Com 36 milhões de pessoas retiradas da pobreza abjeta, Dilma Rousseff
continua a ser popular (Foto: Andre Penner/AP)
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Será que a superpotência do sul
retorna ao rebanho dos EUA, ou pode Dilma Rousseff lutar contra seus rivais e
continuar a liderar a América Latina para uma maior autonomia?
Por Oscar Guardiola-Rivera, no jornal The Guardian, de 23/10/2014 (antes, portanto, da eleição de
26/outubro)
Um dos romances mais populares do Brasil nos dias de hoje é o
maravilhosamente intitulado ‘Eu receberia as piores notícias de seus belos
lábios’. Conta a história de um jornalista que viaja para uma cidade brasileira
dominada por uma empresa de mineração, uma reminiscência de Macondo de Gabriel
García Márquez. Lá ele conhece a bela Lavínia. Eles se apaixonam loucamente,
mas há um problema - ela está casada com o vigário da cidade. É um triângulo
amoroso clássico, mas aquela em que os personagens desafiam uma existência
absolutamente banal, tentando o impossível.
O romance de Marçal Aquino resume a história da América Latina desde a
década de 1980. Após o golpe de Estado que depôs o presidente socialista
Salvador Allende no Chile, em 1973, os latino-americanos foram levados a
esquecer os sonhos heróicos e continuar com a sua existência banal como
fornecedores de matérias-primas, principalmente minerais, para o mundo
globalizado. Por um tempo eles o fizeram, mas após a eleição de Lula da Silva e
o Partido dos Trabalhadores no Brasil, era como se o tempo dos heróis estivesse
de volta e as pessoas podiam novamente exigir o impossível.
Que o Brasil tornou-se o local de tal esperança, mais uma vez é
montagem, para o golpe contra Allende não poderia ter acontecido sem o anterior
no Brasil, em 1964. A ditadura brasileira instalada naquele ano travou uma
guerra por procuração no Chile durante os anos 1970 em nome de os EUA e seus
mineradoras poderosos. Enquanto isso, ela matou e torturou aqueles que ousaram
enfrentar o regime.
Um dos torturados era uma jovem mulher chamada Dilma Rousseff. Sua
história se tornou uma lenda. Nascido em uma família de classe média de origem
búlgara, no estado de Minas Gerais, Dilma se juntou ao grupo Política Operária
(Polop), uma facção radical do Partido Socialista Brasileiro, com idade de 17
anos. Depois de um confronto com a polícia, Dilma Rousseff, então estudante,
voou para o Rio com seu amante Claudio Galeano. Lá, ela conheceu Charles de Araújo.
Os dois se apaixonaram; amor subversivo fundamentado na política radical.
A defesa duma aliança política com os trabalhadores contra seus colegas
do sexo masculino mais militaristas colocou-a em rota de colisão com o líder
guerrilheiro Carlos Lamarca, que a acusou de ser um preso (?), intelectual
não-carismático. A acusação, repetida mais tarde pela unidade de forças armadas
que a torturou, é usada por seus adversários nas eleições decisivas deste
domingo, onde ela disputa a reeleição contra Aécio Neves. Como líder do Partido
dos Trabalhadores, Dilma Rousseff presidiu o programa de bem-estar social Bolsa
Família, que tem levantado dezenas de milhões de pessoas da pobreza.
Neves, do social-democrata (PSDB), partido de centro-direita (PSDB),
ultrapassou a ambientalista Marina Silva para vir em segundo lugar no primeiro
turno. Como Rousseff, Neves nasceu em Minas Gerais; ao contrário dela, de uma
família bem de vida intimamente ligada ao poder. O pai de Neves apoiou a
ditadura. Segundo a analista brasileira Sonia Fleury, o foco em Marina Silva poupou
Neves de críticas, o que lhe permite construir calmamente em seu registro como
governador do segundo maior estado do Brasil. A "melhor opção para a saúde
fiscal do país", segundo um funcionário do Ministério das Finanças. Ele
promete cortar gastos públicos e encolher o governo. Isso é música para os ouvidos
de seus adeptos entre os financistas e industriais poderosos do Brasil. Também,
fundamentalmente, para aqueles nos EUA e em outros lugares que gostariam de ver
o retorno da superpotência do sul para o rebanho de seu antigo mestre, ao
norte.
Em jogo nas eleições deste domingo é o destino da geopolítica global: se
o Brasil continuará a liderar a vez da América Latina para uma maior autonomia,
cético em relação ao conto de fadas de austeridade que ainda reina no oeste,
apesar da crescente evidência de seu fracasso e da vigilância na internet
ocidental e intervencionismo, ou cair de volta para o seu papel de 1970 como
cliente dos Estados Unidos no hemisfério sul.
Em outro lugar nas Américas, a volta para a política popular é evidente.
Recentemente, os bolivianos reelegeram Evo Morales, com enorme vantagem,
demonstrando aos europeus, como demonstra o partido PODEMOS da Espanha, que o
modelo de dualidade de poder - que liga os movimentos horizontalistas de
indignação com o voo vertical de um partido político bem organizado - pode chegar
a radical e democrática transformação, sem prejudicar a economia. Algo
semelhante está prestes a acontecer no Equador, onde a Revolução Cidadã de
Rafael Correa deve vencer a corrida presidencial.
No Uruguai, o céu não caiu após José Mujica desafiar a estupidez da
política de guerra contra as drogas liderada pelos Estados Unidos, abrindo o
caminho para o resto do continente escapar do destino que mergulhou a Colômbia
e agora o México em uma espiral de violência .
E na Venezuela, o governo de Maduro parece ter saído mais forte depois
de um ano de protestos violentos, de intervenção externa e pressão econômica.
Na semana passada, a Venezuela foi eleita para um assento no Conselho de
Segurança das Nações Unidas, com o apoio generalizado do sul. Mesmo a Colômbia,
sem dúvida o país mais conservador na região, votou a favor.
De volta ao Brasil, Dilma permaneceu no topo das pesquisas, apesar de
dificuldades econômicas e uma onda de protestos em todo o país, que em seu auge
reuniu mais de um milhão de brasileiros às ruas, ameaçando perturbar a Copa do
Mundo. Manifestantes se preocupam com a corrupção, compromissos e falta de
investimento em geral, educação de qualidade, saúde e infraestrutura de
transporte.
Muitos ainda admiram seu avanço social e não estão dispostos a perder os
ganhos do passado. O teólogo brasileiro Leonardo Boff explica: "36 milhões
de pessoas foram retiradas da pobreza abjeta. Não mais fome de comida, eles
estão com fome de saúde e educação”. Os resultados de domingo dirão se a história
de Rousseff de amor subversivo e política continua a inspirar o resto de nós a
acreditar que um outro mundo é possível.
Tradução: Google (com pequenas
correções)
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