(Foto: Página/12) |
Que grande aposta seria conseguir
mostrar que na América Latina pulsa outro modo de manter a presença do mundo em
suas possibilidades abertas, por fora do desejo dos grandes poderes de habitar o
planeta como bestas.
Por Jorge Alemán (*) – da seção de Opinião do jornal argentino Página/12, edição de 25/07/2014
Agora sim
que estamos assistindo a expressão definitiva dum feito histórico: se podem
destruir povos, derrubar aviões, os fundos-abutre e o capital financeiro podem tentar
destruir a barreira da soberania, etc., que não existe nenhuma instância
mundial, organismo internacional ou potência geopolítica que possa intervir de
modo determinante.
Assistimos
o eclipse definitivo dos mecanismos políticos de regulação e a reconfiguração dum novo tipo de realidade
geopolítica, onde se insinuam as primeiras alianças. Desde qualquer celular ou tela
se pode filmar todo tipo de massacres, sem necessidade de apelar ao “véu” da
Segunda Guerra Mundial frente à imagem. Faz anos, numa intervenção em Buenos
Aires, me permitia assegurar que de agora em diante o horror mesmo velará o
horror. A comunidade internacional se dissolve na sociedade do espetáculo. Isto
significa que estamos na época do “Outro
que não existe”, onde nenhuma barreira ou bússola ética mantém ainda sua eficácia
simbólica?
Por um
lado é evidente que sim, por outro se deve constatar que esta ausência do Outro
da regulação simbólica está atravessada pelo grande Outro do capital e o
circuito da mercadoria, a única realidade que não se desmancha no ar. Não só a
guerra, a matança, a extensão da dor não a afetam mas sim que a consolidam. Uma
prova definitiva desta dissolução da comunidade internacional, que ainda conservava
sua marca kantiana de aspiração à paz, é que o nome judeu, símbolo duma
universalidade aberta, não encerrado em nenhuma identidade e vinculado com as
grandes gestas emancipatórias do Espírito, possa ser apropriado ou queira ser
apropriado por uma razão de Estado estritamente militar. Em que se converterá o
mundo quando se confirme a vertiginosa queda dos organismos internacionais em
sua capacidade reguladora? Talvez desta “animalidade” lograda falava o filósofo
Kojêve em O fim da História. Que grande aposta seria conseguir mostrar que na
América Latina pulsa outro modo de manter a presença do mundo em suas possibilidades
abertas, por fora do desejo dos grandes poderes de habitar o planeta como bestas.
* Psicoanalista e escritor. Conselheiro
cultural da Embaixada Argentina na Espanha.
Tradução: Jadson Oliveira
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