“Marina
Silva não conseguirá reunir com ela forças sociais e populares suficientes”, avalia
Stédile. (Foto: Alex Silva/Página/12)
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Entrevista com João Pedro Stédile,
dirigente histórico do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST): para
o representante do maior movimento social brasileiro, se a presidenta resulta reeleita
neste domingo – ou no segundo turno – terá que dar resposta à demanda por
reformas estruturais na educação, saúde e transporte público.
Por Darío Pignotti, de Brasília – no jornal argentino Página/12, edição de hoje, dia 3
João Pedro Stédile, dirigente histórico do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), avalia que os governos de Dilma Rousseff, candidata à reeleição, e Luiz Inácio Lula da Silva “foram importantes para conter o neoliberalismo”, levando ao reforço de um Estado apequenado na década de 90. Para o representante do maior movimento social brasileiro, a opositora Marina Silva, que irrompeu na campanha como favorita faz dois meses, dilapidou suas chances de se impor nas eleições presidenciais, nas quais Dilma se perfila como favorita.
Uma pesquisa do instituto Datafolha publicada ontem (dia 2) à noite indica que a mandatária tem 40% das intenções de voto contra 24% da ambientalista Silva e 21% de Aécio Neves, do Partido da Social-democracia Brasileira. Se a candidata do Partido dos Trabalhadores vencer neste domingo, ou no segundo turno em 26 de outubro, se verá obrigada a revisar a aliança em que se apoiou para governar aplicando um modelo “neodesenvolvimentista”, observou o economista Stédile em diálogo com Página/12.
–Nestas eleições se submete à votação a gestão de Dilma ou as realizações dos três governos petistas?
–Os governos de Lula e Dilma foram o resultado duma ampla coalizão de forças sociais e políticas, com todas as classes, as burguesias financeira e industrial, o agronegócio, a classe média, os trabalhadores, os camponeses e os brasileiros mais pobres. Foram governos importantes para conter o neoliberalismo, permitiram levar adiante um programa neodesenvolvimentista, baseado no tripé composto pela revalorização do papel do Estado, pelo crescimento da economia baseado na atividade industrial e pela redistribuição da renda. Esses governos de composição de classes levaram avante um programa que já não é viável, aquele pacto se rompeu e parte da burguesia apoia a oposição. Depois de 12 anos de governos petistas não existem condições objetivas, internas e externas, para renovar esse pacto. Os governos de Lula e Dilma transcorreram num período de retrocesso do movimento de massas e refluxo das organizações da classe trabalhadora.
Se se ganharam as últimas três eleições foi porque parte da burguesia se dividiu e o PT, o maior partido da esquerda eleitoral, não teve a vontade política de realizar um trabalho de formação política e ideológica. Não houve um processo de ampliação da participação popular nos governos do PT, e é por isso que enfrentamos uma crise ideológica e a crise do modelo de representação que gerou as manifestações de junho do ano passado.
–No caso de segundo turno, qual será o papel de Lula na campanha?
–Considero que Lula é importante para fortalecer a identidade do voto em Dilma, nos trabalhadores e nos mais pobres. Lula continua sendo o maior líder popular do país, por toda sua trajetória, e portanto seu peso é decisivo. Isto ficou demonstrado nas iniciativas, como o ato recente no Rio de Janeiro em defesa da Petrobras como empresa pública, em defesa de que o petróleo seja explorado em benefício do povo.
–Como imagina um segundo mandato de Dilma?
–Acredito que o que ocorra no segundo mandato não depende só da vontade de Dilma, todo presidente depende da correlação de forças na qual está inserido seu governo e da capacidade de mobilização social. Como já dissemos antes, ela deverá mudar alianças porque o programa neodesenvolvimentista deixou de ser viável e por isso parte da burguesia que a apoiou agora está com Aécio ou Marina. Dilma deverá dar resposta à demanda de mudanças profundas, estruturais no sistema tributário, no atual modelo econômico de superávit primário que deverá ser mudado por outro que destine esse dinheiro às políticas de educação, saúde, moradia, transporte público de qualidade, à reforma agrária.
