Filho do histórico líder guerrilheiro e
ex-deputado (mesmo nome do pai, ex-líder dos Tupamaros), compõe a chapa com
Tabaré Vázquez na busca de um terceiro governo da coalizão de centro-esquerda,
a Frente Ampla. Numa conversa com Página/12,
repassa a relação com a Argentina, adverte sobre os fundos-abutre e aposta na
integração da América Latina. Nesta segunda parte da entrevista, fala das “papeleras”,
da descriminalização da maconha e da Lei da Caducidade ou anistia.
Por Mercedes López San Miguel, no jornal argentino Página/12, edição impressa de 11/08/2014 (a entrevista neste blog
está dividida em duas partes; a primeira foi postada no último dia 2; o título
acima é deste blog)
(Continuação)
–No Uruguai costuma se dizer que as “papeleras” (indústrias de papel e celulose) chegaram para ficar, é isso?
–Sim. E é muito provável que tenhamos mais “papeleras”. Se está prevendo a instalação de uma ou duas mais nos próximos anos, com investimentos importantíssimos. Estamos prevendo um investimento de uns três bilhões no ramo das “papeleras”. No Uruguai, nos próximos anos temos desafios muito importantes: a mineração, as reservas de ferro e a exploração petrolífera. Iniciamos um caminho que não tem volta que é o da exploração petrolífera costa afora e em terra firme. Há poucos dias tínhamos parado na fronteira um grupo de caminhões que estava indo da Argentina ao Uruguai para fazer trabalho sísmico em terra firme. E há dez empresas internacionais de primeira linha fazendo exploração petrolífera. Esta última, assim como as “papeleras” e a mineração abrem ramos novos na economia que vão gerar ao redor delas cadeias de tecnologia e formação de mão-de-obra.
–Em todas essas atividades, o questionamento é que não se contamine o meio ambiente...
–Sim. O programa da Frente estabelece um compromisso muito forte com a sustentabilidade desses processos para assegurar a preservação do meio ambiente. Temos um compromisso de fortalecer as agências do estado que se encarregam da proteção do meio ambiente, que têm que estar à altura da demanda, porque têm estado saturadas ante a demanda de novos projetos. E muitas vezes há uma lentidão na resposta. Se estamos usufruindo dos recursos naturais, temos que assegurar que a utilização dos mesmos gere utilidades de novas cadeias de valor para que deixemos às futuras gerações. Que nós convertamos a utilização dos recursos naturais em educação, em políticas sociais; que asseguremos uma maior equidade; que se gerem novas cadeias tecnológicas como o software.
–Você não está a favor da descriminalização da maconha. Haverá mudanças na legislação?
–Não vão haver mudanças, porque já é algo que está aprovado e acordado. Minha única dúvida sobre o assunto é o risco de enfraquecer a barreira do proibido. Se a maconha não está proibida, poderia aparecer nos jovens a necessidade de consumir o que não está permitido, então se pode enfraquecer essa barreira do proibido, o que pode levá-los a situações mais perigosas. A posição adotada pelo governo está fundamentada por técnicos e profissionais que trabalharam nisto muito tempo. Além disso, a lei é visualizada no mundo como uma referência, por isso não é mais do que uma dúvida pessoal e espero não ter razão.
–Há três filhos de políticos nesta campanha. Você, filho de Raúl Sendic, Luis Lacalle Pou, filho do ex-presidente Luis Alberto Lacalle, e Pedro Bordaberry, filho do ditador Juan María Bordaberry. A que atribui isso?
–A política no Uruguai se vive intensamente e a família se compromete muitíssimo. Nós, querendo ou não, terminamos com minha casa revistada, com os militares levando minha mãe, indo visitar meu pai no cárcere. Meus irmãos e eu não tivemos escolha, estávamos metidos nessa circunstância. Aos demais aconteceu o mesmo. Eu tenho uma admiração por meu velho e eles também devem ter em relação aos seus, ainda que não os entenda.
–Com maioria da Frente Ampla, o Congresso aprovou em 2011 uma lei que deixou sem efeito a Lei de Caducidade ou anistia, que esteve vigente durante 25 anos. No entanto, a Corte Suprema considerou inconstitucionais artigos chaves. Como se acaba com a impunidade?
