Jovens argentinos do movimento La Cámpora concentrados, no último sábado, dia 13, em apoio ao governo de Cristina Kirchner (Foto: Página/12) |
Os brasileiros vivemos manietados: não vamos às ruas para
condenar as posições direitistas do governo, nem vamos para apoiar quando o
governo assume posições progressistas.
Por Jadson
Oliveira, jornalista/blogueiro – carta a uma amiga argentina
De Salvador (Bahia) – Lucilla, querida, você me
pergunta numa de tuas últimas cartas por que não se vê militância de partidos e
movimentos sociais brasileiros nas ruas em defesa da reeleição da presidenta
Dilma. É uma boa questão. Aliás, “militância” por aqui virou uma espécie
raríssima. Não há manifestação de rua a favor da reeleição da Dilma (nem tampouco
contra).
Ontem
mesmo (domingo, dia 14) eu estava vendo, com inveja, no nosso Página/12 - na
Internet, é claro -, a mobilização dos jovens do La Cámpora em defesa do
governo e do projeto “nacional e popular” de Cristina Kirchner. É a juventude
kirchnerista/peronista, com suas belas bandeiras azul e branco reforçando e
empurrando o governo “progressista” dos “K”, como vocês dizem aí na Argentina.
Segundo a matéria, havia em torno de 40 mil pessoas no estádio do Argentinos
Juniors aí em Buenos Aires.
Outro dia
traduzi e postei aqui no meu Evidentemente
matéria do mesmo jornal – diário que acompanho diariamente desde minha
temporada de seis meses aí em 2010/2011; que falta faz um jornal desse aqui no
Brasil! – sobre a mobilização de milhares de militantes de dezenas de entidades
aglutinadas no “Unidos e Organizados”. É a centro-esquerda em apoio aos “K”
(vocês aí distinguem, apropriadamente, a “centro-esquerda” da “esquerda”; aqui
no Brasil, de forma inadequada, dizemos “esquerda” pra tudo que é partido e
movimento mais à esquerda, fica um “balaio de gato”). Me parece que vocês são
mais sabidos, mais refinados politicamente.
Manifestação de rua da militância kirchnerista em Buenos Aires contra os chamados fundos-abutre, especuladores estadunidenses que tentam botar na parede o governo argentino (Foto: Página/12) |
Pois bem,
minha amiga, respondo tua pergunta com o título acima: falta uma “pata”
fundamental no nosso movimento democrático, popular e de esquerda (o “pata” é
uma modesta homenagem a vocês que usam tanto esta expressão). Não há participação
popular de massa por aqui. Houve aquele ”estouro da boiada” em junho do ano
passado, mas desorganizadamente, atropeladamente, tanto que até a Rede Globo (o
Grupo Clarín daqui), a força mais saliente da direita, tentou assumir a direção
(já te falei disso numa carta anterior).
É a
grande carência das forças populares e de esquerda deste nosso Brasil, o “gigante”
sul-americano como dizemos pela “nuestra Pátria Grande”. Este Brasil ao qual
muitos (as) companheiros (as) latino-americanos (as) se referem como em
processo de luta pelo socialismo – acho que fazem a vinculação,
equivocadamente, entre o maior líder popular daqui, o Lula, a sua origem
operária e o nome do seu partido (PT – dos Trabalhadores). Sinto te
decepcionar, aqui não há movimento pró socialismo, não há pelo menos de alguma
relevância (querida, um dia desses te faço uma carta exclusivamente sobre isso,
prometo, porque sinto que o pessoal da América Latina fica um tanto desnorteado
e não entende a potência do capitalismo brasileiro. Não se dá conta da
avassaladora hegemonia ideológico-cultural sob a qual vivemos os brasileiros,
capitaneada sobretudo pelos monopólios privados de comunicação).
