NOAM CHOMSKY: A AMÉRICA LATINA DEU PASSOS SÉRIOS RUMO À INTEGRAÇÃO E INDEPENDÊNCIA



(Foto: Internet)

Noam Chomsky, intelectual norte-americano: “Pela primeira vez em 500 anos, países da América Latina têm dado passos muito sérios para a integração e a independência do poder imperial estrangeiro (no século passado, principalmente dos Estados Unidos”.

“Agora, em conferências hemisféricas, os Estados Unidos e o Canadá estão virtualmente isolados”.

“Um estudo recente dos programas de ação (de ‘rendición’) extraordinária da Agência Central de Inteligência (CIA), uma das formas mais selvagens e covardes de tortura, constatou que colaborou grande parte do mundo, incluída a Europa, mas havia uma exceção: a América Latina”.

A era digital não muda a missão da imprensa livre: “Todos permanecemos dependentes das reportagens diretas de jornalistas corajosos e honestos, os que fazem seu trabalho com integridade. Nenhuma tecnologia vai mudar isso.” 

Por David Brooks, no jornal mexicano La Jornada – traduzido do portal Nodal – Notícias da América Latina e Caribe, de 22/09/2014

A era digital não muda no essencial a missão do jornalismo comprometido e independente, sobretudo em momentos nos quais se requer uma cidadania consciente e comprometida para responder aos sistemas de poder que levam o mundo à beira dum desastre apocalíptico, comentou Noam Chomsky em entrevista ao jornal mexicano La Jornada.

Apesar do sombrio panorama que pinta na conjuntura atual, Chomsky assinala que alguns raios de luz esperançadores para o mundo vêm das mudanças históricas na América Latina.

Chomsky, o intelectual vivo mais citado no planeta e um dos 10 mais citados na história, é um feroz crítico do modelo neoliberal, das políticas imperiais dos Estados Unidos e das de Israel contra o povo palestino, assim como do uso e abuso da comunicação e dos meios de comunicação.

No meio acadêmico, Chomsky não só é considerado o pai da linguística moderna, como também o professor emérito do Instituto Tecnológico de Massachusetts tem se destacado por suas contribuições à filosofia e às ciências sociais.

Profundamente convencido de que dizer a verdade ante o poder é obrigação moral, Chomsky desnuda o império todos os dias e ainda é, aos 85 anos de idade, um dos poucos intelectuais confiáveis e respeitados pelas novas gerações, apesar de estar virtualmente vetado pelos meios de comunicação de massa tradicionais neste país (México) e em outros. Portanto, é um homem perigoso para o poder, e por isso continua sendo uma voz vital para o presente e o futuro.

Chomsky, colaborador do La Jornada durante vários anos, brindou suas reflexões sobre aspectos da conjuntura numa entrevista motivada pelo aniversário (30 anos) deste periódico.

–Como percebe o que alguns chamam mudanças revolucionárias no panorama dos meios de comunicação ao surgir o mundo digital, o qual, segundo argumentam alguns, prometeu democratizar o jornalismo e abrir uma era de comunicação e informação de massa? Mudou alguma coisa?

–Claro que há mudanças, mas acredito que o fundamental permanece igual. A Internet indiscutivelmente oferece uma oportunidade de acesso a uma rica variedade de informação e análises, como a produção deste tipo de material, com maior facilidade do que antes. Também oferece oportunidades para a diversão, a distração, a formação de cultos, o pensamento descuidado, navegar sem propósito claro e muito mais. Uma boa biblioteca pode oferecer uma oportunidade para que alguém se torne um biólogo criativo ou um leitor sensível da grande literatura, ou para perder tempo. Depende de como alguém escolhe usar o que está disponível. Os resultados [da nova era digital] são múltiplos.

“Para organizadores e ativistas, a Internet tem sido uma ferramenta indispensável. Mas aqui se requer também uma nota de cautela. Um dos observadores mais astutos e informados do tumulto no mundo árabe, Patrick Cockburn, escreve que durante os levantes da primavera árabe, ‘membros da intelectualidade [frequentemente] pareciam viver e pensar dentro da câmara de ecos da Internet. Poucos expressaram ideias práticas sobre como ir adiante’ ou, poderíamos agregar, poucos prestaram suficiente atenção às realidades políticas, de classe ou militares. Os resultados aí estão à vista, e essas lições se podem generalizar”.

