Sendic, o vice na chapa encabeçada por Tabaré Vázquez (Foto: Rafael Yohai/Página/12) |
Filho do histórico líder guerrilheiro e
ex-deputado (mesmo nome do pai, ex-líder dos Tupamaros), compõe a chapa com
Tabaré Vázquez na busca de um terceiro governo da coalizão de centro-esquerda. Numa
conversa com Página/12, repassa a
relação com a Argentina, adverte sobre as consequências para outros países da
sentença de Griesa sobre os fundos-abutre e aposta na integração da América
Latina, deixando para trás o namoro com um Tratado de Livre Comércio com os
Estados Unidos.
Por Mercedes López San Miguel, no jornal argentino Página/12, edição impressa de 11/08/2014 (a entrevista neste blog
está dividida em duas partes; o título acima é deste blog)
Quando faltam
pouco mais de dois meses das eleições (hoje, dia 2/setembro, faltam 54 dias), a
dupla Tabaré Vázquez-Raúl Sendic desembarcou em Buenos Aires para atrair os 400
mil uruguaios residentes na Argentina. Um ritual inexorável dos políticos do
país vizinho, conscientes da importância de conseguir esse importante voto do
exterior. Sendic, filho do histórico líder guerrilheiro, ex-deputado e ex-presidente
da petroleira Ancap, acompanha o ex-mandatário Tabaré Vázquez na busca de um
terceiro governo da coalizão de centro-esquerda Frente Ampla. Vázquez deixou a
cadeira presidencial com uma popularidade de 80% e arrancou a campanha como
amplo favorito. No entanto, esse capital político não se reflete nas sondagens
de opinião, que assinalam um possível cenário de segundo turno. O médico oncologista
conta com uma intenção de voto de 42%, frente a 29% que logra Luis Lacalle Pou,
candidato do Partido Nacional, e 14% de Pedro Bordaberry, do Partido Colorado
(números duma pesquisa no final de agosto, conforme divulgação na Internet,
mantinham um quadro semelhante: 41%, 31% e 15%, respectivamente). Sendic,
Vázquez, Lacalle e Bordaberry: sobrenomes que marcam a história política das
últimas cinco décadas.
Raúl Sendic acredita que o vento sopra a favor de sua coalizão. “Temos um programa de governo que está aprovado há tempo e nossa chapa gera uma enorme empatia, diferentemente das demais. A partir de 1º de junho, depois da eleição interna, começamos a fazer uma campanha de proximidade com os eleitores, saindo a percorrer o país e falando cara a cara com todos os uruguaios. Estou convencido de que as eleições não se ganham nos atos públicos nem nas caravanas, mas sim nos aniversários, nas reuniões familiares e no trabalho; é aí onde joga muito este entusiasmo que provocamos”. Sendic assegura que avançaram sobre as conquistas econômicas e sociais obtidas pela Frente Ampla, que o diálogo será prioritário na relação com a Argentina, e que apostam na integração regional, deixando para trás o namoro com um Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos.
–Tabaré Vázquez chegou a imaginar uma guerra com a Argentina num diálogo com George W. Bush, segundo revelaram os telegramas do WikiLeaks. Qual será a postura de um novo governo frente-amplista em relação à questão das “papeleiras” (indústrias de papel e celulose)?
–Acreditamos que o desenvolvimento econômico e industrial deve ser sustentável desde o ponto de vista ambiental. É nossa preocupação e também do governo argentino. Portanto, tudo o que façamos para fortalecer os controles que permitam dar garantias à proteção do meio ambiente é positivo. A grande aposta vai ser no diálogo. Não podemos continuar perdendo oportunidades para a integração. Temos uma responsabilidade muito forte de nos unir, eu creio que o mundo obriga os países do Mercosul a fortalecer sua integração. Sabemos que pode haver dificuldades e incompreensão de um lado e de outro, mas a aposta tem que ser no diálogo, sentados ao redor duma mesa.
–Quais seriam os planos para uma maior integração?
–Qualquer integração deve passar pelo fortalecimento do Mercosul; é nossa posição bem clara. Temos que limar as assimetrias e sustentar mais diálogo para um melhor entendimento. Quanto mais sócios haja, como foi a incorporação da Venezuela, melhor. É uma falsa contradição a que se assinala entre o Atlântico e o Pacífico.
–Sente preocupação pela disputa do governo argentino com os fundos-abutre?
–Sim, com certeza. Fomos solidários à posição argentina, porque o Uruguai também negociou sua dívida. Que um juiz (Thomas Griesa) possa derrubar um acordo que se logrou com os credores majoritários para proteger um pequeno grupo gera uma insegurança muito grande sobre qualquer negociação futura. O que fez a Argentina é o que todos fizemos: negociamos a dívida com os credores majoritários e os minoritários aceitam o que foi pactado. Neste caso, um pequeno grupo põe abaixo um pacote enorme de negociação. Isto se passa não só com a negociação da dívida. Quando um negocia com uma empresa qualquer o faz com os grupos acionistas majoritários, e os grupos menores acatam.
–Quais seriam as três medidas que sem dúvida são urgentes ou prioritárias?
–Uma prioridade é fazer um choque muito forte na infraestrutura. O Uruguai tem uma posição geográfica privilegiada no continente, e deve aproveitá-la com uma ampliação da infraestrutura que lhe permita converter-se numa porta de entrada e saída do continente. Me refiro a três elementos que necessitamos para lograr este objetivo: o porto de águas profundas, a malha ferroviária e a dragagem dos rios. Segundo: uma aposta muito forte na educação. Temos concentradas as dificuldades na educação secundária; avançamos muito na primária e na universidade – na descentralização universitária, hoje a matrícula é cinco vezes maior do que há 14 anos –. Na secundária existem níveis altos de evasão estudantil que são inadmissíveis. Temos de assegurar que pelo menos 75% dos rapazes terminem o curso secundário e tenham garantida uma formação básica. Em terceiro lugar, a aposta firme na inovação e tecnologia visando um processo maior de industrialização. O Uruguai cresceu em sua economia, quase a quadruplicou nos últimos nove anos (PIB de 50 bilhões de dólares), e nos especializamos na exportação de matérias primas. A isso temos que agregar valor. O próximo governo tem que gerar mecanismos de incentivo para uma maior industrialização e agregar mais tecnologia e inovação a essas cadeias produtivas.
–Há analistas que afirmam que com Danilo Astori como ministro da Economia, a Frente Ampla vai dar um giro mais rumo ao liberalismo. Que você responde?
–Astori jogou um papel importante na atual política econômica. A definição do rumo é de toda a Frente Ampla, a que foi aprovada nos congressos partidários. A política econômica vai ser de continuidade, não vai haver mudanças importantes, porque tem sido exitosa, porque permitiu que o Uruguai tenha certeza, que haja um fluxo permanente de investimentos, umas reservas históricas, um nível de desocupação de 6%; temos o melhor índice de igualdade do continente; crescemos com distribuição e equidade. Vamos seguir na senda da estabilidade macroeconômica, com o controle da inflação –agora está em sete pontos, mas esperamos que esteja entre três e sete pontos –. Buscaremos manter os incentivos fiscais para o investimento estrangeiro; também vamos estimular o investimento para que traga mais tecnologia e emprego qualificado. Antes, o objetivo era a geração de mão de obra, agora é que essa mão de obra seja mais qualificada. (Continua)
Tradução: Jadson Oliveira
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