Será que Correa ainda pode resgatar a oportunidade de realizar a revolução cidadã que se propôs? Penso que sim, mas a margem de manobra é cada vez menor.
Por Boaventura de Sousa Santos (sociólogo
português), no portal Carta Maior,
de 07/05/2014
Os intelectuais da América Latina, entre os
quais me considero por adoção, têm cometido dois tipos de erros nas suas
análises dos processos políticos dos últimos cem anos, sobretudo quando eles
contêm elementos novos, sejam eles ideais de desenvolvimento, alianças para
construir o bloco hegemônico, instituições, formas de luta, estilos de fazer
política. Claro que os intelectuais de direita têm igualmente cometido muitos
erros, mas deles não cuido aqui. O primeiro erro tem consistido em não fazer um
esforço sério para compreender os processos políticos de esquerda que não cabem
facilmente nas teorias marxistas e não marxistas herdadas. As reações iniciais
à revolução cubana são um bom exemplo desse tipo de erro. O segundo tipo de
erro tem consistido em silenciar, por complacência ou temor de favorecer a
direita, as críticas aos erros, desvios e até perversões por que têm passado
esses processos, perdendo assim a oportunidade para transformar a solidariedade
crítica em instrumento de luta.
Desde 1998, com a chegada de Hugo Chávez ao poder, a esquerda latino-americana tem vivido o mais brilhante período da sua história e talvez um dos mais brilhantes de toda a esquerda mundial. Obviamente não podemos esquecer os tempos iniciais das revoluções russa, chinesa e cubana, nem os êxitos da social-democracia europeia no pós-guerra. Mas os governos progressistas dos últimos quinze anos são particularmente notáveis por várias razões: ocorrem num momento de grande expansão do capitalismo neoliberal ferozmente hostil a projetos nacionais divergentes dele; são internamente muito distintos, dando conta de uma diversidade da esquerda até então não conhecida; nascem de processos democráticos com elevada participação popular, quer institucional, quer não-institucional; não exigem sacrifícios às maiorias no presente em nome de um futuro glorioso, mas tentam pelo contrário transformar o presente dos que nunca tiveram acesso a um futuro melhor.
Escrevo este texto muito consciente da existência dos erros acima referidos e sem saber se terei êxito em evitá-los. Para mais, debruço-me sobre o caso mais complexo de todos os que constituem o novo período da esquerda latino-americana. Refiro-me aos governos de Rafael Correa no poder no Equador desde 2006. Alguns pontos de partida. Primeiro, pode discutir-se se os governos de Correa são de esquerda ou de centro-esquerda, mas parece-me absurdo considerá-los de direita, como pretendem alguns dos seus opositores de esquerda.
Dada a polarização instalada, penso que estes últimos só reconhecerão que Correa era afinal de esquerda ou de centro-esquerda nos meses (ou dias) seguintes à eventual eleição de um governo de direita. Segundo, é largamente partilhada a opinião de que Correa tem sido, "apesar de tudo", o melhor presidente que o Equador teve nas últimas décadas e aquele que garantiu mais estabilidade política depois de muitos anos de caos. Terceiro, não cabe dúvida de que Correa tem vindo a realizar a maior redistribuição de rendimentos da história do Equador, contribuindo para a redução da pobreza e o reforço das classes médias. Nunca tantos filhos das classes trabalhadoras chegaram à universidade. Porque é que tudo isto, que é muito, não é suficiente para dar tranquilidade ao "oficialismo" de que o projeto da Correa, com ele ou sem ele, prosseguirá depois de 2017 (próximas eleições presidenciais)?
Para continuar lendo na Carta Maior (interessante o comentário lá de Franklin de Paula Júnior):Desde 1998, com a chegada de Hugo Chávez ao poder, a esquerda latino-americana tem vivido o mais brilhante período da sua história e talvez um dos mais brilhantes de toda a esquerda mundial. Obviamente não podemos esquecer os tempos iniciais das revoluções russa, chinesa e cubana, nem os êxitos da social-democracia europeia no pós-guerra. Mas os governos progressistas dos últimos quinze anos são particularmente notáveis por várias razões: ocorrem num momento de grande expansão do capitalismo neoliberal ferozmente hostil a projetos nacionais divergentes dele; são internamente muito distintos, dando conta de uma diversidade da esquerda até então não conhecida; nascem de processos democráticos com elevada participação popular, quer institucional, quer não-institucional; não exigem sacrifícios às maiorias no presente em nome de um futuro glorioso, mas tentam pelo contrário transformar o presente dos que nunca tiveram acesso a um futuro melhor.
Escrevo este texto muito consciente da existência dos erros acima referidos e sem saber se terei êxito em evitá-los. Para mais, debruço-me sobre o caso mais complexo de todos os que constituem o novo período da esquerda latino-americana. Refiro-me aos governos de Rafael Correa no poder no Equador desde 2006. Alguns pontos de partida. Primeiro, pode discutir-se se os governos de Correa são de esquerda ou de centro-esquerda, mas parece-me absurdo considerá-los de direita, como pretendem alguns dos seus opositores de esquerda.
Dada a polarização instalada, penso que estes últimos só reconhecerão que Correa era afinal de esquerda ou de centro-esquerda nos meses (ou dias) seguintes à eventual eleição de um governo de direita. Segundo, é largamente partilhada a opinião de que Correa tem sido, "apesar de tudo", o melhor presidente que o Equador teve nas últimas décadas e aquele que garantiu mais estabilidade política depois de muitos anos de caos. Terceiro, não cabe dúvida de que Correa tem vindo a realizar a maior redistribuição de rendimentos da história do Equador, contribuindo para a redução da pobreza e o reforço das classes médias. Nunca tantos filhos das classes trabalhadoras chegaram à universidade. Porque é que tudo isto, que é muito, não é suficiente para dar tranquilidade ao "oficialismo" de que o projeto da Correa, com ele ou sem ele, prosseguirá depois de 2017 (próximas eleições presidenciais)?
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