VENEZUELA: PARA QUE HAJA PAZ, PODER AO POVO



(Foto: Carta Maior)
Nos últimos doze meses, mais de 630 comunas foram registradas pelo Estado em transição. Muitas outras se encontram em construção.

Por Fernando Vicente Prieto (*) – reproduzido do portal Carta Maior, de 12/06/2014

Há um ano, diferentes ações impulsionadas por amplos setores do povo e acompanhadas por Maduro vêm a confirmar o rumo estratégico assumido pela Revolução Bolivariana. No marco de uma conjuntura complexa – caracterizada pela intenção golpista da ultradireita –, milhões de pessoas se propõem a continuar o legado de Chávez, em um momento chave para a América Latina e o Caribe. É Comuna ou nada.

Não apenas a Venezuela está pendente quanto às circunstâncias enfrentadas abertamente pelos dois projetos em disputa: o de construção do socialismo bolivariano, baseado na democracia participativa e incentivadora do protagonismo; ou o de restauração de um capitalismo completamente subordinado às transnacionais, que implica ao mesmo tempo a volta ao poder dos setores dominantes durante o Pacto de Punto Fijo. E o resultado desse jogo terá impacto em todo o continente.

Um triunfo do chavismo empurrará com mais força a integração entre os povos. Os Estados Unidos, pelo contrário, tentam garantir as maiores reservas de petróleo do mundo, mas terminam com o mal exemplo para um povo que se organiza e percebe que há crescentes cotas de poder político na sociedade. Paradoxalmente, esse é um dos elementos mais desconhecidos fora do país, embora leve maior radicalidade ao processo venezuelano.

Um ouvido junto ao povo, para entender o processo

Acostumados a olhar exclusivamente para cima, a direita ou esquerda fazem análises da situação na Venezuela em que o grande ausente é o protagonista, aquele que “cresce nas dificuldades”, como mostra a história recente do país – ao menos desde o contragolpe popular em abril de 2002.

Apesar desse menosprezo internacional, é aí que está a causa da resistência prolongada diante de uma ofensiva que inclui ataques de todo tipo, desde o uso de franco atiradores como “apoio” a manifestantes identificados com a etiqueta de estudantes pacíficos – que, no entanto, assassinam pessoas com arames e incendiam ônibus e universidades – até a agressiva diplomacia do Departamento de Estado. 

Tudo suficientemente coberto pelas matrizes dos meios hegemônicos, capazes de penetrar em escala planetária na maioria das consciências, inclusive na de pessoas que acreditam estar informadas porque leem as capas dos grandes jornais. Nesse contexto, não é por acaso que a construção das Comunas não entre “na agenda”, que condiciona o que pode ser dito sobre a Revolução Bolivariana.

Por isso, o tema tampouco é assumido por meios progressistas ou de esquerda, que na maioria dos casos reduzem o processo revolucionário ao que ocorre no nível do governo, sem observar a profundidade de algumas propostas que envolvem o Estado, mas em interação dialética com as organizações de base.

Esse processo funde suas raízes no programa de governo vigente (o Plano da Pátria 2013-2019) e no Golpe de Timão de Chávez, que estabelece a necessidade de avançar em direção ao Estado comunal, com o objetivo de superar o Estado liberal burguês.

Nos últimos doze meses, mais de 630 comunas foram registradas pelo Estado em transição. Muitas outras se encontram em construção, com o horizonte de consolidar 3 mil nos próximos seis anos. Essa nova forma jurídico-política traz a teimosa aspiração do povo de avançar para o autogoverno vinculado com organismos do governo central, e não poucas vezes com indiferença – ou com surda oposição – em relação aos níveis médios, governos ou prefeituras, inclusive as chavistas.

Dessa forma, em meio às “guarimbas”, que tanta atenção da mídia conseguiram em nível internacional, distintos acontecimentos indicam que, desde baixo, cresce o poder popular. Por isso, esse é um dado inevitável para compreender o que está acontecendo. E também para projetar a serventia de os povos que a heterodoxa experiência bolivariana continuarem resistindo.

Organizar-se para ser livres

Em março, enquanto o governo impulsionada Conferências de Paz com distintos setores, cerca de 300 delegadas e delegados das comunas se reuniram em Las Casitas, estado de Zulia, para debater um plano de ação a fim de aprofundar a organização popular.

Dois meses depois, em 17 de maio, cerca de 20 mil pessoas encheram o Poliedro de Caracas para se encontrar com o ministro das Comunas, Reinaldo iturriza, e com o presidente Nicolás Maduro. Ali apresentaram os acordos de Las Casitas, que incluíram propostas sobre temas políticos, econômicos e comunicacionais quanto à paz e a convivência.

A jornada levou o nome de “Comunas produtivas para a ofensiva econômica, pela paz e pela vida” e insistiu no aporte que a organização comunal pode fazer para a superação do modelo rentista petroleiro. Um modelo caracterizado por importar a maioria dos bens básicos – entre eles, os alimentos – e, portanto, débil diante da guerra econômica. É a arma mais importante dos setores interessados em derrubar o governo.

Os moradores e moradoras das comunas destacaram o trabalho realizado pelo ministro Iturriza e se propuseram a “avançar o encadeamento produtivo mediante a construção de redes sócio-produtivas a partir da unidade nacional das comunas”.

Também pediram a Maduro para que continue apostando nas comunas e celebraram a resistência diante dos protestos violentos, que são inexistentes nos bairros populares. “Esse povo das comunas se faz respeitar com organização, ética e alegria”, disseram, para falar da ofensiva midiática contra a Revolução Bolivariana. “As empresas privadas de comunicação se encarregaram de potencializar uma matriz alheia à nossa realidade (…) Meios de comunicação: venham a nossas comunidades e digam a verdade”.

Seguindo Chávez, lembraram que “para que haja paz, deve-se dar poder ao povo. Nem nessa Pátria nem em uma outra haverá paz se o sistema capitalista se mantiver”.

Potencializar a unidade comunal

Além da anunciar a transferência de recursos para a economia comunitária, Maduro aumentou a aposta e propôs criar um Conselho de Governo Comunal que agrupe os organismos de autogoverno em nível nacional e tenha interlocução direta com a Presidência.

“Vocês me fazem propostas, eu as articulo com as políticas e me fazem chegar as críticas das falhas que o Governo Bolivariano tem. Viva a crítica popular! Aprendamos a nos alimentar da crítica. Não tenhamos medo da verdade, esse é o método de Hugo Chávez”, disse o presidente entre muitos aplausos.

Entre este mês que se inicia – e que se anuncia como se suma importância diante de outros cenários de estabilização –, novos encontros serão realizados. Um deles será “A festa dos saberes comunais”, que está sendo desenvolvida por estes dias em Caracas para promover intercâmbios e mostrar o conhecimento presente na organização social. De acordo com o que foi expressado pelo ministro Iturriza, o desafio é “criar as condições para que não dependamos em nenhum momento do ciclo produtivo do capitalismo”. Um grande desafio. É aí que estão os debates do povo venezuelano – à espreita, mas insistindo na construção do socialismo.

(*) Fernando Vicente Prieto, de Caracas – @FVicentePrieto

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