“Sobre inclusão podemos aprender muito com a América Latina” (Foto: Página/12) |
Francesca D’Ulisse, encarregada
da ligação do Partido Democrático (centro-esquerda) italiano com a América
Latina: ao retornar dum encontro com partidos da esquerda democrática, a dirigente
diz que, em matéria de inclusão social e ecologia, a América Latina marcha na
vanguarda em relação à Europa.
Por Elena Llorente, de Roma, no jornal argentino Página/12, edição de hoje, dia 16
Ainda que
possa soar um pouco estranho aos ouvidos de alguns, a velha Europa poderia ser
aluna da jovem América Latina em temas como a inclusão social e a questão
ambiental, nos quais esta última desenvolveu uma positiva e ampla experiência nas
décadas recentes.
Pelo
menos é esta a ideia de Francesca D’Ulisse, encarregada das relações com a América
Latina do Partido Democrático (PD), a mais importante agremiação política da
centro-esquerda italiana. D’Ulisse participou recentemente no México dum encontro
denominado “Esquerda democrática”, que contou com a participação de numerosos
partidos progressistas de ambos os lados do Atlântico, como o PSOE da Espanha,
a Concertação chilena, o MAS da Bolívia, o PRD mexicano, o PT brasileiro e outros
partidos e expoentes de vários países, incluindo a Argentina. Numa entrevista
ao Página/12, D’Ulisse se mostrou convencida de que é possível uma colaboração
mais estreita entre progressistas latino-americanos e europeus.
–Você fala
de estreitar relações entre os progressistas latino-americanos e os europeus, mas
há algo de concreto ou se trata somente duma expressão de desejos?
–Não é uma
expressão de desejo, mas ainda não é um projeto que se tenha podido formalizar.
No caso do PD, nós estamos construindo uma rede de partidos políticos progressistas
de todo o mundo, a Aliança Progressista. E dentro desta aliança estamos convidando
a participar os partidos latino-americanos, como os socialistas, os social-democratas,
os progressistas em geral, para construir uma base comum de elaboração do
pensamento, para compartilhar ideias e opiniões e colaborar. A
sociedade mudou. Creio que
é necessário elaborar um novo “pacto social” que surja da constatação de que o
velho modelo de desenvolvimento fracassou. Temos que construir algo novo e neste
contexto destacar os temas do crescimento econômico, a inclusão e a justiça
social. Só diminuindo as desigualdades é possível criar uma sociedade que esteja
a serviço de todos. Enquanto existirem diferenças como na Itália, onde 10% da
população têm 48% da riqueza e os 10 homens mais ricos do país ganham o
equivalente ao que ganham, juntas, 500.000 famílias de operários, a justiça
social não será possível.
–Neste
sentido, a esquerda europeia poderia aprender algo dos países latino-americanos?
–Acredito
que sim, sobretudo do trabalho que na América Latina se está fazendo com a
inclusão social. Não estou de acordo com aqueles que sustentam que as políticas
ativadas pelos governos progressistas latino-americanos são “assistencialistas”.
Eu acredito que são um primeiro passo para propiciar que um setor da população
que esteve excluído possa usufruir duma série de direitos. Sobre inclusão e
justiça social creio que se pode aprender muito com a América Latina. Outro ponto
que me parece interessante é o que acontece em alguns países daquela região com
o ambiente. Há políticas ambientais realmente inovadoras, por exemplo no Equador.
–Que
contribuição poderia dar a Itália?
–Nós poderíamos
dar nossa contribuição sobre o tema da segurança e das máfias transnacionais. E
me refiro em particular ao México, mas não somente. Temos uma legislação
bastante completa neste sentido e a experiência de três máfias importantes no nosso
território, como para poder nos transformar num ponto de referência para a
América Latina.
–Estes
elementos fariam parte dum projeto maior...
–Se trata
de elaborar um novo pensamento, um projeto para as esquerdas mundiais. Neste
sentido cito o presidente Lula, que disse: “A esquerda deve voltar a ser criativa”.
Devemos ser criativos e não dogmáticos.
–Na
Europa muitos abandonaram os progressistas
porque pensam que a esquerda não está fazendo o que deveria. Parte dessa gente foi
parar entre os “anti-tudo” do Movimento Cinco Estrelas de Beppe Grillo (da Itália).
Colaborar com os latino-americanos e elaborar com eles um novo modelo poderia
reverter essa situação?
–Os dois
grandes perigos que corremos nas eleições europeias são os partidos populistas e
o abstencionismo. O voto para Grillo é um voto anti, anti-sistema, anti-partidos,
anti-instituições. O intercâmbio com as esquerdas do planeta, em particular com
as latino-americanas, com as quais a relação é quase natural, pode contribuir
para derrotar os populismos como o de Grillo.
–Não crê
que os desiludidos se foram da esquerda porque acreditam que a esquerda perdeu
o papel de partido revolucionário, capaz de levar adiante reformas claramente em
favor do povo e completamente diferentes da direita?
–Tivemos
que fazer uma forte autocrítica neste sentido. Às vezes fomos demasiadamente
indulgentes com as políticas de direita, acreditando que a austeridade, que logo
se transformou num “austericídio”, era a chave para poder garantir desenvolvimento
e emprego. Na realidade, isto não ocorreu e estes sete anos de crise econômica e
financeira nos demonstraram que estas políticas não funcionam. Por isso, dentro
da UE (União Europeia) e na Itália, pedimos um voto para uma centro-esquerda
moderadamente revolucionária, onde o rigor fiscal, que é necessário, será
acompanhado de políticas de investimentos, inclusive públicas, e com isso
esperamos reativar a demanda interna e poder redistribuir melhor.
–Quais são
os próximos passos do PD a respeito da América Latina?
–O próximo
encontro será no final de junho no Uruguai, onde se reunirá a Aliança Progressista.
E em 2015 se realizará a Conferência Itália-América Latina, que coincide com a
Expo mundial que será em Milão e que poderia abrir portas para a cooperação
multilateral em distintos níveis.
Tradução: Jadson Oliveira
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