O conclave foi um triunfo da diplomacia brasileira, mas especialmente de Rousseff (Foto: AFP/Página/12) |
A aliança com os BRICS não se
restringe a uma perspectiva economicista de curto prazo: A conferência de
Fortaleza, prolongada na quarta-feira em Brasília quando se somaram os líderes
da Unasul e Celac, teve o selo da presidenta, que se perfila como favorita à
reeleição nas eleições de 5 de outubro.
Veja como o jornal argentino Página/12 reporta a movimentação do
governo brasileiro, e especialmente a atuação da presidenta Dilma, em relação à
reunião do BRICS/Unasul/Celac. Por Darío
Pignotti, do Brasil, edição de 20/07/2014.
Em 2016,
baterias antiaéreas russas blindaram o Rio de Janeiro durante os Jogos
Olímpicos, graças ao acordo de defesa firmado por Brasília e Moscou uma semana
antes da quinta cúpula do grupo BRICS celebrada em março de 2013, um entendimento
ampliado por Dilma Rousseff e Vladimir Putin na semana passada quando se incluiu
a compra de outros armamentos. Em outubro de 2013, duas petroleiras chinesas
integraram junto à brasileira Petrobras o consórcio vencedor do leilão pelo
megapoço Libra, situado no litoral carioca e dotado de cerca de 12 bilhões de
barris de petróleo. Antes disso, em 2009, ano do primeiro encontro presidencial
dos BRICS na cidade russa de Ekaterimburgo, Luiz Inácio Lula da Silva pactou com
seu colega chinês Hu Jintao um crédito de 10 bilhões de dólares para que a Petrobras
extraia petróleo em jazidas no mar a 5.000 metros de profundidade.
Estes
antecedentes, aos quais se poderiam acrescentar outros como os programas
satelitais assinados com a China, permitem demonstrar que a aliança dos governos
do Partido dos Trabalhadores com os BRICS, iniciada por Lula e aprofundada por
Dilma, não foi construída de uma hora para outra nem se restringe a uma
perspectiva economicista de curto prazo, como poderia imaginar quem leve em
conta apenas a criação do Banco de Desenvolvimento e o Fundo de Contingência
durante a sexta reunião desse grupo de países, realizada na semana passada na
cidade nordestina de Fortaleza.
A aliança
entre o Brasil e as potências emergentes começou a amadurecer na década passada
e ganhou mais ímpeto após a crise global de 2008.
Além de questionar
o peso dos Estados Unidos no FMI, apoiar a criação de instituições financeiras e
incentivar o comércio através das moedas locais, o Brasil foi estabelecendo
graduais convergências com os BRICS em áreas sensíveis como são as de defesa e
energia, onde se assenta o núcleo duro de um vínculo entre nações.
Todos
esses precedentes, somados às coincidências em grandes assuntos da agenda
mundial, como os conflitos na Líbia, Síria ou Oriente Médio, onde Brasília costuma
compartilhar com as posições defendidas por Beijing (Pequim) e Moscou, foram
instalando os BRICS dentro das prioridades da política externa de Brasília ao
tempo em que se observava um simétrico retrocesso com os Estados Unidos.
Nos
últimos meses essa potência ficou fora da disputa pela exploração de petróleo no
litoral do Rio de Janeiro, onde fincaram pé as companhias chinesas, e perdeu a
licitação para a venda de 36 aviões de combate para a Força Aérea brasileira.
O vice-presidente
norte-americano, Joe Biden, veio ao Brasil em junho, logo iniciada a Copa do
Mundo, com o propósito de recompor as relações depois dos destroços causados
pelo escândalo da espionagem da agência NSA.
Dilma o
recebeu com cortesia e falou sobre a importância que seu governo atribui à Casa
Branca, mas não adiantou qualquer precisão sobre uma eventual viagem a
Washington, depois de ter suspendido uma visita de Estado a essa capital quando
se confirmou que os agentes da NSA espionaram os arquivos da Petrobras e até
gabinetes do Palácio do Planalto.
Em
contraste com a austera recepção oferecida ao enviado de Barack Obama, a
presidenta quis que o último ano de seu governo (conclui em 31 de dezembro) fosse
coroado diplomaticamente em grande estilo, com a visita de 15 chefes de Estado
logo após finalizada a Copa no Maracanã.
O momento
culminante duma semana em que o Brasil demonstrou sua estatura internacional ocorreu
na terça-feira (dia 15) em Fortaleza, em cujas praias ainda se viam torcedores
estrangeiros chegados para o Mundial, com a criação do Banco de Desenvolvimento
e o Fundo de Contingência, duas instituições dotadas de 150 bilhões de dólares.
Um montante
suficientemente robusto como para demonstrar que surgiu um polo de poder capaz
de se firmar diante das metrópoles ocidentais e marcar o início do fim de duas
décadas de unipolaridade norte-americana.
A conferência
de Fortaleza, prolongada na quarta-feira em Brasília quando se somaram os
líderes da Unasul e da Celac, teve o selo da presidenta que se perfila como
favorita à reeleição nas eleições de 5 de outubro, com 36% das intenções de
voto frente a 20% do opositor Aécio Neves, propenso a reincidir nas relações
preferenciais com os Estados Unidos do seu correligionário, o ex-mandatário
Fernando Henrique Cardoso.
O conclave
foi um triunfo da diplomacia brasileira, mas especialmente de Rousseff, que
está em condições de capitalizar o crédito do ocorrido na semana passada, quando
manteve vários encontros bilaterais, o mais importante com seu par chinês Xi Jinping,
nas vésperas da campanha eleitoral e como uma antecipação do que serão os eixos
num eventual segundo mandato.
A
política externa brasileira é a resultante dum campo de forças em que gravitam a
presidência da República, os grupos de poder de fato (burguesia industrial e
financeira) e o Palácio Itamaraty, que costuma operar com uma lógica própria
como se se tratasse dum Estado dentro do Estado.
O saldo da
reunião dos BRICS posiciona melhor Rousseff dentro desse sistema instável, onde
também operam o lobby das potências estrangeiras e corporações transnacionais.
Rousseff
se move com mais desenvoltura no terreno da diplomacia econômica do que nos meandros
políticos, onde prefere que atuem seus homens de confiança, o assessor especial
de Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, e o chanceler Luiz Alberto
Figueireido.
Segundo
transpirou, ela pediu ser informada permanentemente sobre as negociações para a
criação do Banco de Desenvolvimento, cuja presidência queria exercer, aspiração
que renunciou a favor da Índia, com sentido pragmático, para garantir que o projeto
saia do papel.
Dilma gosta
da diplomacia de resultados, como ficou demonstrado na conferência da semana passada
ou há cinco meses em Cuba, onde esteve para visitar as obras do porto de Mariel
financiadas pelo poderoso Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), porto que permitirá que o Brasil conte com uma base de exportações a umas
quantas milhas marinhas de Miami e do Canal de Panamá, o atalho interoceânico
para chegar ao mercado chinês.
Tradução: Jadson Oliveira
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