FUNDOS-ABUTRE: A GLOBALIZAÇÃO COMO GOLPE DE ESTADO FINANCEIRO



Foto da capa do jornal Página/12 de ontem, dia 28, ilustrando a manchete "El piquete de Griesa", sobre a sentença do juiz de Nova Iorque, Thomas Griesa, contra o Estado argentino e em favor dos chamados fundos-abutre ("fondos buitre")
Na Argentina, ‘el Megacanje’ (a Megatroca), ‘el Blindaje’ (a Blindagem) e agora a sentença do tribunal norte-americano a favor dos fundos-abutre são um claríssimo exemplo deste mecanismo que obriga as gerações à exclusão generalizada.

Algum dia, a história e seus propulsores falarão dos intelectuais nos meios de comunicação hegemônicos, advertindo sempre sobre o “espectro” populista enquanto preparavam o caminho dos centuriões e dos lobos.

Por Jorge Alemán (*) – reproduzido do jornal argentino Página/12, edição de 27/06/2014                          

A globalização foi o argumento histórico que acobertou a verdadeira situação do capitalismo financeiro: o estado de exceção sem o clássico golpe de Estado. A teoria que tentava mostrar a globalização como uma rede que se expandia sem limite e sem centro foi tão somente um recurso ideológico para obstruir o sempre difícil pensamento emancipatório. Para dificultar uma vez mais a inteligibilidade de sua lógica.

A dívida é o instrumento político deste terrorismo de Estado de novo cunho. Em outros termos, o golpe financeiro no século 21 é um golpe que se realizou com a cumplicidade dos Estados dominantes e seus aparatos jurídicos, todos eles pertencentes ao que chamamos a “racionalidade” neoliberal. O “estar endividado” é o dispositivo com que se extorque a população para fazê-la renunciar à sua responsabilidade política. Uma população excluída da responsabilidade política é uma população reduzida aos protocolos da avaliação e contabilidade, instrumentos que reduzem a pessoa à sua pura vida desnuda.

Na Argentina, ‘el Megacanje’ (a Megatroca), ‘el Blindaje’ (a Blindagem) e agora a sentença do tribunal norte-americano a favor dos fundos-abutre são um claríssimo exemplo deste mecanismo que obriga as gerações à exclusão generalizada. No entanto, essa exclusão, paradoxalmente, continua sendo produtora de mais-valia, inclusive no desemprego e na desocupação permanente, na medida em que o consumo de publicidade é incessante. É a nova realidade do indivíduo de massa que, ainda que esteja despossuído, continua sendo um potencial consumidor de todos os artefatos técnicos que promovem as estruturas midiáticas.

Os esforços do governo kirchnerista em seu intento de manter a soberania ficarão para a história como um testemunho singular do esforço de um governo democrático para não perder o rumo do seu legado histórico de emancipação frente aos dispositivos de endividamento neoliberal. Algum dia, a história e seus propulsores falarão dos intelectuais nos meios de comunicação hegemônicos, advertindo sempre sobre o “espectro” populista enquanto preparavam o caminho dos centuriões e dos lobos.

Apesar do ceticismo que este panorama infunde, ainda se pode pensar que o presente é injusto, porém a história é o lugar onde a verdade retorna. Por isso, aqueles pregadores da ética nos meios de comunicação hegemônicos salpicados de sangue, aqueles experts em economia cúmplices do pior, que lembram sempre as “reformas estruturais inevitáveis”, aqueles zelosos da “racionalidade” que advertem dia após dia sobre o demônio populista, aquelas esquerdas pseudo republicanas, pseudo socialistas das “belas almas” reunidas que gostam de denunciar o caráter prosaico do mundo, que não pensem que a coisa vai ser tão fácil para eles, porque são muitos os que teceram uma memória comum, que os recordarão em sua traição.

* Psicoanalista e escritor. Conselheiro cultural na Embaixada da Argentina na Espanha.

Tradução: Jadson Oliveira

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