ARAM AHARONIAN: A COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA NÃO DEVE SER SINÔNIMO DE MARGINAL (parte 3/final)



Aram Aharonian (Foto: Internet)

O projeto original da Telesur era por em marcha uma televisão generalista, com três patas (informação, formação e entretenimento), mas o comodismo levou a querer criar uma antítese da CNN em espanhol.

Aram Aharonian, presidente da Fundação para a Integração Latino-americana (FILA), opina sobre o papel dos meios de comunicação na América Latina e Caribe, sobre as TVs Telesur e CNN e sobre o portal Nodal (Notícias da América Latina e Caribe).

Por Raúl Argemí, no portal Nodal, de 03/03/2014 (a entrevista vai aqui dividida em três partes; a primeira, que contém a introdução, foi postada no dia 16/abril, com seu título original: “Uma revolução nos meios de comunicação”; e a segunda, no dia 21/abril, com o título “O risco na Internet de concentração da informação e escassez do pluralismo” (o título acima é deste blog)

(Continuação)

– A Telesur (Telesul) parece estar alcançando um de seus objetivos, a massividade. Não havia um certo sentido de elitismo no preconceito de que toda informação alternativa seria sempre marginal?

– Sobretudo, continuo sustentando que a criação da Telesur foi o feito mais transcendente na história recente da comunicação latino-americana, porque demonstrou que o fato de nos ver com nossos próprios olhos não era somente uma utopia.

Por décadas quiseram nos convencer de que o alternativo deve ser sinônimo de marginal. De que os movimentos sociais, populares, a esquerda, do que necessitam é ter pequenos semanários ou pequenas emissoras de rádio e TV comunitárias, isoladas em pequenos nichos. Esse é o paradigma liberal que equipara o alternativo ao marginal. Porém, para ser realmente alternativa à mensagem hegemônica, se deve ser massiva.
O projeto original da Telesur era por em marcha uma televisão generalista, com três patas (informação, formação e entretenimento), mas o comodismo levou a querer criar uma antítese da CNN em espanhol. Um canal de notícias é um canal de zapping, daí que dificilmente alcance massividade. No máximo ser um canal satelital, de cabo. E o fato de que figure na grade de vários sistemas de cabo (e de televisão digital) na América Latina não significa massividade, e sim estar entre mais de uma centena de sinais que um usuário pode sintonizar eventualmente.

–A Telesur nasceu como uma empresa multinacional latino-americana. Quantos governos e quais estão comprometidos atualmente com este projeto, além de emitir o sinal?

–A Telesur surgiu como um projeto estratégico orientado a se contrapor à mensagem hegemônica do Norte mediante a criação dum canal multiestatal latino-americano. Para cristalizar aquele sonho acariciado durante décadas de oferecer a imagem e a voz da América Latina a todo o mundo, e, por sua vez, ver o mundo a partir duma perspectiva própria.
 
Pela primeira vez se gestava um espaço público multiestatal em televisão para difundir uma realidade latino-americana que era, em boa medida, invisibilizada ou minimizada pelos grandes meios de comunicação dos países desenvolvidos e inclusive pelos meios comerciais da região.

Talvez um dos poucos que acreditaram no projeto foi o presidente Chávez. Porém… nunca se concretizou a formação da empresa multiestatal, e hoje ficou como uma emissora adstrita ao Ministério de Comunicação e Informação venezuelano. E isso se deveu à falta de decisão política para levar o projeto adiante. Alguns assessores europeus também tiveram sua cota nesta sabotagem à criação dum canal verdadeiramente latino-americano.

Como sinal alternativo (à mensagem hegemônica) novos atores se foram somando na tela, e aqueles que durante muitos anos não haviam tido voz nem imagem começaram a informar e ser informados.

O projeto da Telesur não se tratava de fazer uma CNN latino-americana ou de esquerda, e sim de revolucionar a televisão, com rigor jornalístico, veracidade, qualidade e entretenimento, informação e formação da cidadania. Os documentos preparatórios da emissora multiestatal investigavam sobre a identidade (diversa, plural) dos latino-americanos, e identificavam algumas peculiaridades: a informalidade do latino-americano, o uso coloquial da linguagem e seu sentido de humor.

Quem mais teve que se adaptar a estas mensagens alternativas foi a CNN em espanhol, que depois de 10 anos de ocultamento e invisibilização dos negros, indígenas e movimentos sociais, teve que começar a mudar sua agenda, porque deixava de ser o transmissor da mensagem única (transmitiu a cerimônia indígena de assunção presidencial de Evo Morales, não pôde ignorar o golpe de Estado em Honduras, etc, etc). Mas a estação de notícias com sede em Atlanta foi mais longe, e aproveitou a timidez e a falta de confiança dos dirigentes da Telesur no projeto próprio. A Telesur não aplicou sua própria fórmula e continua imitando o formato anglo-saxão de vestimenta e discurso, seguindo a agenda marcada a partir do Norte.

–Obter o apoio de um governo para um projeto como a Telesur sempre é um risco. Dificilmente os políticos se resignam a perder o controle, e põem ao timão pessoas de sua confiança, o que põe tudo a perder. A Telesur passou por uma etapa similar, não é verdade?

–Não se quis democratizar a Telesur e então quem assina os cheques e maneja os fundos que saem do governo venezuelano tem a única palavra, ainda que haja algum representante de outros países numa diretoria quase imaginária. Não há participação nem equilíbrio, e muito menos transparência.

Se optou por copiar, imitar, renunciar a ser propositivo para apenas reagir ao que diz “o inimigo”, o que significa que a agenda não é própria. Vemos pouca diversidade e pluralidade, escassa formação da cidadania, quase nulo o debate de ideias, predominando a repetição de consignas. Nossos movimentos sociais não se veem refletidos ali e escassamente as grandes maiorias têm voz e imagem própria, sem intervenção de um mediador.
 
É difícil impor uma agenda comunicacional alternativa quando a grande maioria das imagens informativas manejadas pela Telesur são de duas transnacionais, a Associated PressTelevision News (APTN) e a agência Reuters. Também a agenda de imagens é imposta a partir do Norte.

Há vários anos, aqueles que dirigem a Telesur não acreditam nesse projeto democratizador, tratam de imitar e copiar o modelo da CNN (em espanhol), e inclusive a informação é primordialmente reativa e dependente da agenda informativa e política que ditam no Norte. E isso não é culpa do imperialismo, mas sim dos que copiam seus modelos e formatos.

Tradução: Jadson Oliveira

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