–No Uruguai não há impunidade. Um grupo de militares está morrendo no cárcere, como Goyo Alvarez. Vários dos desaparecidos foram encontrados, a partir do que se começou a desarquivar informação e a investigar nos quartéis. O artigo quarto da lei que procurou evitar a caducidade permitiu continuar adiante com a investigação e o conhecimento da verdade. A equipe de antropólogos vem trabalhando na busca dos desaparecidos, e esse é o caminho que vamos seguir transitando. O que aconteceu com Estela de Carlotto (a entrevista foi nos dias do anúncio da identificação, 37 anos depois, do neto desaparecido de Estela, que é a presidenta de Avós – Abuelas – da Praça de Maio; seu nome é Guido; foi, como os argentinos denominam, o “neto recuperado número 114”) é uma demonstração de que essa luta não pode ser abandonada nunca. E que mais para a frente, a verdade às vezes demora porém chega.
COM O PESO DA HISTÓRIA NOS OMBROS
Por Mercedes López San Miguel
Se chama
Raúl Sendic, como seu pai, o líder do Movimento de Libertação Nacional -Tupamaros.
Candidato a vice-presidente, com seus 50 anos é a cara da renovação ao lado de
Tabaré Vázquez, de 74. Formam a dupla que aspira a um terceiro governo da coalizão
de centro-esquerda Frente Ampla nas eleições de 26 de outubro. “Muitas vezes as
pessoas me dizem ‘se seu pai visse que hoje você é candidato a vice’. E eu não
sei se meu pai me abraçaria ou me daria um esporro”, diz rindo, ressaltando que
“todos os dias me encontro com um pedaço da história de meu velho”.
Raúl
Sendic afirma que seu pai dizia o que pensava e fazia o que dizia. “Não se pode
negar que foi uma pessoa coerente com suas ideias, humano e inteligente”. Usa as
reflexões que seu pai lhe escrevia do cárcere para os discursos da campanha. “As
cartas são elementos que me servem para pensar a política de hoje.” Sendic foi
o líder indiscutido e respeitado dos tupamaros. Quando saiu da cadeia, em 1985, disse uma frase que
indicou claramente o abandono das armas: “Nos integramos à democracia sem cartas
na manga”.
Sendic se
diplomou em Genética em Havana, onde viveu cinco anos, entre 1980 e 1985. “Eu
era muito jovem e aproveitei para estudar, era muito difícil estudar no Uruguai
nesses anos. Voltei com o retorno da democracia. Quando meu velho saiu do cárcere estava em Montevidéu,
esperando-o.” O histórico guerrilheiro morreu quatro anos depois em Paris. O
jovem Sendic foi forjando uma carreira política. De formação marxista, seu
primeiro agrupamento dentro da Frente Ampla foi o Movimento 26 de Março, um
partido de esquerda mais radical, segundo ele define. Foi deputado, ministro da
Indústria e presidente da petroleira estatal Ancap. A lista 711 que lidera
resultou a mais votada nas primárias de junho, mais do que o Movimento de
Participação Popular (MPP), o partido de José Mujica. Por isso, não restaram dúvidas
de que seria o companheiro de Tabaré Vázquez, apesar de que o presidente havia
proposto sua mulher, a senadora Lucía Topolansky. Mujica em seguida assumiu a
derrota e sustentou que Sendic representava a renovação.
“Tenho uma
relação muito estreita com Pepe, como de pai e filho. Nos damos muito bem, e às
vezes temos divergências, mas tenho um afeto muito grande por ele, e tive um
respaldo muito grande do Pepe”, diz Sendic. Mujica o chama
carinhosamente Raulito.
Com
Tabaré Vázquez, Sendic concorda em vários pontos: ambos declararam que estão
contra a legalização da maconha e do aborto, mas também esclareceram que não
modificarão as leis votadas a respeito com maioria da Frente Ampla.
Em sua
passagem por Buenos Aires, se viu que os dois se mostraram bem sintonizados diante
dos simpatizantes frente-amplistas que os aplaudiam num ato realizado na Faculdade
de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires (UBA). Também diante de
empresários argentinos num almoço no Hotel Alvear, organizado pelo Conselho
Interamericano de Comércio e Produção –presidido por Eduardo Eurnekian –, do
qual participaram o deputado Julio Cobos e o governador Antonio Bonfatti.
Frente a um público elogioso do projeto político uruguaio, Tabaré e Sendic exortaram
a investir no seu país, um lugar com “regras claras e estabilidade macroeconômica”.
E com segredo bancário. “Haverá acordos de intercâmbio, porém será mantido o segredo
bancário”, confirma Sendic.
Tradução: Jadson Oliveira
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