Por Washington Uranga, no jornal argentino Página/12, edição de ontem, dia 28 (o título acima é deste blog)
O Dicionário da
Real Academia
Espanhola não costuma ser um recurso válido quando é utilizado para discernir
sobre questões políticas ou sociais. Mas é tamanho o abuso das palavras que se
vem fazendo ultimamente na política – não só do nosso país como, em geral, de nossos
países latino-americanos – que é bom ir às fontes para jogar luz sobre o que dizemos.
Durante as campanhas eleitorais no Brasil e Uruguai, as forças opositoras – todas
elas situadas à direita política dos que estão exercendo atualmente o poder nesses
países – recorreram ao argumento da “Mudança” (“Cambio”) para assinalar a necessidade
de substituir os atuais governantes. O mesmo ocorre em nosso país, ainda que
formalmente não tenha começado ainda a campanha eleitoral. Não custa recordar
que a ideia de mudança tem estado associada historicamente às forças políticas
de vanguarda, revolucionárias ou progressistas, precisamente para se opor ao imobilismo
do poder instalado por minorias em função de seus próprios interesses.
Porém, durante pouco mais da última década na América do Sul têm surgido e prosperado outros governos que fizeram da mudança seu estilo de gestão e das transformações uma forma de entender o mundo. Ainda que “a mudança” não tenha uma explicação por si mesma, e sim que é apenas a indicação de que se quer conquistar algo diferente do existente ou do atual, é válido retomar o conceito do escritor e pensador uruguaio Eduardo Galeano quando assinala que, “ao fim e ao cabo, somos o que fazemos para mudar o que somos”. O importante é o que somos, e isso se demonstra com nossas práticas, com nossas ações. O que fazer dos atores marca o sentido da mudança que cada um propõe.
Assim o ex-candidato conservador do Partido Colorado uruguaio Pedro Bordaberry disse, pouco depois de se conhecer os primeiros escrutínios no país oriental que deram a vitória à Frente Ampla e que concluíram com uma categórica derrota de sua própria candidatura, que estava disposto a dar seu respaldo ao candidato liberal Luis Lacalle Pou para que “se derrote Tabaré Vásquez” (para que “hagan – façam - mierda a Tabaré Vázquez”. Os que tanto falaram de diálogo, abertura e de colaboração, assim se expressam na derrota.
Enquanto os setores mais conservadores querem se apropriar da palavra mudança, as urnas falaram na Bolívia primeiro com um categórico triunfo de Evo Morales e no Brasil depois, com uma vitória de Dilma Rousseff, que os meios de comunicação mais poderosos não duvidaram em qualificar de “estreita” no segundo turno, deixando de lado os resultados da primeira e simplificando ao extremo para apresentar toda a oposição como um único e coerente bloco de propostas. Falso o primeiro e falso o segundo. Provavelmente o sentido da mudança no caso do Uruguai esteve claramente expresso nas palavras de Bordaberry. O único propósito da oposição é destruir a Frente Ampla – representada neste caso na figura de Tabaré Vázquez – e as realizações desta coalizão. No caso do Brasil, o sentido da mudança proposta ficou evidente na reação refletida nas manchetes dos jornais, incomodados com a vitória de Dilma e falando como representantes “da mudança”. “Depois da vitória de Dilma Rousseff cai a Bovespa, se desvaloriza o real e as ações da Petrobras caem mais de 10%. A Bolsa de São Paulo abriu com uma queda de 6%, que depois se reduziu a 3,77%; os papeis da petroleira estatal tiveram uma forte queda e o dólar chegou à sua cotação máxima desde 2008”, deram em manchetes para dar conta da reação diante da “mudança” que não se pôde conquistar nas urnas.
Voltando ao Dicionário da Real Academia. Tergiversar, segundo lá se assinala, significa “dar uma interpretação forçada ou errônea a palavras ou acontecimentos”, ou também “trastrocar, trabucar”. Talvez se possa aplicar ao uso político que se pretende dar ao conceito de mudança.
Para que não restem dúvidas: qualquer semelhança ou paralelismo com a realidade argentina... fica por conta do leitor...
Tradução: Jadson Oliveira
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