–Qual deveria ser o papel dos meios de comunicação progressistas neste contexto?

–Todos permanecemos dependentes das reportagens diretas de jornalistas corajosos e honestos, os que fazem seu trabalho com integridade. Nenhuma tecnologia vai mudar isso. O papel dos meios de comunicação progressistas é o mesmo de sempre: tentar buscar a verdade em assuntos de importância, romper a torrente de propaganda e engano que está enraizada nos sistemas de poder e oferecer os meios para que as pessoas possam avançar nas lutas pela liberdade, pela justiça e até pela sobrevivência diante das ameaças ominosas.

–O senhor persiste em abordar os efeitos devastadores das políticas do governo dos Estados Unidos e do mundo empresarial, as quais se manifestam em guerras e injustiças sociais e econômicas, e mais recentemente advertiu que isto está chegando a um ponto em que estamos pondo em risco a própria sobrevivência da civilização. Para aqueles que observam os Estados Unidos e a América Latina neste momento, quais são os desafios mais básicos que se enfrentam hoje em dia? Onde se percebe o maior potencial para uma resposta diante desses desafios?

–As ameaças são muito reais. A ameaça de destruição por guerra nuclear está sempre presente, e o histórico é atemorizante. O mesmo é certo, talvez ainda com mais proeminência, acerca da ameaça duma catástrofe ambiental. Pela primeira vez na história humana estamos frente às possibilidades de destruir as condições duma sobrevivência decente, e os sistemas de poder estão nos levando a esse precipício.

“Entretanto, há sinais alentadoras, em grande medida a partir da América Latina, já que o que tem ocorrido nos anos recentes tem um significado verdadeiramente histórico. Pela primeira vez em 500 anos, países da América Latina têm dado passos muito sérios para a integração e a independência do poder imperial estrangeiro (no século passado, principalmente dos Estados Unidos)”.

“As mudanças, que são espetaculares, se revelam de várias maneiras. Não faz muito, a América Latina era o quintal de Washington. Os países faziam o que lhes era ordenado, ou, se saiam dessa linha, eram submetidos a golpes militares, terror assassino e destruição. Porém agora, em conferências hemisféricas, os Estados Unidos e o Canadá estão virtualmente isolados”.

“Um estudo recente dos programas de ação (de ‘rendición’) extraordinária da Agência Central de Inteligência (CIA), uma das formas mais selvagens e covardes de tortura, constatou que colaborou grande parte do mundo, incluída a Europa, mas havia uma exceção: a América Latina. Isto é duplamente notável: primeiro, pela subordinação histórica da região a Washington, e segundo, porque durante esse período [de subordinação] a região era um dos centros de tortura do mundo”.

“Por outro lado, segundo o Tratado de Tlatelolco, a América Latina é uma das poucas regiões do mundo com uma zona livre de armas nucleares”.

“Num outro aspecto, com comunidades indígenas frequentemente como líderes, vários países latino-americanos têm dado passos significativos no sentido de reconhecer os direitos da natureza e buscar economias sustentáveis que dêem um freio à trajetória rumo a um desastre ambiental”.

“Tudo isto é dramático e promissor, embora ainda com falhas e problemas sérios”.

“Os desafios que enfrentamos hoje são imensos. O maior potencial [para uma resposta] é uma cidadania ativa e comprometida. Não há muito tempo a perder”.

–O que faz o senhor ficar alegre (“lo hace reír”) hoje em dia?

–Na cultura judia em que fui criado, há um conceito de alegria (“de risa”) através de lágrimas. Lamentavelmente, o mundo oferece muitas oportunidades para esta prática.

“Porém há muitos raios de luz, e amplas razões para esperar que um mundo melhor é possível, como o Foro Social Mundial e suas ramificações nos lembram continuamente. E não é acidental que suas raízes são latino-americanas”.

Tradução: Jadson Oliveira

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