(Foto: Carta Maior) |
A estratégia dos fundos abutres foi pressionar para que a Argentina cedesse em sua posição de rechaçar o pagamento da dívida nos termos da sentença.
Por Raúl Dellatorre, Página12 - reproduzido do portal Carta Maior, de 03/08/2014O embate entre Argentina e os fundos abutres chegou a uma instância decisiva ao terminar o “período de graça” de 30 dias depois do primeiro vencimento de bônus da dívida argentina, mediante a firme permanência da sentença do juiz Thomas Griesa.
O próprio juiz impediu que os credores recuperassem o dinheiro, em que pese o fato de o devedor (Argentina) ter depositado no prazo (antes de 30 de junho) e na forma exigida (no banco designado, o BoNY) os fundos correspondentes. Vencido o período de graça e sem ter sido concretizada a cobrança, o juiz, por meio do juiz mediador, Dan Pollack, ressaltou que “é iminente que a Argentina entre em moratória (...), um evento real e doloroso que prejudicará pessoas reais: cidadãos argentinos, os detentores de bônus renegociados e aos chamados investidores hold out.
Nesta instância, enquanto o governo argentino nega que “o evento” possa se caracterizar como moratória, assim como os “dolorosos danos” nos termos expostos por Pollack, aparecem em cena novos “atores”: bancos argentinos dispostos a “pagar” para que os próprios fundos abutres habilitem o stay (medida cautelar para suspender a aplicação da decisão) e seja liberado o pagamento dos detentores de bônus, evitando assim a chegada do suposto default. Mas se trata de generosos salvadores? E se tinham a solução, por que não chegaram antes? Se os bancos fossem os donos da “varinha mágica” que abriria o cofre da solução, passariam a ser também os donos da situação neste conflito de repercussão internacional?
Buscando as explicações, seria possível dizer:
Por que justamente agora? Porque a estratégia dos fundos abutres foi pressionar para que a Argentina cedesse em sua posição de rechaçar o pagamento da dívida nos termos da sentença, extorquindo com o bloqueio do pagamento aos credores e a posterior declaração da moratória. Quando entenderam que a Argentina não cederia nem no limite, começaram a considerar a proposta de terceiros (banqueiros argentinos, mas também de outras origens), que já circulava semanas antes.
Por que um grupo de bancos locais surge como o salvador? Porque se tornariam os que mais perderiam com uma declaração externa de moratória. Tem em seus ativos uma quantidade elevada de títulos de dívida argentina, boa parte deles sob legislação estrangeira. E o valor dos títulos de suas empresas, cotados em Nova York, se desvalorizaria. Porque são os que administram o grosso do vínculo financeiro com os Estados Unidos (transferências de fundos, pagamentos comerciais e por aplicações financeiras, depósitos e empréstimos externos), fluxo que poderia ser sensivelmente afetado pela desqualificação argentina no núcleo financeiro de Nova York. Porque, além disso, concretizar a operação de compra da dívida poderia render a este grupo de bancos o estreitamento dos vínculos com grupos investidores de muito peso nas finanças de Nova York.
Sua participação tem muito mais a ver com a defesa de interesses próprios do que com um gesto patriótico. Não por acaso, a estas horas, outros grupos financeiros, inclusive dos Estados Unidos, disputam para ocupar seu lugar na operação. É por estas mesmas razões que concretizar essa operação não nos transformaria em “patrões” da situação, nem em donos da solução.
Por que a saída deveria vir de fora da causa? Porque as restrições legais que a Argentina tem, para não disparar a chamada cláusula RUFO (Rights Upon Future Offers) com um acordo que exceda o da troca, o impasse dos fundos abutres e o juiz em sua pretensão de cobrança de um acordo imediato, tornam a situação absolutamente travada. Somente uma oferta externa que contemple uma ponte entre as partes abriria um princípio de solução. Um caminho que o juiz negociador, com sua atitude até então e com sua recente declaração, não ajudou a trilhar.
Tradução: Daniella Cambaúva
(Ilustração: do jornal argentino Página/12) |
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