Então,
amor, vou reforçar: aqui não há mobilização popular (hoje mesmo, segunda, dia
15, está programada uma manifestação de rua dos petroleiros em apoio à
reeleição de Dilma e em defesa da Petrobras – uma estatal meio capenga do ponto
de vista dos interesses populares e da soberania nacional, com grande parte dos
acionistas privados formada por estrangeiros e com 80 mil empregados e 300 mil
terceirizados). Vamos ver a quantidade de gente que vai às ruas.
Amiga,
vou te citar três fatos pra você sentir como o movimento de esquerda (vocês
diriam “centro-esquerda”) vivemos aqui manietados: não vamos às ruas para
condenar as posições direitistas do governo, nem vamos para apoiar quando o
governo assume posições progressistas. Fico até invocado porque meus
companheiros da blogosfera “progressista” não destacam isso, talvez para não
entrarem no mérito da questão, pois talvez tivessem que examinar o percentual
de culpa a cargo da política do PT/Lula/Dilma. É um tema complicado, mas outro
dia mesmo o Gilberto Carvalho, um ministro do governo (da Secretaria Geral da
Presidência) que demonstra sensibilidade diante dos movimentos sociais,
destacou isso: a necessidade do povo ir às ruas para que as coisas andem a seu
favor.
Vão aí os
três fatos:
1 – Há poucos
meses o governo fez um decreto regulamentando a participação popular nas ações
governamentais. Foi um Deus nos acuda: os jornais, rádios, TVs e sítios web da
mídia hegemônica classificaram o tal decreto – tímido, diga-se de passagem,
para os padrões de governos progressistas da América Latina – como anti-democrático
(veja só, anti-democrática uma tentativa de institucionalizar um maior
protagonismo popular!). Na visão da direita, seria um atropelo das atribuições
do Congresso Nacional (um Congresso, hoje, majoritariamente, “comprado” pelo
alto empresariado). Povo na rua para defender esse tímido avanço do governo?
Nada, nem pensar!
2 –
Pressionado pelas jornadas populares de junho/2013, o governo formado a partir
do PT (presidido por Dilma, não é apropriado dizer “governo petista”, é na
verdade uma coalizão da centro-esquerda com a direita e a ultra-direita) teve o
grande saque de propor uma Assembleia Constituinte exclusiva para levar adiante
a reforma do sistema político-eleitoral, através de um plebiscito. O detalhe
mais saliente é a tentativa de acabar com o escandaloso esquema de
financiamento empresarial das campanhas eleitorais (o Congresso “comprado” a
que me referi acima é fruto principalmente disso). O Congresso, claro, boicotou
a proposta. E nada de gente na rua para tentar ressuscitá-la. Os movimentos
sociais aproveitaram a deixa e promoveram um “plebiscito popular”, fora da
institucionalidade, entre 1º. e 7 de setembro, buscando mobilizar 10 milhões de
votantes a favor da proposta (o Brasil tem 140 milhões de eleitores). O anúncio
do resultado deve sair por esses dias.
3 – Uma ação
judicial de iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil (nossa antes muito
aguerrida OAB, hoje nem tanto) está no Supremo Tribunal Federal (STF – a corte máxima
de Justiça daqui) com votação pelo meio, mas já com maioria garantida de votos
para sua aprovação, pedindo o fim desse escandaloso (vale repetir o adjetivo)
sistema de financiamento das campanhas. Pois muito bem: um dos 11 ministros,
chamado Gilmar Mendes, tristemente conhecido dos brasileiros, pediu “vistas” do
processo. Ou seja, pra quem não conhece o jargão jurídico: é como se ele
pegasse o processo e levasse pra casa, leva de volta pra continuar a votação (já
perdida para ele e seus partidários da direita, por maioria) quando assim
julgar conveniente. Simples assim! Cadê o povo mobilizado e organizado na porta
do STF ou na porta da casa desse ministro pra reclamar? Nada.
É isso
aí, minha querida Lucilla, estamos f..., com o perdão da má palavra. Espero dar
notícias mais alvissareiras numa próxima missiva, um beijão, saudades.
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