–Os protestos de 2013 foram um ponto de inflexão, considera que haverá outros?
–A gente pode esperar que se retomem as mobilizações de massa a favor das mudanças e que a burguesia se oponha a elas, endurecendo seu tom opositor, aferrando-se aos privilégios que ainda detenha e exigindo um realinhamento econômico com os Estados Unidos. O próximo governo será um período de disputas e se Dilma não opta por uma inflexão clara rumo à mudança teremos quatro anos de crises políticas e instabilidade.
–O MST, os sindicatos e outros movimentos recolheram quase 8 milhões de assinaturas pela reforma política. Qual é o seu balanço?
–O plebiscito popular foi um acontecimento de pedagogia política de massas para provocar o debate sobre a reforma política, para superar a crise de representação que enfrentamos. Após esta fase vamos trabalhar pela realização de um plebiscito legal para a concretização duma reforma política através duma assembleia constituinte. Felizmente, os principais líderes populares como Lula compartilham da ideia de que sem uma constituinte não é possível conseguir uma reforma política, e sem ela o próximo governo vai ficar de mãos atadas e o povo voltará às ruas, porém mais indignado do que em 2013.
–Marina Silva emergiu como a representante dos insatisfeitos de 2013, mas essa imagem parece que se derreteu. É isso?
–Marina não pode ser considerada uma líder popular, com raízes na luta de massas, temos que lembrar que sua trajetória política foi construída na vida institucional, ela foi vereadora, senadora e ministra. Marina não tem uma formação política suficientemente sólida para encabeçar um processo de mudanças profundas e por isso seu discurso muda segundo as circunstâncias. Esta inconsistência fez com que a juventude, que a viu como uma alternativa, já mudou seu voto.
–Marina e Aécio Neves são os candidatos dos banqueiros?
–Com um
capitalismo cada vez mais internacionalizado e hegemonizado pelo setor financeiro
e as corporações transnacionais, as eleições estão cada vez mais influenciadas
por representantes do capital internacional. A candidatura de Aécio Neves
representa forças sociais que querem o retorno puro e simples do neoliberalismo
e da política submissa aos Estados Unidos. Marina representa forças dispersas
com baixo nível de organização política, e com o clima emocional causado pela morte
do candidato Eduardo Campos (em 13 de agosto de 2014), aumentaram suas possibilidades,
e isso atraiu oportunistas de todo tipo, vindos da direita, do centro e alguns
ambientalistas. Não acredito na possibilidade de uma vitória de Marina, porque avalio
que não conseguirá reunir com ela forças sociais e populares suficientes.
(Foto: Página/12) |
O papel de Francisco
O senhor
participará neste mês de um encontro convocado por Francisco, que balanço faz
de seu papado?
–O papa
Francisco está realizando mudanças impressionantes em resposta à crise
política, ideológica e moral da cúpula do Vaticano. Que Francisco seja o primeiro
papa americano, do hemisfério sul, tem um peso fundamental. E
Francisco tem coragem para fazer mudanças. Ele tem valorizado os movimentos populares de todo o
mundo e agora está organizando um evento para reunir 100 dirigentes de movimentos
populares de todo o mundo, é algo inédito nas estruturas medievais da Igreja no
Vaticano. Longa vida a Francisco e suas ideias.
(Foto: Página/12) |
A aposta dos Estados Unidos
Qual
é a aposta de Washington
nas eleições?
–O governo dos Estados Unidos prefere a derrota de Dilma, não importa para quem, enquanto alguns grupos de interesse capitalista, estes ligados aos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), como as empresas construtoras, apostam em Dilma. Tanto Marina como Aécio vão privilegiar as relações prioritárias com os Estados Unidos e relegar os processos de integração regional. A derrota de Dilma seria a derrota das forças que levam adiante os processos de integração latino-americana, seria um duro golpe ao Mercosul, à Unasul (União das Nações Sul-americanas) e à Celac (Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos).
Tradução: Jadson Oliveira
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