo assinalaram tanto o presidente dos Estados Unidos como seu homólogo cubano Raúl Castro, pelo papa Francisco e o governo do Canadá, que cumpriram sua missão com extraordinária eficácia e no mais absoluto segredo.

Quatro, a luta sem trégua dos familiares de “Os 5”, que lograram constituir uma poderosa coalizão internacional que pressionou sem cessar e sem descanso o governo dos Estados Unidos e que mobilizou vontades que não pararam de lutar nem um único dia desde que se produziu a detenção dos lutadores cubanos.

Cinco, o preocupante quadro geopolítico internacional que apresenta sérios desafios aos interesses estadunidenses no Oriente Médio, com o Estado Islâmico – cuja criação se deve muito aos Estados Unidos e ao Reino Unido – dando lugar a um massacre de incalculáveis proporções; na Ásia Central, onde os talibãs não cessam de perpetrar atrocidades como as das crianças no Paquistão; no Extremo Oriente (a crise do Mar do Sul da China e o risco dum enfrentamento armado com o Japão); a progressiva desestabilização de regiões inteiras da África e, para o auge dos males, a perspectiva nada marginal duma eventual confrontação bélica na Europa pela crise ucraniana, tudo pelo qual torna altamente aconselhável preservar a América Latina e o Caribe como uma zona de paz – como a única zona de paz! – e na qual a pretérita ascendência estadunidense se encontra seriamente menoscabada.

Recompor relações com os países da área, num marco de respeito e igualdade, se converte num imperativo categórico. Teremos que ver se Washington pode, porque os que, de dentro e de fora, se oporão a este projeto são muitos e muito poderosos.

Tradução: Jadson Oliveira

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