Na Argentina, ‘el Megacanje’ (a
Megatroca), ‘el Blindaje’ (a Blindagem) e agora a sentença do tribunal
norte-americano a favor dos fundos-abutre são um claríssimo exemplo deste
mecanismo que obriga as gerações à exclusão generalizada.
Algum dia, a história e seus
propulsores falarão dos intelectuais nos meios de comunicação hegemônicos,
advertindo sempre sobre o “espectro” populista enquanto preparavam o caminho
dos centuriões e dos lobos.
Por Jorge Alemán (*) – reproduzido do jornal argentino Página/12, edição de 27/06/2014
A
globalização foi o argumento histórico que acobertou a verdadeira situação do
capitalismo financeiro: o estado de exceção sem o clássico golpe de Estado. A
teoria que tentava mostrar a globalização como uma rede que se expandia sem limite
e sem centro foi tão somente um recurso ideológico para obstruir o sempre
difícil pensamento emancipatório. Para dificultar uma vez mais a
inteligibilidade de sua lógica.
A dívida é
o instrumento político deste terrorismo de Estado de novo cunho. Em outros termos,
o golpe financeiro no século 21 é um golpe que se realizou com a cumplicidade
dos Estados dominantes e seus aparatos jurídicos, todos eles pertencentes ao
que chamamos a “racionalidade” neoliberal. O “estar endividado” é o dispositivo
com que se extorque a população para fazê-la renunciar à sua responsabilidade
política. Uma população excluída da responsabilidade política é uma população
reduzida aos protocolos da avaliação e contabilidade, instrumentos que reduzem
a pessoa à sua pura vida desnuda.
Na
Argentina, ‘el Megacanje’ (a Megatroca), ‘el Blindaje’ (a Blindagem) e agora a
sentença do tribunal norte-americano a favor dos fundos-abutre são um claríssimo
exemplo deste mecanismo que obriga as gerações à exclusão generalizada. No
entanto, essa exclusão, paradoxalmente, continua sendo produtora de mais-valia,
inclusive no desemprego e na desocupação permanente, na medida em que o consumo
de publicidade é incessante. É a nova realidade do indivíduo de massa que, ainda
que esteja despossuído, continua sendo um potencial consumidor de todos os
artefatos técnicos que promovem as estruturas midiáticas.
Os esforços
do governo kirchnerista em seu intento de manter a soberania ficarão para a
história como um testemunho singular do esforço de um governo democrático para
não perder o rumo do seu legado histórico de emancipação frente aos
dispositivos de endividamento neoliberal. Algum dia, a história e seus propulsores
falarão dos intelectuais nos meios de comunicação hegemônicos, advertindo sempre
sobre o “espectro” populista enquanto preparavam o caminho dos centuriões e dos
lobos.
Apesar do
ceticismo que este panorama infunde, ainda se pode pensar que o presente é
injusto, porém a história é o lugar onde a verdade retorna. Por isso, aqueles pregadores
da ética nos meios de comunicação hegemônicos salpicados de sangue, aqueles
experts em economia cúmplices do pior, que lembram sempre as “reformas
estruturais inevitáveis”, aqueles zelosos da “racionalidade” que advertem dia após
dia sobre o demônio populista, aquelas esquerdas pseudo republicanas, pseudo
socialistas das “belas almas” reunidas que gostam de denunciar o caráter
prosaico do mundo, que não pensem que a coisa vai ser tão fácil para eles,
porque são muitos os que teceram uma memória comum, que os recordarão em sua
traição.
*
Psicoanalista e escritor. Conselheiro cultural na Embaixada da Argentina na
Espanha.
Tradução: Jadson Oliveira
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