Chávez, Kirchner e Lula: os principais protagonistas do histórico NÃO à ALCA (Foto: Internet) |
Por Julio C. Gambina (*) – Artigo traduzido do jornal argentino Página/12, edição de 21/07/2014
Os tempos mudam rapidamente. Nos anos 80 e 90, a norma foi o ajuste e a reestruturação regressiva da ordem capitalista em nossa região com privatizações, desregulações, orientação privilegiada para a mercantilização, a iniciativa privada e o livre movimento de capitais internacionais, com o fenômeno do endividamento.
Com o novo século vieram tempos de mudança política, sustentadas numa enorme resistência popular. Desde os não à ALCA, à dívida e à militarização, aos sim a um programa de soberania popular e integração alternativa na primeira década do século 21, que em alguns casos incluía o horizonte anticapitalista e pelo socialismo. Nos remetemos a novembro de 2005 quando se consolida o rechaço ao tratado de livre comércio promovido pelos Estados Unidos nas agendas de debates de presidentes das Américas e começava o caminho de descrédito final da OEA. Foram as bases para a formação da Unasul, em 2008, e da Celac, em fevereiro de 2010.
Por esses anos se modificaram as constituições do Equador (2008) e Bolívia (2009) com importantes inovações em seus capítulos sobre a ordem econômica. Vale mencionar para esses tempos históricos e de forma simultânea, em 2007 estourava a crise das hipotecas nos Estados Unidos, e como parte do fenômeno, em 2008 se desmontavam grandes bancos de investimento e outras empresas de seguros associadas ao sistema financeiro. Assim se generalizou uma crise mundial do capitalismo com recessão em 2009, sem solução ainda e que motiva a busca de rentabilidade de capitais demandando recursos naturais e força de trabalho barata, situação que define os países emergentes.
Sob essa situação de crise mundial se deram as condições para a busca duma Nova Arquitetura Financeira (NAF). Iniciativa que se desenvolveu em dois sentidos. Por um lado, tentando modificar a partir de dentro o sistema surgido em 1944, o que resultou impossível, com os Estados Unidos e seus sócios da tríade formada com a Europa e o Japão, indispostos a reduzir sua hegemonia. Por outro, promovendo uma série de iniciativas na região, como o Banco do Sul, um fundo comum de investimentos e de uso de reservas internacionais, a utilização de moedas locais para o intercâmbio e inclusive a potencialidade de convergência econômica, tudo num marco de integração não subordinada e articulação produtiva da América do Sul.
Por isso, em dezembro de 2007, sete presidentes da região sul-americana subscreviam o acordo pelo Banco do Sul e anunciavam que em três meses estaria funcionando. Junto à entidade financeira regional se apontava para um Fundo de investimentos, constituído pelas importantes e crescentes reservas internacionais. O imaginário popular animava estas propostas com expectativas para consolidar fontes de financiamento para um modelo produtivo e de desenvolvimento alternativo, que permita limitar a dependência de investimentos externos ou dos empréstimos tradicionais do mercado financeiro mundial para promover o programa de soberania alimentar, energética ou financeira.
Esse programa supunha o estímulo à agricultura familiar e comunitária contra a dominação das transnacionais da alimentação e da biotecnologia, o direito à energia em harmonia e defesa dos bens comuns para uma industrialização não dependente; com promoção de investigações de ciência e técnica associando saberes específicos profissionais surgidos da universidade pública com saberes populares. Se tratava duma proposta na contramão do monocultivo e dos transgênicos, da megamineração a céu aberto e do regime de montagem industrial com dependência da entrada de insumos e maquinário, condição de potencialização da dependência de ingresso de capitais forâneos, o que define o caráter de emergentes para os países receptores de capital de risco ou de empréstimo.
Aquela imagem tem o limite da ordem capitalista e por isso, a realidade desses anúncios de nova institucionalidade financeira não se materializou. Ainda são parte das expectativas esperançadas duma mudança econômica que consolide as mudanças políticos e avance na perspectiva de outras relações econômicas e sociais. Enquanto isso, os países emergentes, os BRICS, anunciam novos bancos e fundos de contingência, à imagem e semelhança dos hegemônicos, muito discutidos por seu papel na consolidação da desigualdade e da transnacionalização. O objetivo se orienta à promoção da emergência, quando o que se necessita é outro rumo para a independência.
* Doutor em Ciências Sociais da Faculdade de Ciências Sociais da UBA (Universidade de Buenos Aires). Presidente da Fisyp (Fundação de Investigações Sociais e Políticas).
Tradução: Jadson Oliveira
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